Alegando “uso eficiente de recursos”, SAP promete inaugurar centro de progressão penitenciária com custo R$ 14 milhões acima de estabelecimentos penais semelhantes. Riscos à população aumentam devido à estrutura precária da vigilância e histórico de rebeliões e fugas registrados em 2020 e 2017. Sifuspesp é contra mudança repentina de perfil da unidade, e organiza ato público para reivindicar retomada do projeto original
por Giovanni Giocondo
O anúncio de que a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) pretende inaugurar a pretensa Penitenciária Feminina de São Vicente como Centro de Progressão Penitenciária (CPP) masculino preocupa muito o SIFUSPESP, que já está organizando ao lado de outras entidades um ato público para reivindicar a retomada do projeto original. A unidade prisional do litoral paulista, que teve sua construção iniciada em 2013, possui particularidades em sua arquitetura e estrutura que podem comprometer a segurança da população do entorno.
Com o objetivo de alertar as autoridades a respeito dos gigantescos transtornos que essa mudança repentina de projeto pode causar à sociedade, o sindicato estará nesta quarta-feira (07) em São Vicente para conversar com os vereadores do município, além de também fazer-se presente na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), onde diretores da entidade devem ir até os gabinetes dos deputados estaduais.
O sindicato também já entrou em contato com o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) - entidade onde o SIFUSPESP ocupa cadeira na direção - além de também dialogar com a Defensoria Pública Estadual e o Ministério Público Estadual. A ideia do sindicato é reunir o maior número de representantes da sociedade civil organizada para demonstrar quão temerosa é a mudança de perfil da unidade.
A SAP inclusive já publicou, no Diário Oficial do Estado de São Paulo, a abertura das inscrições para a Lista Prioritária de Transferências Especial (LPTE) para os servidores que pretendem atuar no futuro CPP de São Vicente, o que indica que dificilmente a secretaria deve voltar atrás em sua decisão.
O presidente do SIFUSPESP também critica essa medida, lembrando que o perfil dos servidores que estavam interessados na transferência foi alterado de supetão, prejudicando muitas pessoas que desejavam há anos mudar-se para a Penitenciária Feminina para ficar próximas de suas famílias.
A data da inauguração do CPP ainda não foi definida, mas o sindicato promete unir forças ao lado da categoria e organizar protestos em frente à penitenciária para que a população e os órgãos de governo e do Estado sejam conscientizados sobre o profundo equívoco que a SAP está cometendo. “Precisamos subir o tom, porque o que enxergamos é que a gestão Restivo perdeu o controle e está totalmente perdida ao tomar uma decisão como esta”, reitera Fábio Jabá.
Custos da Penitenciária Feminina são maiores. Por quê?
Em nota divulgada como resposta ao site G1, a SAP diz que o futuro CPP será utilizado desta maneira “para usar os recursos públicos de forma mais eficiente”. Ocorre que o custo da unidade por ter sido construída como Penitenciária Feminina foi de R$ 53,6 milhões, enquanto que os centros de progressão penitenciária possuem um orçamento menor.
O CPP de São José do Rio Preto, por exemplo, custou aos cofres públicos pouco mais de R$ 39,2 milhões em 2010. Nesse sentido, é preciso identificar uma incoerência no discurso do Estado, já que o gasto com a estruturação da nova unidade foi infinitamente superior ao que seria necessário para gerir um Centro de Progressão Penitenciária.
Para o presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, o debate financeiro em torno de São Vicente demonstra mais uma vez a malversação do dinheiro público e a incapacidade da gestão Doria e Nivaldo Restivo em gerir o sistema prisional paulista.
A SAP alega que a unidade não receberá mais as mulheres “porque a população carcerária feminina vem diminuindo”, com um “superávit” de 36% nas vagas. Para Jabá, mesmo sabendo desta condição, é preciso ressaltar que o edifício foi construído pensando nesse público, que exige outro modelo de gestão do ambiente prisional.
O que são os CPPs e por que eles são mais inseguros que as penitenciárias?
Os Centros de Progressão Penitenciária são unidades prisionais criadas para receber apenas detentos do regime semiaberto, próximos do fim do período de suas penas. Por esse motivo, são dotados de índice de segurança menor na comparação com as Penitenciárias e Centros de Detenção Provisória (CDP).
Nesse tipo de estabelecimento penal, o entendimento extraoficial comum da Justiça, da SAP e do governo do Estado é que os próprios sentenciados devem “cuidar” para evitar ocorrências consideradas graves. Isso porque qualquer falta disciplinar poderá resultar na regressão para o regime fechado.
Por outro lado, não existe na unidade a figura do policial penal da carreira de Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária (AEVP), que é responsável por impedir que qualquer movimentação suspeita, dentro ou fora dos muros, signifique ameaça à segurança.
Ocorre que em São Paulo, desde que os CPPs começaram a funcionar, o que se viu foi um grande número de tentativas e efetivação de fugas, motins, tumultos e agressões contra servidores, fatores que colocaram em xeque o raciocínio de que os próprios detentos são capazes de se controlar para não serem punidos.
O papel dos policiais penais que ingressaram no sistema como Agentes de Segurança Penitenciária (ASPs) é tão somente fazer a custódia e a movimentação interna dos presos, zelando também pela segurança da unidade, mas sem ter estrutura e pessoal para coibir eventuais rebeliões e seus decorrentes episódios violentos.
O caso mais emblemático de motim nos CPPs aconteceu em 16 de março de 2020. Quando a Justiça anunciou que os detentos não teriam direito à “saidinha temporária” prevista em lei, em medida adotada como forma de prevenir o contágio pelo coronavírus, tombaram de uma vez as unidades de Mongaguá, Porto Feliz, Tremembé e Valparaíso, com registro de mais de mil fugas, incêndios e depredação do patrimônio público.
Esse cenário caótico fica ainda mais configurado quando se pensa em uma Penitenciária Feminina, que possui um modelo de segurança diferenciado e menos rígido na comparação com uma Penitenciária Masculina. Também é necessário ressaltar que o estabelecimento penal onde mulheres cumprem suas penas privadas de liberdade têm mais espaços onde a dinâmica da permanência das presas é diferenciada.
E o que é diferenciado, nesse caso? Existem, na unidade feminina, ambientes destinados à amamentação de recém-nascidos, aos cuidados específicos exigidos em uma creche aos filhos das detentas, entre outras particularidades, como brinquedoteca, salas destinadas exclusivamente a gestantes e biblioteca, entre outras estruturas.
Em março de 2017, a ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), visitou a Penitenciária Feminina de Votorantim durante a solenidade de inauguração do prédio. O então governador Geraldo Alckmin (PSDB) elogiou o modelo “humanizado” da unidade, enquanto a magistrada disse haver um sofrimento maior às mulheres condenadas, porque a estrutura das penitenciárias “não permitia que elas pudessem ter condições de serem reintegradas à sociedade”.
A inauguração da nova unidade seria então uma mudança de perspectivas nessa projeção de dignidade para a população carcerária feminina. E agora, por onde esse discurso permanece válido?
Os 15 CPPs do Estado possuem um modelo arquitetônico que preza, segundo o governo estadual, “pelo oferecimento de espaços para ressocialização, educação e trabalho”. Entretanto, essas unidades têm dificuldade para realizar as suas atividades de forma correta. O CPP 3 de Bauru, que foi quase totalmente destruído durante um motim seguido de fuga em janeiro de 2017, e que atualmente recebe 338 reeducandos, quando originalmente poderia ter até 1.138.
Outro CPP que rotineiramente aparece no noticiário por motivos negativos é o de Tremembé, também conhecido como PEMANO. Atualmente com 2.766 presos, a unidade teve sua interdição requerida pelo Ministério Público Estadual. A promotoria fez a solicitação à Justiça em maio, afirmando que a invasão dos chamados “ninjas” que arremessam drogas e celulares para dentro dos muros, a superlotação e o risco de fugas colaboram para o avanço do crime organizado sobre o sistema.