Além da mudança constitucional, que foi promulgada pelo Congresso em 2019 e visa a regulamentar a profissão, servidores liderados pelo Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo(SIFUSPESP) vão permanecer na Assembleia Legislativa em protesto a favor da nomeação de aprovados em concursos da Secretaria de Administração Penitenciária(SAP), para suprir um déficit funcional de mais de 18 mil cargos; contra a privatização das unidades prisionais, ainda pretendida pelo Palácio dos Bandeirantes; pela aprovação de projeto que susta o confisco das aposentadorias dos servidores; e o pagamento de um bônus acordado com o governo para pôr fim a uma greve em 2014
por Giovanni Giocondo
Trabalhadores do sistema prisional estão acampados desde a última segunda-feira(18) em frente ao prédio da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo(Alesp), na zona sul da capital. O grupo, liderado pelo Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo(SIFUSPESP), organizou o protesto para reivindicar, entre outras medidas, a aprovação, pela Casa, da Proposta de Emenda Constitucional(PEC) da Polícia Penal, e promete só deixar o local até que este e outros projetos entrem em vigor.
Contando com o parecer favorável de todas as comissões internas da Alesp desde meados de 2021, a PEC já está pronta para ser votada pelo plenário. Uma vez ratificado pelos parlamentares, o texto vai garantir segurança jurídica à atuação desses servidores, além de aumentar e qualificar suas atribuições, atividades e sobretudo a integração com as outras forças de segurança pública, notadamente as Polícias Civil e Militar.
Promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2019, a emenda constitucional que criou a Polícia Penal, inserindo os antigos agentes penitenciários ao rol do artigo 144 da Constituição Federal, carece de regulamentação pelos Estados. São Paulo, que possui o maior sistema prisional do país - com 207.607 presos - dados do Departamento Penitenciário Nacional(Depen), de 2021; e o maior efetivo de servidores - cerca de 40 mil, é uma das poucas unidades da federação que ainda não fizeram a sua PEC.
Presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá explica que por fazer parte do Sistema Único de Segurança Pública(SUSP), criado em 2018 pelo governo Michel Temer, a Polícia Penal tem a responsabilidade de atuar no combate ao crime organizado, com ações de inteligência, investigação e contenção de atividades ilícitas nas unidades prisionais de todo o país.
Sindicato também exigem chamadas de aprovados em concursos públicos
Também fazem parte do coletivo de acampados candidatos e candidatas aprovados em concursos públicos da Secretaria de Administração Penitenciária(SAP), alguns deles sem nenhuma nomeação desde que foram realizados, em 2014, 2017 e 2018.
Esses homens e mulheres, com sucesso nas provas para atuarem nos cargos de agente de escolta e vigilância penitenciária(AEVP), agente de segurança penitenciária(ASP), psicólogo, assistente social, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e outros profissionais de saúde e das áreas “técnicas” da secretaria, estão em manifestação permanente ao lado dos sindicalistas, até que a SAP inicie as chamadas desses futuros servidores.
Nomeações podem preencher vácuo nos postos de trabalho dentro das cadeias
Além de um direito conquistado devido ao mérito de cada candidato, a nomeação visa a preencher um vácuo que se agiganta diariamente no sistema prisional de São Paulo. Essa vacância é reconhecida pela própria secretaria, que apontou em abril do ano passado para um déficit de cargos da ordem de pouco mais de 13 mil servidores em todos os setores.
Relatório elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado(TCE-SP) em junho de 2021 constatou um aprofundamento ainda maior deste quadro, ao contabilizar o afastamento de 5.033 servidores devido a estes fazerem parte do grupo de risco para a contaminação pelo coronavírus. Muitos deles ainda permanecem à distância das prisões, enquanto 125 morreram vítimas da doença em dois anos de pandemia.
Risco para a segurança da população e transtornos para a saúde dos servidores
O SIFUSPESP considera temerário para a população e denuncia o não cumprimento da Lei de Execução Penal(LEP) a partir da ausência de profissionais suficientes para atuar tanto na segurança, na vigilância, na escolta e transporte de presos, fazer sua movimentação interna e ressocialização, recepcionar os visitantes, prestar atendimento médico, psicológico, social e de outras demandas inerentes a um sistema que representa um terço da população carcerária do Brasil.
Para além dos efeitos nocivos à sociedade, a exemplo do aumento no número de rebeliões e fugas decorrentes das inevitáveis falhas na segurança, o déficit no efetivo também provoca graves consequências aos trabalhadores que permanecem na ativa. Entre elas estão as doenças ortopédicas e os transtornos mentais causados pelo estresse e acúmulo de trabalho; as agressões cometidas por detentos e até mesmo casos de suicídio. Somente em 2021, quatro policiais penais tiraram a própria vida em São Paulo.
Sindicato mantém luta contra a Privatização, mais cara, pretendida pelo PSDB desde o início do governo Doria, e que colocaria crime no comando
O acampamento em frente à Alesp também é uma sinalização da continuidade da luta do SIFUSPESP contra a pretensão do governo do Estado de privatizar o sistema prisional. Desde 2019, quando o ex-governador João Doria(PSDB) assumiu o cargo - que deixou neste mês - foi escancarado o projeto de terceirizar as atividades dos servidores do sistema prisional, em um modelo de “cogestão” das unidades, em parceria com empresas.
Apesar de suspenso em maio de 2020 devido à pandemia e também graças a inúmeros protestos feitos pelo sindicato - além de ter sido anulado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo(TJ-SP), o edital aberto pela SAP para privatizar os Centros de Detenção Provisória(CDPs) de Gália I e II, de Aguaí e a Penitenciária de Registro ainda segue perambulando “como um fantasma da tragédia em que pode se transformar o sistema prisional paulista caso as prisões sejam privatizadas”, alerta Fábio Jabá.
O sindicato critica a proposta por três principais razões, expostas da seguinte maneira: As unidades prisionais privatizadas do país custam mais caro que as públicas. Em São Paulo, de acordo com dados da SAP, cada preso custa para o Estado, em média, R$1.580 por mês, incluídos aí os custos da manutenção das unidades prisionais, a alimentação, o transporte e os salários dos servidores. Informações do Ministério Público Estadual, dão conta que nas unidades privatizadas, esse custo dobraria, para R$3.033 por vaga, isso sem contabilizar os R$50 milhões investidos com dinheiro público em cada penitenciária.
Pesa contra a privatização o risco de o crime organizado se associar com empresas idôneas - o que já faz para o processo de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas e armas - e assumir o controle das prisões oficialmente, tendo acesso ao mapa de movimentações internas, comando das atividades remuneradas dos presos e de suas transferências.
Para completar, o presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, reitera a inconstitucionalidade da medida, sobretudo no que se refere às atividades de custódia, segurança e escolta dos sentenciados. “Por serem parte da segurança pública dentro do que expressa a Constituição Federal, os policiais penais que atuam nessas funções não podem ter seus cargos delegados à iniciativa privada, o que configura grave dano à ordem, à disciplina e repassa a uma empresa o poder de polícia, exclusivo do Estado”, esclarece.
PDL 22, o projeto que susta o confisco das aposentadorias dos servidores públicos
Insuflado pela aprovação da Reforma da Previdência, em março de 2020, o ex-governador João Doria determinou, mediante um decreto publicado em maio daquele ano, que os servidores aposentados deveriam passar a contribuir com uma alíquota variável entre 11% e 16%, retirada dos proventos desses trabalhadores, para custear o que a gestão do tucano apontava como um “déficit atuarial” nas contas da São Paulo Previdência(SPPrev).
Para o presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, esse verdadeiro confisco nas aposentadorias provocou impactos irreversíveis nas vidas de idosos, sejam eles aposentados ou pensionistas, que passaram a ter sua saúde cada vez mais deteriorada, perdendo renda, muitas vezes sem reunir recursos sequer para adquirir alimentos e remédios, com o adicional de estarem em meio às atrocidades da pandemia.
Pensando em reverter esta medida absurda, o deputado estadual Carlos Giannazi(PSOL) elaborou ainda em 2020 o Projeto de Decreto Legislativo(PDL) 22. O SIFUSPESP é totalmente favorável à aprovação do texto, que conta com intenso apoio popular e também da maioria dos parlamentares que assinaram o documento, mas está parado desde outubro na Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento da Alesp.
Pagamento do bônus penitenciário, uma justiça aos que lutaram na greve de 2014
O acampamento em frente à Assembleia também tem como horizonte o pagamento, aos trabalhadores do sistema prisional, de um bônus fechado em acordo com o governo do Estado ainda em 2014. Naquele ano, os sindicatos concordaram com a gestão Geraldo Alckmin em encerrar o movimento de greve da categoria. Em troca, receberiam esses valores incorporados a seus salários. E até hoje, o acordo ficou no papel.
A justificativa do governo é de que a Secretaria da Casa Civil estaria com o texto em mãos, mas essa desculpa já tem dois anos de vigência. Proibidos pelo Supremo Tribunal Federal(STF) desde 2017 de fazerem greve por serem parte da segurança pública - na esfera do artigo 144, da Constituição, e servidores essenciais “para garantir a democracia, a ordem pública e a paz social”, os policiais penais não têm outra saída senão protestar de imediato para que o Estado cumpra com sua palavra e pague o que deve àqueles trabalhadores que mantém as engrenagens do sistema em pleno funcionamento.