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Fiscalização feita pelo Tribunal nas contas do governo Doria incluiu análise sobre situação precária do sistema carcerário, apesar de SAP não ter fornecido dados sobre pessoal. De acordo com relatório, área da saúde possui quadro muito defasado, e segurança continua fazendo a custódia do dobro de presos que o recomendado, com média de 9,8 presos sob custódia para cada policial penal

 

por Giovanni Giocondo

Relatório divulgado nesta quinta-feira (23) pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP)  aponta o aprofundamento do déficit de servidores e a manutenção do quadro de superlotação no sistema prisional paulista.

O documento,  que analisou as contas do governador João Doria (PSDB) em 2019 e se debruçou também sobre a Secretaria de Administração Penitenciária(SAP), descreve um índice de 9,8 detentos para cada policial penal do setor de segurança. Em julho de 2019, esse número era de 9,59 por servidor da segurança e gerou uma recomendação, por parte do Tribunal, para que a SAP ampliasse seu quadro de funcionários. Leia mais no link.

A quantidade de detentos por servidor está bem acima da recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que é de 5 sentenciados por trabalhador. Essa é uma média que foi descoberta pelo próprio TCE, já que a SAP não forneceu os dados. Em algumas unidades, a quantidade de detentos para cada policial penal é bem superior e aumenta o risco para a segurança dos trabalhadores. No documento, o Tribunal critica a secretaria por ter limitado a fiscalização ao não fornecer dados sobre segurança e quadro de pessoal.

As informações obtidas pelo TCE reforçam denúncias que o SIFUSPESP vem fazendo sobre o déficit funcional instalado na SAP. Em 30 de abril deste ano, com base em dados da própria secretaria, o sindicato denunciou um aumento de 495 cargos vagos na comparação com 2019, chegando a um buraco de 12.303 postos sem preenchimento no sistema.

No contexto da pandemia do coronavírus, em que há o afastamento concreto de centenas de servidores que fazem parte da população de risco, estão doentes ou faleceram em virtude da doença, esse déficit se aprofunda e causa grande temor por parte do sindicato, principalmente porque, de acordo com a fiscalização do TCE, a área de saúde não possui equipe mínima para atendimento em muitas das unidades.

Os dados apresentados em abril constatam a mesma conclusão do Tribunal. A SAP possui atualmente um déficit de 734 agentes técnicos de assistência à saúde - psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, 272 dentistas, 200 enfermeiros, 644 médicos e 491 técnicos de enfermagem, além de milhares de servidores a menos nos setores administrativo, operacional, de segurança, escolta e vigilância. Saiba mais aqui

Segundo o relatório do TCE, na média existem 2.891 presos para cada médico, e 1.101 por enfermeiro, sendo que em diversas unidades, entre elas os CDPs de Americana, Praia Grande, Osasco e Bauru e as Penitenciárias II de Franco da Rocha, II de Pirajuí e II de Potim, sequer há uma equipe completa do setor de saúde. Para o Tribunal, a ausência de profissionais desse setor aumenta o risco de contaminação por doenças infectocontagiosas.

Sem novas nomeações desde que o secretário Nivaldo Restivo assumiu a pasta em janeiro de 2019, a perspectiva é de piora graças às pretensões declaradas do governador João Doria de privatizar as novas unidades prisionais já prontas para entrar em operação, bem como do objetivo de utilizar nesses espaços mão de obra terceirizada. Os concursos abertos estão suspensos em virtude do estado de calamidade pública.

Com base no relatório do TCE, o SIFUSPESP estuda propor uma ação judicial para solicitar a nomeação imediata dos candidatos aprovados nos certames para as carreiras de agente de segurança penitenciária (ASP) de 2014 e 2017, agente de escolta e vigilância penitenciária(AEVP) de 2014 e das áreas técnicas e de saúde de 2018.

No olhar do sindicato, os apontamentos feitos pelo tribunal precisam ser resolvidos. “O TCE aponta, mas o Estado não resolve. Se é tão gritante a falta de pessoal para trabalhar nas unidades, a única solução que entendemos neste momento ser o remédio reside nas chamadas desses concursos. Sem os servidores, o sistema não funciona”, pondera Fábio Jabá, presidente do SIFUSPESP. 

 

Superlotação continua, com diversas unidades comportando mais que o dobro de presos

De acordo com o documento, as unidades prisionais possuem atualmente uma população de mais de 231 mil detentos, ou 83.345 a mais que a capacidade atual.

Apesar desses números, a superlotação caiu 3,5% entre 2018 e 2019, já que a população de detentos aumentou em 1.725 presos, enquanto foram criadas 4.139 vagas nas cinco unidades prisionais que entraram em operação no ano passado. No entanto, o TCE descreve em detalhes a situação de calamidade de algumas unidades onde vivem mais que o dobro de detentos que a capacidade.

Entre essas unidades estão os Centros de Detenção Provisória (CDPs) de Pinheiros I e III, ambos na capital paulista, e as Penitenciárias de Taquarituba, Capela do Alto e Pirajuí I. Juntos, os dois CDPs e as três penitenciárias possuem uma população de 7.604 presos quando poderiam receber até 3.609 sentenciados. A situação de Pinheiros III é a pior de todas, com 1.492 pessoas vivendo em um espaço para 572, ou quase o triplo da lotação.

 

TCE também apura gastos por preso, abertura de novas vagas em unidades e execução orçamentária da SAP

O relatório do Tribunal de Contas do Estado também constatou que, em 2019, o custo por preso no sistema prisional paulista foi de R$1.488,42 por mês, sendo que 98% desse valor foi gasto com despesas de custódia e 2% com ressocialização.

No documento, também consta que para 2020 a SAP tinha uma previsão de inaugurar sete novas unidades prisionais, com o oferecimento de 5.675 vagas. Entre essas obras estão os Centros de Detenção Provisória(CDP) de Gália I e II, Registro e Aguaí, que o governo Doria tenta desde o início do ano licitar para terceirização, e também os CDPs de Álvaro de Carvalho e Santa Cruz da Conceição, além da Penitenciária Feminina de São Vicente. Até o momento, nenhum deles possui previsão para ser inaugurado.

Entre as recomendações feitas pelo TCE à SAP e ao governo do Estado está a de promover políticas que promovam a redução no número total de detentos, já que para suprir a falta de vagas no sistema, seria preciso construir 101 novas unidades para 823 presos cada. “A construção de novas UPs tem custos econômicos e sociais elevados e expandir o sistema prisional indefinidamente não é possível ou desejável”, estabelece o relatório.

 

Segurança das unidades mostra que falta tecnologia e sobra trabalho bem feito pelos servidores

Um dos pontos em que o Tribunal reiterou falta de cumprimento de metas por parte da SAP está a de tecnologia para a segurança. De acordo com o relatório, 84% das unidades prisionais do Estado não possuem bloqueadores de celulares.

O documento ainda revela que entre 2017 e 2019, o número total de aparelhos telefônicos apreendidos caiu 32%, de 14.410 para 10.893 no ano passado. Dessas apreensões, 4.896 aconteceram dentro das celas, 2.656 na área interna da unidade, mas fora das celas, 2.911 na área externa e 497 com visitas, o que mostra que o trabalho dos policiais penais vem sendo irretocável na manutenção da segurança. 

Para o Dr. Roberto da Silva, trabalho como agente de condicional seria uma das futuras atribuições de servidores na fiscalização do cumprimento de penas alternativas, suprindo lacuna no setor e ajudando a reduzir superlotação do sistema. Livre Docente em Pedagogia Social também atesta eficácia de Centros de Ressocialização em São Paulo como boa experiência para reduzir índices de fugas, rebeliões e violência, e deseja que policiais penais sejam protagonistas de projeto poĺitico-pedagógico para o sistema prisional

 

por Giovanni Giocondo

Ainda sob o debate da regulamentação nos Estados, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 104/2019, que criou a Polícia Penal, pode prescindir de uma importante nova atribuição para os servidores que permanecerão no sistema. O trabalho como agentes ou oficiais de liberdade condicional.

Esta é a opinião do professor Roberto da Silva, livre-docente em Pedagogia Social pela Universidade de São Paulo (USP) com a tese “A eficácia sociopedagógica da pena de privação de liberdade”, membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud).

Para o especialista, parte dos novos policiais penais poderia exercer essa função com total competência e colaborar para mudanças estruturais profundas no sistema prisional, entre elas reduzir a superlotação e permitir que detentos em condições previstas na legislação possam cumprir suas penas em regime aberto ou semiaberto.

“Essa figura do agente ou oficial de condicional, tão presente nos Estados Unidos por exemplo, inexiste no Brasil. Se este é um momento em que a PEC está sob discussão envolvendo os sindicatos e as secretarias ao lado da categoria, por que não incluir, nessa discussão, a possibilidade de os policiais penais fiscalizarem a progressão do regime e o cumprimento das penas alternativas por parte dos detentos?” questiona o professor.

Para Roberto da Silva, “com a devida formação, e também a partir da definição sobre qual seria a jurisdição da polícia penal”, os profissionais da área teriam condições de fazer esse monitoramento, conforme orientação da Justiça, daqueles sentenciados que cumprem prisão domiciliar e estão no regime semi-aberto ou sob liberdade condicional.

“Tenta-se substituir este profissional pelo uso de tornozeleiras eletrônicas. Para cada tornozeleira, ou para cada conjunto de tornozeleiras eletrônicas em cada comarca, na verdade deveria ter pessoas fazendo esse acompanhamento”, pondera o professor, que também já foi integrante do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária.

 

Centros de Ressocialização precisam ser ampliados e melhorados

Para além das novas atribuições dos policiais penais, mas em consonância com esse trabalho, Roberto da Silva defende que o modelo dos Centros de Ressocialização (CRs) adotados em 22 unidades prisionais de São Paulo desde o início dos anos 2000, sejam ampliados e suas estruturas melhoradas “porque esta foi uma boa experiência de gestão prisional e de política criminal e penitenciária no Brasil”.

Para efeito de esclarecimento, nos CRs ficam somente detentos já em fase final de cumprimento de pena, próximos portanto da liberdade, em unidades com segurança mínima  e espaço para trabalho e estudo, além de não estarem superlotados por terem capacidade para baixo número de detentos e, por outro lado, não haver dentro do sistema judiciário um direcionamento de uma população carcerária para esse regime.

“Os CRs, logo nos primeiros anos, ajudaram a SAP a lidar com péssimos indicadores de violência que atingiam as demais unidades, entre eles os motins e rebeliões, as fugas, o império das drogas. Esses índices desceram a zero. Eu, enquanto membro do Conselho, acompanhei de perto os projetos, a construção, a inauguração e o início da operação e posso dizer que este foi um modelo bem sucedido e que apesar de ter piorado nos últimos anos por falta de investimento e mesmo por uma mudança de perspectiva do Estado, pode melhorar se for um projeto ampliado, que deveria se espalhar por todo o país”, reflete Roberto da Silva.

 

Protagonismo em projeto para o sistema prisional

Na opinião do pedagogo, mudanças efetivas no sistema nesse sentido só podem ser obtidas caso as unidades atuem sob a orientação de um projeto político-pedagógico com participação de todos os envolvidos, que pode ser pensada e organizada pelos policiais penais. “É preciso que os servidores reflitam e discutam em conjunto com a sociedade um projeto para o sistema prisional. Está aí uma oportunidade de debate possível porque a regulamentação está sendo debatida. Como a categoria pode pensar positivamente um projeto para as prisões?”, questiona.

No olhar do professor, esse projeto seria interdisciplinar e poderia unir todas as ciências e profissionais com espaço de atuação, com a possibilidade de integração entre diversas áreas de conhecimento, com a identidade de cada um desses trabalhadores que atuam dentro da prisão para tratar da gestão prisional, do trabalho de reabilitação do preso, dentre outros pontos que urgem serem desenvolvidos.

“É uma tarefa para se fazer, é uma dimensão política da formação do antigo agente penitenciário e agora policial penal, que deveria fazer parte de suas novas preocupações. De certa forma, todas essas propostas, sejam elas de atuar como agente de condicional ou de pensar a gestão prisional com protagonismo, são formas de defender a manutenção dos postos de trabalho que vêm sendo perdidos ao longo do tempo”, esclarece Roberto da Silva.


Confira a entrevista completa:

Servidor foi mais uma vítima do coronavírus

por Giovanni Giocondo

É com enorme pesar que o SIFUSPESP comunica o falecimento do policial penal Clenilson Braz Feitosa, de 56 anos.

O servidor, que atuava como agente de escolta e vigilância penitenciária(AEVP), faleceu nesta sexta-feira(24), vítima de coronavírus.

Com a morte de Clenilson, que atuava na Penitenciária II de  Lavínia, chega a 25 o número de trabalhadores penitenciários que faleceram em virtude da COVID-19.

A todos os familiares e amigos do policial penal, o SIFUSPESP oferece seus sentimentos e total apoio neste momento de grande tristeza.

O SIFUSPESP somos todos nós, unidos e organizados. Filie-se!

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