Júlio de Américo Araújo tem 67 anos e está internado no Pronto Socorro do bairros dos Pimentas. Ele foi encontrado por um vizinho e socorrido por colegas em sua casa neste domingo(26)
Desaparecido desde a última terça-feira(21), o policial penal Júlio de Américo Araújo, de 67 anos, sofreu um acidente vascular cerebral(AVC) e permaneceu durante cinco dias incomunicável dentro de sua residência em Guarulhos, na Grande São Paulo.
O servidor só foi encontrado graças à atuação conjunta de um vizinho, que entrou pelo telhado dos fundos e viu o servidor se mexendo, além dos colegas do Centro de Detenção Provisória(CDP) II do Belém, na zona leste da capital, e policiais militares que atenderam ao chamado para resgatá-lo.
Uma vez na residência, acharam o servidor convalescente em sua cama, e usaram uma maca improvisada para removê-lo para o pronto socorro o mais rápido possível.
As suspeitas de que algo de ruim havia acontecido começaram quando Júlio Araújo faltou a dois plantões seguidos no trabalho, sem atender mensagens ou telefonemas, o que fez com seus amigos de farda estranhassem o comportamento e fossem até sua casa.
O boletim médico sobre o estado de saúde do policial penal ainda não foi divulgado, mas o SIFUSPESP está acompanhando o caso de perto e tentando, ao lado dos amigos do servidor, uma transferência para o Hospital do Servidor Público Estadual.
Certame alvo de investigação do MP foi autorizado pelo Palácio dos Bandeirantes com base em decreto que exige “estimativa de impacto econômico-financeiro”. Secretaria insiste em alegar “falta de recursos” para justificar não convocação dos 1.593 candidatos aprovados
por Giovanni Giocondo e Sergio Vieira Cardoso
O concurso público para o provimento dos cargos de 1.593 agentes de escolta e vigilância penitenciária (AEVPs) de 2014 foi aberto com autorização do governo do Estado de São Paulo com base em um decreto que exige, por parte da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), “estimativa do impacto orçamentário-financeiro” das nomeações durante pelo menos, três anos. O custo seria de mais de R$173 milhões.
Apesar disso, nenhum dos 1.593 aprovados no certame aberto em dezembro de 2014 foi nomeado desde a homologação do concurso, em 15 de dezembro de 2018. A possível irregularidade pode ter sido admitida pela própria SAP. A denúncia é alvo de investigação do Ministério Público Estadual(MP-SP), na esfera da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social. O processo é acompanhado pelo Departamento Jurídico do SIFUSPESP.
Em e-mail, SAP fala em falta de recursos para nomeações e se contradiz sobre Lei de Responsabilidade Fiscal
Em um e-mail respondido a um desses candidatos que estavam dentro do total de cargos a serem providos previsto no edital(o nome dele foi subtraído por questão de segurança da fonte), o Sistema Integrado de Informações ao Cidadão do Estado de São Paulo(SIC-SP) afirmou depois de buscar informações com a SAP que “não houve nomeação devido às atuais condições financeiras e orçamentárias do Estado, bem como as restrições contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Ocorre que para ter a abertura deste concurso aprovada na época, a SAP teve de demonstrar às secretarias da Fazenda, de Gestão Pública, Desenvolvimento Regional, à Casa Civil e ao Palácio dos Bandeirantes que detinha recursos para pagar os salários dos AEVPS “no ano em que os aprovados devem entrar em exercício e nos 2 (dois) anos subsequentes”, conforme o inciso IV, do Capítulo II do decreto 60.449, de 15 de maio de 2014, assinado pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Em seu Artigo 6o, este decreto diz que além de demonstrar a existência do dinheiro para bancar as despesas com pessoal, a secretaria ou autarquia que deseja abrir o concurso público deve comprovar “o atendimento aos dispositivos legais vigentes, em especial os referentes à Lei de Diretrizes Orçamentárias e à Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, no que se refere aos limites estabelecidos para despesas de pessoal”.
A lei complementar citada é a Lei de Responsabilidade Fiscal. A mesma utilizada como subterfúgio pela SAP para afirmar que não há recursos disponíveis para fazer as nomeações.
De acordo com um levantamento feito pelo SIFUSPESP tendo como base o salário inicial do AEVP, mais o Regime Especial de Trabalho Policial (RETP) - R$ 2.284,14 no total, e os 22% de contribuição previdenciária obrigatória por parte do governo do Estado, o custo da nomeação desses servidores nos três anos previstos no decreto seria de R$173.126.254,25 (cento e setenta e três milhões, cento e vinte e seis mil, duzentos e cinquenta e quatro reais e vinte e cinco centavos).
É preciso se atentar para o fato de que este valor de mais de R$173 milhões, que não inclui despesas com armamento, coletes balísticos, fardamento e demais itens básicos do trabalho dos AEVPs, deveria obrigatoriamente constar na justificativa da SAP apresentada às demais secretarias de Estado para que o concurso tivesse sua abertura autorizada.
O concurso foi aberto, sua tramitação seguiu normalmente, os recursos portanto existem, mas o dinheiro não foi direcionado para as nomeações.
Mesmo que o concurso ainda esteja vigente - até dezembro de 2020 - e passível de prorrogação por mais dois anos a partir deste prazo, conforme determina o mesmo decreto de maio de 2014, não pode a SAP alegar que não há dinheiro para contratações. Caso os valores discriminados não existissem e os impactos financeiros não fossem calculados, o certame sequer poderia ter sido aberto.
SIFUSPESP sempre pregou transparência das informações e segue na luta por nomeações
Desde que a atual gestão do SIFUSPESP assumiu o sindicato, em abril de 2017, tem feito uma batalha incansável pela chamada dos aprovados nos concursos tanto de Agentes de segurança penitenciária(ASPs) quanto de AEVPs, oficiais operacionais, e mais recentemente da área técnica, incluindo psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e oficiais administrativos.
O presidente do sindicato, Fábio Jabá, entende que cada um dos profissionais que compõe o sistema prisional são fundamentais e enfrentamos no dia a dia lutas difíceis contra situações quase impossíveis de contornar, mas que felizmente só são superadas com o empenho de todos: Policiais Penais, área técnica e administrativa.
“Além disso, a luta pela chamada dos concursados é uma questão de moralidade pública, de Justiça e de respeito à dignidade destes milhares de trabalhadores que se esforçaram para ingressar na carreira. Acreditamos que é necessário uma unidade de todos os funcionários do sistema prisional, porque como o próprio nome diz, somos parte de um sistema, e a falta de qualquer uma das partes prejudica o todo”, alerta Jabá.
Com uma luta que já se arrasta há mais de cinco anos, os concursados têm sempre se deparado com as mesmas desculpas por parte do governo estadual: Não existe verba, não temos previsão de chamada. Várias manifestações já foram feitas por essas pessoas, e o SIFUSPESP sempre esteve presente ao lado dos concursados, sem jamais fazer distinção sobre as carreiras.
O sindicato já promoveu uma série de gestões e buscou diálogo com a SAP, o governo do Estado e a Assembleia Legislativa, sem no entanto ter tido ainda retorno concreto por parte de nenhuma dessas instâncias quanto às nomeações.
Na campanha salarial organizada pela categoria ao longo dos últimos anos, sempre foi cobrado um cronograma de chamadas dos concursos públicos já realizados, mas nunca houve qualquer tipo de atendimento a essa reivindicação.
O próprio Tribunal de Contas do Estado(TCE-SP) já advertiu inúmeras vezes a SAP e o governo estadual sobre a falta de funcionários para que a pasta pudesse cumprir devidamente suas funções de custódia, transporte, ressocialização e reintegração dos detentos, mas o Palácio dos Bandeirante têm permanecido inerte apesar desses alertas.
“Agora, com o surgimento da informação a respeito do motivo da não chamada dos concursados e com a negativa da SAP em não divulgar um cronograma de chamadas, fica claro para o SIFUSPESP que é preciso seguir com a pressão para que os futuros servidores assumam suas funções o mais breve possível e tornem o cotidiano de todos os funcionários dentro e fora dos muros mais digno, seguro e com melhores condições de trabalho. Diante dos fatos apurados, continuar nessa inércia é assumir responsabilidade por irregularidades que além de atentarem contra o erário público, comprometem o futuro da segurança do sistema prisional paulista”, reitera o presidente Fábio Jabá.
Após 32 anos de trabalho, dos quais 29 dedicados ao sistema prisional, servidor tem seu pedido de aposentadoria indeferido pela SPPrev, num caso flagrante de transfobia
Por Flaviana Serafim
O Departamento Jurídico do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp) está movendo ação judicial para garantir a aposentadoria do policial penal transgênero Jill Alves de Moraes, de 56 anos. O caso é inédito no país e, além de reivindicar que o direito constitucional ao benefício seja cumprido, o Sifuspesp também vai pleitear indenização por danos morais ao servidor.
Com 32 anos de trabalho, dos quais 29 anos de sistema prisional e outro três trabalhando fora, o agente penitenciário deu entrada no pedido de aposentadoria em 17 de julho do ano passado. Em seguida, tirou toda a documentação necessária para atualizar sua identidade quanto ao nome e gênero, encaminhou os documentos e certidões ao Departamento de Recursos Humanos, e o processo foi enviado à São Paulo Previdência (SPPrev).
Apesar de ter cumprido o tempo de serviço e ter direito à aposentadoria, em 16 de setembro de 2019 Moraes recebeu um e-mail da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) no qual consta o posicionamento da SPPrev indeferindo o pedido até a manifestação da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Na mensagem, a alegação para não conceder o benefício é de que há “dúvida jurídica relevante”, sendo “impossível assegurar direito da parte para afastamento”.
Transfobia como pano de fundo
O policial penal começou sua transição para o gênero masculino em 2014 e foi a primeira pessoa a tomar hormônios pelo serviço de saúde pública do município de São Paulo, contando com todo apoio e aparato do Estado para assumir ser transgênero.
Moraes destaca que a diretoria da unidade tinha conhecimento da mudança desde o princípio e que desde 2017 tem o reconhecimento de seu nome social no sistema prisional.
“O Estado me deu as condições para transição, mas não se preparou para minha aposentadoria. Não estão preparados para as demandas dos transgêneros com todos seus direitos”, critica o policial penal.
Na avaliação do advogado Sérgio Moura, coordenador do Departamento Jurídico do Sifuspesp, “sabemos que a transfobia é um mal que assola a percepção de alguns a respeito de outros, e é possível inferir que seja esse o pano de fundo, um ato administrativo marcado pela mácula da discriminação pode estar ocorrendo”.
De acordo com Moura, mesmo que se alegue que não houve transfobia, “ocorreu um ato administrativo que não soube lidar com o fato do policial penal ser transgênero, fazendo da transformação de gênero um impeditivo ao direito constitucional. Esse é o questionamento que será levado ao tribunal”, afirma.
O advogado também ressalta que se trata da subtração de um direito garantido na Constituição Estadual de São Paulo, no parágrafo 22 do Artigo 123, que garante ao servidor o direito de cessar o exercício da função pública após 90 dias decorridos da apresentação do pedido de aposentadoria. Como o caso passa pelo crivo da condição de transgênero, o policial penal ainda tem direito à indenização material independentemente de demonstração como ocorre em outras situações de dano moral, completa o coordenador jurídico.
Presidente do Sifuspesp, Fábio César Ferreira, o Fábio Jabá, critica o posicionamento da SAP e da SPPrev. “É uma situação lamentável, pois o preconceito e a discriminação são claros, assim como a ilegalidade de prejudicar o direito à aposentadoria do servidor depois de tantos anos de trabalho dedicados ao sistema prisional”.
Segundo Jabá, “essa é mais uma batalha jurídica que vamos travar e que esperamos que sirva de exemplo para todo o país: transgêneros têm direitos garantidos como qualquer outro cidadão e não só à mudança de nome e orientação sexual, mas também à aposentadoria e à vida digna na velhice”, conclui o sindicalista.
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