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Doutor em psicologia pela USP, Arlindo Lourenço alerta que “o que está ruim pode ficar pior” se o tempo de trabalho aumentar com a aprovação da reforma previdenciária. Para o advogado Sérgio Moura, cenário de incertezas quanto à aposentadoria diferenciada só vai mudar “com a exigência de vocês”. Os palestrantes debateram o tema no segundo dia do Congresso da Fenaspen, que termina neste 2 de julho na sede social do SIFUSPESP. 

Por Flaviana Serafim
Fotos: Gladstone Barreto/SIFUSPESP

O 6º Congresso da Federação Nacional dos Servidores Penitenciários (FENASPEN) debateu na tarde desta segunda-feira (1) os impactos da reforma da Previdência (Proposta de Emenda à Constituição - PEC 06/2019)  na categoria. O encontro, reunindo dirigentes de 13 estados e todas as regiões do país, ocorre na sede social do SIFUSPESP desde domingo (3) e termina nesta terça-feira (2).

O impacto psicológico da reforma foi discutido por Arlindo da Silva Lourenço, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo e autor do livro O Espaço de Vida do Agente de Segurança Penitenciária no Cárcere. Os aspectos jurídicos da PEC 06/2019 que tramita no Congresso Nacional foram tratados pelo advogado Sérgio Moura, diretor do Departamento Jurídico do SIFUSPESP. 

Lourenço abriu sua exposição pontuando que a atividade de segurança exercida pelo servidores está entre os dez trabalhos mais exaustivos e desgastantes dentre as profissões existentes, segundo a Organização Mundial de Saúde.  

O desgaste característico do estresse profissional é agravado pela falta de investimentos do Estado no sistema prisional e, caso a reforma previdenciária seja aprovada sem garantir aposentadoria diferenciada ao servidor penitenciário, o quadro de adoecimentos causado pelo trabalho vai se agravar ainda mais na categoria, alerta Lourenço, que hoje é professor, mas tem anos de experiência no sistema penitenciário.  

“Quando eu estava no sistema prisional, percebia que o agente que abria o portão para mim num dia já não estava ali no outro e não porque não era o plantão dele, mas porque estava afastado por problemas de saúde e isso pode piorar com a reforma previdenciária. Nunca ouvi em outras categorias de trabalho pessoas dizendo que perderam mais de 50 colegas ao longo da carreira por mortes causadas pela profissão, seja por doenças, suicídios ou assassinados”, ressalta.  

Segundo o psicólogo, o aumento do tempo de trabalho exigido na reforma trabalhista tende a tornar crônicos os problemas de saúde enfrentados pelos servidores penitenciários. “O que já está ruim pode ficar pior para todo mundo, tanto para os servidores da ativa, que vão demorar mais para se aposentar e ainda terão que contribuir mais e por mais tempo, como para os que já se aposentaram porque ficarão sem reajuste”, criticou. 

Lourenço também pontuou que, com as mudanças na Previdência, deixa de existir o conceito de solidariedade entre os trabalhadores e categorias como define a Constituição ao tratar da Seguridade Social. 

Para prevenir as doenças ou melhorar a saúde, o psicólogo recomenda atividades físicas, mudança de hábitos alimentares e que os servidores penitenciários mantenham atividades cotidianas que sejam distintas da rotina de trabalho. 

Ele ainda citou os benefícios de práticas individuais, como a meditação, e coletivas “que não sejam só as do boteco, mas que, por exemplo, discutam as questões do bairro, da sociedade. Além disso, muitas vezes ficamos tomando cerveja em frente à televisão e nem conversamos com a esposa ou o marido, nem com a namorada ou namorado, não falamos com a família”, observou. 

Cenário de incertezas no Congresso Nacional 

Diretor do Departamento Jurídico do SIFUSPESP, o advogado Sergio Moura fez uma análise das principais mudanças em debate na reforma previdenciária, mas deixou claro aos participantes do 6º Congresso da Fenaspen que o cenário é de incertezas porque nada está definido quanto à PEC e há muitas emendas em discussão. 

O advogado Sérgio Moura na última mesa de debates do segundo dia do Congresso da Fenaspen

“O momento de muito achismo devido às incertezas, mas o que posso dizer é para que vocês briguem para melhorar o que está em debate e para tentar deixar menos pior tanto que para quem está como para quem vai entrar no sistema prisional”, disse o advogado. 

Para os servidores penitenciários, a luta da Fenaspen em conjunto com os sindicatos e unida às demais categorias é para que os trabalhadores das forças públicas sejam incluídos na reforma da Previdência com direito à aposentadoria diferenciada devido à toda insalubridade que envolve a profissão. 

Caso a emenda seja conquistada, Moura explica que os trabalhadores penitenciários teriam seus direitos previdenciários reconhecidos pelo exercício da função policial equiparada. 

Para quem entrar no serviço público futuramente, caso a reforma seja aprovada o servidor passa a ter que cumprir o requisito etário para se aposentar, de 55 anos para homens e mulheres, idade mínima que poderá aumentar de acordo com a expectativa de vida.  

“Os trabalhadores penitenciários têm a obrigação de fazer tudo o que tem de fazer as forças policiais, mas só ficam com o ônus e não com o bônus. Nesse quadro, do jeito que está só vai mudar com a exigência de vocês”, afirma. 

Depois do final das atividades do segundo dia do Congresso da Fenaspen, a categoria recebeu a notícia de que, apesar do compromisso assumido, o governo federal deixou os servidores das forças de segurança sem o direito a aposentadoria especial na Reforma da Previdência. 

O presidente da Fenaspen, Fernando Anunciação, deixou o evento na manhã deste 1º de julho rumo à Brasília, onde participaria junto com outros sindicalistas de uma reunião às 15h para tratar da questão com o deputado Rodrigo Maia, mas o encontro foi adiado para às 17h e acabou não ocorrendo porque o parlamentar não recebeu os dirigentes sindicais. 

Diante da indefinição, houve protestos dos sindicalistas, que se sentaram no chão do Salão Verde do Congresso Nacional e criticaram o presidente da República gritando “Bolsonaro traidor!”. Assista: 

Os dirigentes também decidiram fazer vigília e pernoitar dentro do Congresso, de onde prometeram sair somente se forem recebidos por um representante do governo.

Caso os servidores não sejam incluídos na reforma previdenciária, a decisão sobre o futuro da aposentadoria dos trabalhadores e das trabalhadoras fica nas mãos dos estados e municípios.

Para Josiane Silva Brito, não há sentido em questionar a eficiência dos presídios públicos sem se questionar a política de encarceramento em massa que é responsável pela criação dos problemas do sistema prisional, como a superlotação e a falta de funcionários

 

Por Flaviana Serafim

“Privatização de prisões: algumas questões para reflexão” foi o tema da quarta mesa de debates na programação do 6º Congresso da Federação Nacional dos Servidores Penitenciários (FENASPEN), discutido pela socióloga Josiane Silva Brito, doutoranda da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisadora do sistema prisional. 

Josiane iniciou a apresentação tratando da constatação de que a prisão, desde seu surgimento na história, fracassou como função reabilitadora, além de representar um peso econômico para o Estado, além de de um peso social para a população devido a esse fracasso. 

Porém, observou a socióloga, até hoje essa constatação não levou a um questionamento da prisão. "Ao contrário, sempre vem acompanhada de uma ideia de que é preciso reformar técnicas e métodos, como a adoção da privatização de presídios como forma de aumentar a eficiência e reduzir os custos do sistema prisional". Em suas pesquisas, Josiane questiona essa ideia de que transferir o sistema à iniciativa privada seria uma alternativa ao fracasso da prisão. 

Exemplo ‘bem sucedido’ tem seleção dos detentos

Josiane analisou a Parceria Público-Privada (PPP) do complexo de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, e criticou o fato de que, independentemente dos índices de criminalidade, a política de encarceramento em massa vai continuar no Estado porque o contrato de PPP, de 27 anos de exploração, determina a ocupação de pelo menos 90% das vagas da unidade prisional ao longo dessas quase três décadas. 

“É uma vitrine de exemplo ‘bem sucedido’, mas para que funcione mesmo, há uma seleção técnica dos presos que estão ali, pois não se aceita detentos considerados de alta periculosidade. Você cria um modelo que seleciona o preso e compara com, por exemplo, com o complexo penitenciário de Pinheiros, onde essa seleção não existe. Então, a privatização é a solução?”, questiona a pesquisadora. 

Estudos comparativos apresentados pela socióloga demonstram que a principal diferença do modelo privatizado está na alta rotatividade no quadro de funcionários porque os trabalhadores podem ser facilmente demitidos, e o salário que é até quatro vezes menor que no serviço público. Essas questões fazem com que os terceirizados de presídios privados não permaneçam tempo suficiente nessa atividade para que tenham experiência suficiente na função. 

Concessão do poder estatal e exploração do trabalho do presidiário

A privatização também fere a concessão do poder de polícia, que é exclusiva do Estado, transferindo-a à iniciativa privada, num debate que vai além da questão jurídica, mas que envolve a própria construção do Estado brasileiro como definido na Constituição, afirmou Josiane.

A exploração da força do trabalho prisional é mais uma questão a ser debatida, avalia a socióloga. Ela fez um estudo de caso sobre a exploração do trabalho de mulheres presidiárias, que representa mais um meio de tornar o encarceramento em massa uma forma de obter lucro pela iniciativa privada. 

“Vai ser uma intensificação dessa lógica de que, quanto mais presos, maior o lucro. Há um paradoxo também porque a Lei de Execuções Penais [LEP] coloca o trabalho como dever e direito do preso, mas o trabalho precário e mal remunerado é o que se constata no presídio privatizado. Há presidiárias trabalhando em oficinas de costura por várias horas diárias, em pé, em condições insalubres para empresas terceirizadas que exploram esse serviço, isso para que a detenta ganhar R$ 180 por mês, e caso a presa se recuse, perde benefícios como a redução da pena”. 

Quantos às facções criminosas, Josiane alertou que a relação do crime organizado com o Estado “já é complicada mesmo com a força estatal, imagina a relação dos detentos de facções com os terceiros da iniciativa privada? O nível de responsabilidade de um servidor público dentro de sua fé pública é muito maior na comparação ao de quem trabalha pela iniciativa privada, que possui alta rotatividade e está sujeito a casos de corrupção, falta de treinamento e experiência para lidar com os detentos. 

No final da palestra, a pesquisadora ressaltou que não faz sentido questionar a eficiência das unidades prisionais geridas pelo Estado sem também questionar a política de encarceramento em massa que é responsável pela criação dos problemas do sistema, tais como a falta de servidores, a superlotação, a má alimentação, entre outros. 

Na opinião de Josiane, qualquer política que leve ao aumento do encarceramento e a própria prisão só mantém a reprodução das desigualdades que atingem quem está fora dos muros. 

“Todas essas questões são problemas, não há só um problema mais grave quando se trata da privatização de presídios. É uma incoerência privatizar sem olhar para o que é a existência da própria prisão”, finalizou.

Falta de recursos para o sistema e importância do sindicalismo na conjuntura atual estão entre os temas debatidos no segundo dia do 6º Congresso da Fenaspen, que começou domingo (30) e segue até terça (2) na sede social do SIFUSPESP

 

Por Flaviana Serafim
Fotos: Gladstone Barreto/SIFUSPESP

O 6º Congresso da Federação Nacional dos Servidores Penitenciários (Fenaspen) prossegue nesta segunda-feira (1) na sede do SIFUSPESP, na capital paulista, reunindo delegados e delegadas que representam sindicatos de trabalhadores de 13 estados do país.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 372/2017, que cria a Polícia Penal, foi o principal tema do primeiro dia do evento, que começou no domingo (30) e, no segundo dia, estão em pauta os impactos da reforma da Previdência para os servidores penitenciários e a privatização do sistema prisional, além da análise da conjuntura nacional e o papel do sindicalismo no cenário atual.

Abrindo os debates do dia, Sandro Abel, diretor de política penitenciária do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, fez a análise de conjuntura sobre os avanços e os problemas do sistema prisional.

De acordo com Abel, a falta de recursos, reduzidos na disputa por orçamento público, é a questão central para o futuro do sistema, principalmente porque diversas obras de construção de unidades prisionais ficaram paradas nos últimos anos, como aponta um diagnóstico realizado pelo Depen.

“Se todo mundo não abraçar essa pauta nas reivindicações dos servidores, não sabemos qual será o futuro do sistema prisional com o déficit de vagas e a falta de dinheiro que atinge desde as obras até a compra de scanner corporal e munição não letal, por exemplo. É preciso reivindicar recursos para o futuro”, destacou, alertando para piora nas condições de trabalho da categoria.

Desafios contra a retirada de direitos

No período da tarde, a programação foi retomada com a abordagem do papel do sindicalismo nessa conjuntura, mediante palestra da psicóloga Fernanda Magano, presidenta do Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo (SinPsi), e do agente penitenciário Gilberto Antonio da Silva, tesoureiro do SIFUSPESP

O agente Gilberto Antonio da Silva, tesoureiro do SIFUSPESP falou sobre os problemas da falta de participação dos trabalhadores no sindicato

Silva fez um breve resgate da história do sindicalismo, destacou que a luta sindical é tanto por direitos trabalhistas quanto por qualidade de vida e que as divisões dentro da categoria enfraquecem a luta ao dificultar que a unidade seja pactuada porque cada um visa ao próprio interesse.

“A maioria dos agentes é contra o sindicato porque não se consideram trabalhadores, por não terem uma visão político-ideológica. O agente em si muitas vezes é contra a organização nos locais de trabalho, e por isso não se conseguiu até hoje em São Paulo, pela sua dimensão, centenas de cadeias e mais de 40 mil servidores, eleger um representante da categoria na Assembleia Legislativa”, criticou o tesoureiro do sindicato. 

Na opinião de Gilberto Antônio da Silva, o crime organizado evoluiu e o trabalho do servidor para lidar com a questão continua estacionado “por culpa do Estado que sucateia o sistema e só usa maus exemplos quando fala da categoria. O servidor paulista é o que tem a menor remuneração do país em um Estado que é responsável por 35% do PIB”, criticou.

Segundo o tesoureiro do SIFUSPESP, é fundamental tanto mostrar à sociedade a importância do papel do servidor penitenciário quanto rever o atual modelo de encarceramento. Para isso, a identidade do agente precisa ser resgatada porque a mídia massacra a categoria, diz o dirigente, mas antes de dialogar com a sociedade, é essencial fortalecer a base.

“Os sindicatos foram detonados com a reforma trabalhista e há uma aversão pelos sindicatos no país, uma perseguição velada aos que fazem ação sindical. Quem não vê a história do sindicalismo não vê sua importância, só generaliza”, pontua o sindicalista.

A psicóloga Fernanda Magano apontou os desafios dos sindicalismo para barrar a retirada de direitos

Psicóloga no sistema prisional e presidenta do Sindicato dos Psicólogos (SinPsi), Fernanda Magano é sindicalizada ao SIFUSPESP e em sua apresentação também criticou o papel da mídia por deturpar o significado da política cotidianamente.

“Há uma resistência social com a política devido à lógica na qual a mídia trabalha o conceito de política, pois fazemos política o tempo inteiro, como nas nossas relações pessoais, no dia a dia. É preciso quebrar os preconceitos dessa visão porque é isso que afasta as pessoas dos sindicatos”, avalia.

Ainda que a reforma trabalhista tenha prejudicado a sustentação financeira das entidades ao extinguir o imposto sindical obrigatório, a representação sindical continua existindo por lei é importante para defesa e avanço na conquista de direitos individuais e coletivos, destacou a psicóloga.

Fernanda Magano também criticou a propagação do discurso de uma “sociedade harmônica” e de uma pacificação que é irreal, pois contribuem para desvalorizar a luta dos sindicatos e dos movimentos sociais.

Como caminhos para enfrentar os desafios da conjuntura, Fernanda acrescenta que é preciso ampliar a negociação coletiva, evitar retrocessos de direitos, fortalecer a organização da representação nos locais de trabalho e criar formas para que os dirigentes ampliem a interlocução com a categoria, com discurso afinado para alcançar os objetivos.

“O momento é de enormes desafios para os trabalhadores, com o desafio de lutar para não permitir mais retrocessos, de ampliar o arco de unidade de ação, contribuindo para a construção de uma frente ampla nacional pelas liberdades democráticas, e de manter nossas instituições vivas e ativas. Muitos são os desafios, mas grande é nossa disposição para lutar e resistir. Resistir para existir e para avançar”, conclui a presidenta do SinPsi. 

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