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Para Josiane Silva Brito, não há sentido em questionar a eficiência dos presídios públicos sem se questionar a política de encarceramento em massa que é responsável pela criação dos problemas do sistema prisional, como a superlotação e a falta de funcionários

 

Por Flaviana Serafim

“Privatização de prisões: algumas questões para reflexão” foi o tema da quarta mesa de debates na programação do 6º Congresso da Federação Nacional dos Servidores Penitenciários (FENASPEN), discutido pela socióloga Josiane Silva Brito, doutoranda da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisadora do sistema prisional. 

Josiane iniciou a apresentação tratando da constatação de que a prisão, desde seu surgimento na história, fracassou como função reabilitadora, além de representar um peso econômico para o Estado, além de de um peso social para a população devido a esse fracasso. 

Porém, observou a socióloga, até hoje essa constatação não levou a um questionamento da prisão. "Ao contrário, sempre vem acompanhada de uma ideia de que é preciso reformar técnicas e métodos, como a adoção da privatização de presídios como forma de aumentar a eficiência e reduzir os custos do sistema prisional". Em suas pesquisas, Josiane questiona essa ideia de que transferir o sistema à iniciativa privada seria uma alternativa ao fracasso da prisão. 

Exemplo ‘bem sucedido’ tem seleção dos detentos

Josiane analisou a Parceria Público-Privada (PPP) do complexo de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, e criticou o fato de que, independentemente dos índices de criminalidade, a política de encarceramento em massa vai continuar no Estado porque o contrato de PPP, de 27 anos de exploração, determina a ocupação de pelo menos 90% das vagas da unidade prisional ao longo dessas quase três décadas. 

“É uma vitrine de exemplo ‘bem sucedido’, mas para que funcione mesmo, há uma seleção técnica dos presos que estão ali, pois não se aceita detentos considerados de alta periculosidade. Você cria um modelo que seleciona o preso e compara com, por exemplo, com o complexo penitenciário de Pinheiros, onde essa seleção não existe. Então, a privatização é a solução?”, questiona a pesquisadora. 

Estudos comparativos apresentados pela socióloga demonstram que a principal diferença do modelo privatizado está na alta rotatividade no quadro de funcionários porque os trabalhadores podem ser facilmente demitidos, e o salário que é até quatro vezes menor que no serviço público. Essas questões fazem com que os terceirizados de presídios privados não permaneçam tempo suficiente nessa atividade para que tenham experiência suficiente na função. 

Concessão do poder estatal e exploração do trabalho do presidiário

A privatização também fere a concessão do poder de polícia, que é exclusiva do Estado, transferindo-a à iniciativa privada, num debate que vai além da questão jurídica, mas que envolve a própria construção do Estado brasileiro como definido na Constituição, afirmou Josiane.

A exploração da força do trabalho prisional é mais uma questão a ser debatida, avalia a socióloga. Ela fez um estudo de caso sobre a exploração do trabalho de mulheres presidiárias, que representa mais um meio de tornar o encarceramento em massa uma forma de obter lucro pela iniciativa privada. 

“Vai ser uma intensificação dessa lógica de que, quanto mais presos, maior o lucro. Há um paradoxo também porque a Lei de Execuções Penais [LEP] coloca o trabalho como dever e direito do preso, mas o trabalho precário e mal remunerado é o que se constata no presídio privatizado. Há presidiárias trabalhando em oficinas de costura por várias horas diárias, em pé, em condições insalubres para empresas terceirizadas que exploram esse serviço, isso para que a detenta ganhar R$ 180 por mês, e caso a presa se recuse, perde benefícios como a redução da pena”. 

Quantos às facções criminosas, Josiane alertou que a relação do crime organizado com o Estado “já é complicada mesmo com a força estatal, imagina a relação dos detentos de facções com os terceiros da iniciativa privada? O nível de responsabilidade de um servidor público dentro de sua fé pública é muito maior na comparação ao de quem trabalha pela iniciativa privada, que possui alta rotatividade e está sujeito a casos de corrupção, falta de treinamento e experiência para lidar com os detentos. 

No final da palestra, a pesquisadora ressaltou que não faz sentido questionar a eficiência das unidades prisionais geridas pelo Estado sem também questionar a política de encarceramento em massa que é responsável pela criação dos problemas do sistema, tais como a falta de servidores, a superlotação, a má alimentação, entre outros. 

Na opinião de Josiane, qualquer política que leve ao aumento do encarceramento e a própria prisão só mantém a reprodução das desigualdades que atingem quem está fora dos muros. 

“Todas essas questões são problemas, não há só um problema mais grave quando se trata da privatização de presídios. É uma incoerência privatizar sem olhar para o que é a existência da própria prisão”, finalizou.

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