Evento reuniu trabalhadores, parlamentares, entidades de direitos humanos e profissionais da Justiça
Por Giovanni Giocondo
Fotos: Gladstone Barreto/SIFUSPESP
Após dois dias de intensos debates, foi encerrado nesta terça-feira (02), o 6º Congresso da Federação Nacional Sindical dos Servidores Penitenciários (Fenaspen).
O encerramento teve como mote o lançamento da Frente Parlamentar Contra a Privatização do Sistema Prisional, realizado no Auditório Franco Montoro, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). A frente é uma iniciativa da frente é do deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL).
Antes da abertura oficial do evento na Casa, o presidente do Sifuspesp e diretor de Comunicação da Fenaspen, Fábio Jabá; o diretor do Departamento Jurídico da Fenaspen e presidente do Sindasp-PE, João Carvalho; e o presidente do Sindasp-MG e vice-presidente da Fenaspen, Adeilton de Souza Rocha, fizeram as ponderações finais a respeito do Congresso.
Ambos ressaltaram a importância da presença dos sindicalistas em São Paulo com o objetivo de unir forças para defender os direitos básicos da categoria, além de lutar em conjunto contra o projeto de privatização das penitenciárias que ameaça todos os Estados, sem exceção.
Frente parlamentar contra a privatização
O deputado Carlos Giannazi abriu os trabalhos da Frente reiterando a força que simboliza o contato entre os integrantes das diversas categorias que trabalham no sistema prisional com entidades de direitos humanos, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para lutar contra a privatização do sistema prisional. “A privatização é uma política nefasta do governo do PSDB que não leva em consideração a complexidade das penitenciárias. A frente parlamentar foi criada justamente para evitar que esse projeto seja aprovado”.
Fabio Jabá criticou de maneira dura a pretensão do governador João Doria (PSDB) de privatizar o sistema prisional paulista. Para o presidente do SIFUSPESP, a estratégia do tucano é um ataque direto aos trabalhadores penitenciários e simboliza uma negociação aberta entre Estado e crime organizado, que vai, na opinião do sindicalista, assumir o controle permanente do sistema caso a privatização seja aprovada.
“O que o governador tem declarado até o momento atesta a falta de conhecimento da atual gestão sobre o que acontece no cotidiano das unidades prisionais. Nós, servidores, não fomos consultados apesar de nossa grande experiência dentro desse ambiente. Além disso, fica claro que o acordo feito pelo PSDB com o PCC para que se obtivesse a paz após os atentados de 2006 agora avançou e vai evoluir para uma entrega completa das unidades à facção”, ressaltou.
A norte-americana Michael Mary Nolan, presidente do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITCC), que milita há mais de 50 anos em entidades de direitos humanos, disse que a privatização à semelhança do que foi praticado nos Estados Unidos é um erro crasso. “O Brasil não pode se moldar por um modelo que não deu certo e que promoveu o superencarceramento em favor do lucro, com empresas que administravam cadeias tendo suas ações na bolsa de valores”.
Michael afirmou que é impossível discutir a luta contra a privatização se não for debatido o excesso de pessoas presas no Brasil. “Nos EUA, esse modelo está sendo abandonado justamente por ter sido um fracasso. Mais reincidência em crimes, mais de 2 milhões de presos e índices de ressocialização muito baixos. Não podemos copiar o que não funciona”, explicou.
O vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Hugo Leonardo, alertou ao público que o número de presos provisórios no Brasil é extremamente alto e que a falta de um direito pleno de defesa dessas pessoas por parte do Estado leva a um aumento exponencial da superlotação, o que em um cenário de privatização tende a garantir mais “clientes” de forma permanente para as empresas gestoras das penitenciárias. “Nunca vai ter um fim. Sempre haverá renovação contínua dos presos à disposição da empresa”, ressaltou.
Milton, da Amparar, que representa familiares de presos, afirmou que a união das forças entre os trabalhadores penitenciários, parlamentares, representantes do judiciário e entidades de direitos humanos pode colaborar para que o encarceramento em massa seja interrompido. “Essa frente é fundamental para fazer esse enfrentamento e lutar por mais justiça a todos os que estão submetidos a esse sistema desumano, que tende a piorar muito caso a privatização seja aplicada nas penitenciárias. Mais pobres e negros serão presos e permanecerão em um estado de escravização moderna, sem qualquer tipo de direito”, criticou.
A cogestão das quatro unidades prisionais previstas no edital da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) é a dilapidação do patrimônio público e a entrega das unidades a empresas de segurança particular. Na opinião do advogado Flavio Augusto, da Comissão de Direitos Humanos e Política Penitenciária da OAB, o projeto de Doria deveria ser barrado na Comissão de Constituição e Justiça da Alesp.
“O que as empresas querem é a custódia dos presos. As empresas terceirizadas não podem substituir os agentes, que possuem o poder de polícia por excelência”, afirmou. O advogado lembrou que os massacres ocorridos em Manaus, em 2017 e em 2019; e no Maranhão, em 2016, aconteceram em prisões terceirizadas onde os funcionários, com baixos salários, sem treinamento e experiência, não tiveram condições de controlar as facções, com saldo de centenas de mortes.
Flavio Luna, da Defensoria Pública, acredita que a privatização vem no bojo do avanço do neoliberalismo. “O capitalismo em crise encontra novos nichos de mercado e pretende tomar conta de serviços públicos essenciais, como agora é o caso do sistema prisional”. No olhar do defensor público, a privatização também desrespeita a constituição estadual e normas internacionais firmadas pelo Brasil para reduzir a população carcerária.
“Os argumentos centrais de redução de custos e de mais eficiência do sistema prisional que embasam a defesa da privatização não se sustenta. Os únicos que vão se beneficiar serão os empresários do mercado financeiro”, reitera.
Gilson Pimentel, presidente do SINDCOP, afirmou que o modelo defendido por Doria, que se espelha no sistema norte-americano, sustenta financeiramente campanhas políticas milionárias nos EUA e tenta migrar para o Brasil e a América Latina, como “novos mercados em desenvolvimento” em possíveis parcerias com empresas que já existem aqui.
Para Adeilton Rocha, presidente do Sindasp-MG e vice-presidente da Fenaspen, preso não pode ser tratado como mercadoria. Ele veio a público para falar sobre as mentiras que envolvem Ribeirão das Neves. O modelo de privatização em Minas Gerais possui agentes públicos disponíveis para conter qualquer tipo de problema envolvendo os presos. O agente penitenciário em Ribeirão das Neves faz um papel que é respeitado pelo preso, que por sua vez não obedece aos monitores das empresas privatizadas.
“O tal ‘presídio modelo’ tem denúncias de corrupção, entrada de celulares e muitos outros problemas que não são alardeados à população e que quem resolve são os agentes públicos. A empresa faz acordo com os presos para que o Estado não entre nas unidades privatizadas, porque se o Estado entrar para qualquer demanda, haverá multas à empresa gestora”.
Além disso, existe um outro problema gravíssimo envolvendo o contrato entre a GPA e o governo de Minas. Caso não seja cumprido o índice mínimo de 90% de ocupação da unidade, o Estado tem de pagar à empresa e por isso, o ciclo vicioso de retroalimentação de ida de detentos para a unidade não tem fim.
“O sistema privado é discriminatório porque estabelece um perfil de presos que podem e que não podem entrar na unidade. Condenados por crimes graves ou sexuais, de alta periculosidade, envolvidos com facções criminosas e outros não podem permanecer no complexo de Ribeirão das Neves para não gerar riscos, rebeliões e fugas. Quem é que vai fazer a custódia desses detentos? Se o sistema privado é tão eficiente, porque não quer esse perfil de sentenciado?” questiona Adeilton Rocha.
Laba, do Sindasp-SP, argumentou que toda a construção democrática de décadas que levou ao desenvolvimento da execução penal e da criação e ação das polícias, do Ministério Público e do judiciário, é jogado por terra caso a privatização seja aprovada. “A execução penal é um processo complexo que tem o agente como seu ator final. O agente prescinde da ética, da disciplina e da boa conduta, e o sentenciado só vai aceitar as ordens do funcionário do Estado.
O representante do Sindicato dos Servidores Públicos, Eduardo Pioto, criticou a fala do vice-governador e secretário de Governo Rodrigo Garcia, feita em junho. Na ocasião, Garcia afirmou que as aposentadorias dos trabalhadores penitenciários geram prejuízo para o Estado e que a privatização visa a garantir mais economia para São Paulo. “Nós continuamos a contribuir mesmo depois de aposentados, inclusive acima do teto – diferente do que acontece na iniciativa privada – e ainda assim o vice-governador nos considera dispensáveis e joga nas nossas costas a responsabilidade pela falta de recursos para o sistema prisional”, esclareceu.
João Carvalho, presidente do Sindasp-PE, defendeu o combate à ilegalidade da privatização dos serviços de custódia e disciplina promovidos pelos agentes penitenciários. Citando o exemplo de Pernambuco, lembrou que o agente possui o poder de polícia de forma indireta. “É preciso fazer a execução da pena e o trabalho de ressocialização do preso em conjunto com a sociedade civil para construir um sistema prisional brasileiro melhor e mais eficiente. As soluções existem e precisam ser parte de uma política de Estado”.
Sonia Ponciano, coordenadora da sede regional do SIFUSPESP no Vale do Paraíba, denunciou a legalização da exploração das presas e presos com a privatização, pois esse processo “já existe” por parte das empresas inseridas no regime semiaberto do sistema prisional paulista. “As sentenciadas da unidade onde trabalho já são submetidas a jornadas excessivas para gerar lucro para as empresas que estão instaladas na região. O que o governador João Doria pretende fazer é somente ratificar o que já acontece”, relatou a sindicalista.
Entre as propostas deliberadas após a reunião estão a convocação do vice-governador Rodrigo Garcia para prestar esclarecimentos aos membros da frente parlamentar, a articulação de ações junto ao Ministério Público Estadual para barrar juridicamente o processo de privatização, o estudo para elaboração de projeto de iniciativa parlamentar para proibir a privatização de unidades prisionais e um pedido de investigação sobre as denúncias de desvios de função de servidores vinculados à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).
A Frente Parlamentar continuará se reunindo periodicamente para debater a luta contra a privatização do sistema prisional e conta com apoio de 24 deputados estaduais. Além de Carlos Giannazi, compõem o grupo Adriana Borgo (PROS), Delegada Graciela (PL), Dirceu Dalben (PL), Ed Thomas (PSB), Edna Macedo (PRB), Emidio de Souza (PT), Enio Tatto (PT), Isa Penna (PSOL), Janaina Paschoal (PSL), Jorge Caruso (MDB), Major Mecca (PSL), Marcia Lia (PT), Márcio Nakashima (PDT), Marcos Damásio (PL), Marina Helou (REDE), Monica da Bancada Ativista (PSOL), Paulo Fiorilo (PT), Professor Kenny (PP), Rafa Zimbaldi (PSB), Ricardo Madalena (PL), Tenente Coimbra (PSL) e Tenente Nascimento (PSL).
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Reforma da Previdência tende a agravar problemas de saúde dos servidores penitenciários
Privatização de presídios é incoerente e reproduz as desigualdades extramuros, afirma socióloga
Futuro do sistema prisional e luta contra retrocessos dependem da categoria
Trabalhadores penitenciários abrem 6º Congresso da FENASPEN
Doutor em psicologia pela USP, Arlindo Lourenço alerta que “o que está ruim pode ficar pior” se o tempo de trabalho aumentar com a aprovação da reforma previdenciária. Para o advogado Sérgio Moura, cenário de incertezas quanto à aposentadoria diferenciada só vai mudar “com a exigência de vocês”. Os palestrantes debateram o tema no segundo dia do Congresso da Fenaspen, que termina neste 2 de julho na sede social do SIFUSPESP.
Por Flaviana Serafim
Fotos: Gladstone Barreto/SIFUSPESP
O 6º Congresso da Federação Nacional dos Servidores Penitenciários (FENASPEN) debateu na tarde desta segunda-feira (1) os impactos da reforma da Previdência (Proposta de Emenda à Constituição - PEC 06/2019) na categoria. O encontro, reunindo dirigentes de 13 estados e todas as regiões do país, ocorre na sede social do SIFUSPESP desde domingo (3) e termina nesta terça-feira (2).
O impacto psicológico da reforma foi discutido por Arlindo da Silva Lourenço, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo e autor do livro O Espaço de Vida do Agente de Segurança Penitenciária no Cárcere. Os aspectos jurídicos da PEC 06/2019 que tramita no Congresso Nacional foram tratados pelo advogado Sérgio Moura, diretor do Departamento Jurídico do SIFUSPESP.
Lourenço abriu sua exposição pontuando que a atividade de segurança exercida pelo servidores está entre os dez trabalhos mais exaustivos e desgastantes dentre as profissões existentes, segundo a Organização Mundial de Saúde.
O desgaste característico do estresse profissional é agravado pela falta de investimentos do Estado no sistema prisional e, caso a reforma previdenciária seja aprovada sem garantir aposentadoria diferenciada ao servidor penitenciário, o quadro de adoecimentos causado pelo trabalho vai se agravar ainda mais na categoria, alerta Lourenço, que hoje é professor, mas tem anos de experiência no sistema penitenciário.
“Quando eu estava no sistema prisional, percebia que o agente que abria o portão para mim num dia já não estava ali no outro e não porque não era o plantão dele, mas porque estava afastado por problemas de saúde e isso pode piorar com a reforma previdenciária. Nunca ouvi em outras categorias de trabalho pessoas dizendo que perderam mais de 50 colegas ao longo da carreira por mortes causadas pela profissão, seja por doenças, suicídios ou assassinados”, ressalta.
Segundo o psicólogo, o aumento do tempo de trabalho exigido na reforma trabalhista tende a tornar crônicos os problemas de saúde enfrentados pelos servidores penitenciários. “O que já está ruim pode ficar pior para todo mundo, tanto para os servidores da ativa, que vão demorar mais para se aposentar e ainda terão que contribuir mais e por mais tempo, como para os que já se aposentaram porque ficarão sem reajuste”, criticou.
Lourenço também pontuou que, com as mudanças na Previdência, deixa de existir o conceito de solidariedade entre os trabalhadores e categorias como define a Constituição ao tratar da Seguridade Social.
Para prevenir as doenças ou melhorar a saúde, o psicólogo recomenda atividades físicas, mudança de hábitos alimentares e que os servidores penitenciários mantenham atividades cotidianas que sejam distintas da rotina de trabalho.
Ele ainda citou os benefícios de práticas individuais, como a meditação, e coletivas “que não sejam só as do boteco, mas que, por exemplo, discutam as questões do bairro, da sociedade. Além disso, muitas vezes ficamos tomando cerveja em frente à televisão e nem conversamos com a esposa ou o marido, nem com a namorada ou namorado, não falamos com a família”, observou.
Cenário de incertezas no Congresso Nacional
Diretor do Departamento Jurídico do SIFUSPESP, o advogado Sergio Moura fez uma análise das principais mudanças em debate na reforma previdenciária, mas deixou claro aos participantes do 6º Congresso da Fenaspen que o cenário é de incertezas porque nada está definido quanto à PEC e há muitas emendas em discussão.
“O momento de muito achismo devido às incertezas, mas o que posso dizer é para que vocês briguem para melhorar o que está em debate e para tentar deixar menos pior tanto que para quem está como para quem vai entrar no sistema prisional”, disse o advogado.
Para os servidores penitenciários, a luta da Fenaspen em conjunto com os sindicatos e unida às demais categorias é para que os trabalhadores das forças públicas sejam incluídos na reforma da Previdência com direito à aposentadoria diferenciada devido à toda insalubridade que envolve a profissão.
Caso a emenda seja conquistada, Moura explica que os trabalhadores penitenciários teriam seus direitos previdenciários reconhecidos pelo exercício da função policial equiparada.
Para quem entrar no serviço público futuramente, caso a reforma seja aprovada o servidor passa a ter que cumprir o requisito etário para se aposentar, de 55 anos para homens e mulheres, idade mínima que poderá aumentar de acordo com a expectativa de vida.
“Os trabalhadores penitenciários têm a obrigação de fazer tudo o que tem de fazer as forças policiais, mas só ficam com o ônus e não com o bônus. Nesse quadro, do jeito que está só vai mudar com a exigência de vocês”, afirma.
Depois do final das atividades do segundo dia do Congresso da Fenaspen, a categoria recebeu a notícia de que, apesar do compromisso assumido, o governo federal deixou os servidores das forças de segurança sem o direito a aposentadoria especial na Reforma da Previdência.
O presidente da Fenaspen, Fernando Anunciação, deixou o evento na manhã deste 1º de julho rumo à Brasília, onde participaria junto com outros sindicalistas de uma reunião às 15h para tratar da questão com o deputado Rodrigo Maia, mas o encontro foi adiado para às 17h e acabou não ocorrendo porque o parlamentar não recebeu os dirigentes sindicais.
Diante da indefinição, houve protestos dos sindicalistas, que se sentaram no chão do Salão Verde do Congresso Nacional e criticaram o presidente da República gritando “Bolsonaro traidor!”. Assista:
Os dirigentes também decidiram fazer vigília e pernoitar dentro do Congresso, de onde prometeram sair somente se forem recebidos por um representante do governo.
Caso os servidores não sejam incluídos na reforma previdenciária, a decisão sobre o futuro da aposentadoria dos trabalhadores e das trabalhadoras fica nas mãos dos estados e municípios.
Para Josiane Silva Brito, não há sentido em questionar a eficiência dos presídios públicos sem se questionar a política de encarceramento em massa que é responsável pela criação dos problemas do sistema prisional, como a superlotação e a falta de funcionários
Por Flaviana Serafim
“Privatização de prisões: algumas questões para reflexão” foi o tema da quarta mesa de debates na programação do 6º Congresso da Federação Nacional dos Servidores Penitenciários (FENASPEN), discutido pela socióloga Josiane Silva Brito, doutoranda da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisadora do sistema prisional.
Josiane iniciou a apresentação tratando da constatação de que a prisão, desde seu surgimento na história, fracassou como função reabilitadora, além de representar um peso econômico para o Estado, além de de um peso social para a população devido a esse fracasso.
Porém, observou a socióloga, até hoje essa constatação não levou a um questionamento da prisão. "Ao contrário, sempre vem acompanhada de uma ideia de que é preciso reformar técnicas e métodos, como a adoção da privatização de presídios como forma de aumentar a eficiência e reduzir os custos do sistema prisional". Em suas pesquisas, Josiane questiona essa ideia de que transferir o sistema à iniciativa privada seria uma alternativa ao fracasso da prisão.
Exemplo ‘bem sucedido’ tem seleção dos detentos
Josiane analisou a Parceria Público-Privada (PPP) do complexo de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, e criticou o fato de que, independentemente dos índices de criminalidade, a política de encarceramento em massa vai continuar no Estado porque o contrato de PPP, de 27 anos de exploração, determina a ocupação de pelo menos 90% das vagas da unidade prisional ao longo dessas quase três décadas.
“É uma vitrine de exemplo ‘bem sucedido’, mas para que funcione mesmo, há uma seleção técnica dos presos que estão ali, pois não se aceita detentos considerados de alta periculosidade. Você cria um modelo que seleciona o preso e compara com, por exemplo, com o complexo penitenciário de Pinheiros, onde essa seleção não existe. Então, a privatização é a solução?”, questiona a pesquisadora.
Estudos comparativos apresentados pela socióloga demonstram que a principal diferença do modelo privatizado está na alta rotatividade no quadro de funcionários porque os trabalhadores podem ser facilmente demitidos, e o salário que é até quatro vezes menor que no serviço público. Essas questões fazem com que os terceirizados de presídios privados não permaneçam tempo suficiente nessa atividade para que tenham experiência suficiente na função.
Concessão do poder estatal e exploração do trabalho do presidiário
A privatização também fere a concessão do poder de polícia, que é exclusiva do Estado, transferindo-a à iniciativa privada, num debate que vai além da questão jurídica, mas que envolve a própria construção do Estado brasileiro como definido na Constituição, afirmou Josiane.
A exploração da força do trabalho prisional é mais uma questão a ser debatida, avalia a socióloga. Ela fez um estudo de caso sobre a exploração do trabalho de mulheres presidiárias, que representa mais um meio de tornar o encarceramento em massa uma forma de obter lucro pela iniciativa privada.
“Vai ser uma intensificação dessa lógica de que, quanto mais presos, maior o lucro. Há um paradoxo também porque a Lei de Execuções Penais [LEP] coloca o trabalho como dever e direito do preso, mas o trabalho precário e mal remunerado é o que se constata no presídio privatizado. Há presidiárias trabalhando em oficinas de costura por várias horas diárias, em pé, em condições insalubres para empresas terceirizadas que exploram esse serviço, isso para que a detenta ganhar R$ 180 por mês, e caso a presa se recuse, perde benefícios como a redução da pena”.
Quantos às facções criminosas, Josiane alertou que a relação do crime organizado com o Estado “já é complicada mesmo com a força estatal, imagina a relação dos detentos de facções com os terceiros da iniciativa privada? O nível de responsabilidade de um servidor público dentro de sua fé pública é muito maior na comparação ao de quem trabalha pela iniciativa privada, que possui alta rotatividade e está sujeito a casos de corrupção, falta de treinamento e experiência para lidar com os detentos.
No final da palestra, a pesquisadora ressaltou que não faz sentido questionar a eficiência das unidades prisionais geridas pelo Estado sem também questionar a política de encarceramento em massa que é responsável pela criação dos problemas do sistema, tais como a falta de servidores, a superlotação, a má alimentação, entre outros.
Na opinião de Josiane, qualquer política que leve ao aumento do encarceramento e a própria prisão só mantém a reprodução das desigualdades que atingem quem está fora dos muros.
“Todas essas questões são problemas, não há só um problema mais grave quando se trata da privatização de presídios. É uma incoerência privatizar sem olhar para o que é a existência da própria prisão”, finalizou.
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