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Em conversa com o SIFUSPESP, estudantes que organizam evento entre 5 e  9 de abril destacaram necessidade de manter acesa chama do debate a respeito da desumanização dos profissionais do sistema prisional, além dos impactos que o coronavírus, o isolamento e a violência podem ter sobre sua relação com o ambiente penitenciário

 

por Giovanni Giocondo

A segurança pública e a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras do sistema prisional estará em pauta na Semana de Psicologia 2021 da Universidade de São Paulo(USP), que começa na próxima segunda-feira(05). Na terça, o presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, a psicanalista e assessora do sindicato Veridiana Dirienzo e o psicólogo Arlindo Lourenço debatem online a urgência de políticas públicas que minimizem riscos envolvendo a saúde mental entre os servidores a partir das 9h30. Saiba mais no link

Mas como foi que o tema atravessou os muros das prisões e chegou até a academia, mais especificamente entre os estudantes do curso que organizam o evento e que acreditam que reside no diálogo sobre o sofrimento acumulado pelos servidores - dentro da própria categoria e com a universidade - um dos caminhos para a adoção de políticas públicas voltadas a reduzir os danos de tanta pressão sobre os ombros e a mente dessas pessoas?

Para tentar identificar a origem desse interesse e desse cuidados, e se debruçar sobre como ele impacta o cotidiano dos trabalhadores neste momento de pandemia do coronavírus, o SIFUSPESP conversou esta semana com duas das alunas do 4o ano que estão na linha de frente do desenvolvimento da Semana de Psicologia.

Na conversa, Bruna Cazumbá e Isabela Albuquerque contaram que o despertar surgiu primeiramente porque na universidade a situação dos servidores da segurança não é tratado com especificidades e detalhes tão caros a este universo. Elas pretendem conhecer com mais profundidade parte do sofrimento que aplaca esses profissionais, entendendo suas experiências e jogando luz sobre algumas temáticas tão próximas da realidade dos trabalhadores penitenciários, mas que carecem de uma escuta mais apurada.

Conviver com a violência de tão perto, evitar falar sobre os seus próprios fantasmas, lidar com a morte de forma “natural”, praticar o isolamento social independentemente de pandemia - que já existia em jornadas longas dentro das unidades prisionais - são apenas alguns dos assuntos que entraram em discussão. Mas como pressionar o Estado a dar atenção ao mal estar e ao sofrimento desses servidores e adotar políticas voltadas a reduzir os danos à saúde mental dessa população?

 

Isolamento social já é uma rotina para trabalhadores penitenciários

Na opinião de Isabela Albuquerque, este trabalho pode começar ao se compreender, por exemplo, que o isolamento a que muitas pessoas estão submetidas ao longo dos últimos 12 meses em razão da pandemia é análogo à solidão que muitos servidores penitenciários enfrentam no seu dia a dia. 

“Nunca a sociedade brasileira viveu experiência similar à atual, e talvez esteja acontecendo uma reflexão sobre as marcas mentais que o isolamento está nos trazendo. Mas e para eles(trabalhadores das prisões), como tem sido ao longo de muitos anos em um contexto onde eles estão fechados e sem contato com ninguém, e agora neste momento, particularmente, o que tem sido a pandemia para cada um”, explica Isabela.

 

Necessidade de diálogo permanente com colegas e desumanização

Para Bruna Cazumbá, um dos fatores que podem colaborar para reduzir o sofrimento da categoria está ligado ao diálogo, seja ele entre os servidores da segurança pública, seja dos trabalhadores com a universidade  ou mesmo com os sindicatos.

“A Organização Mundial da Saúde considera essas pessoas(funcionários do sistema) fragilizadas, e talvez parte dessa situação decorra do fato de elas serem resistentes a conversar sobre os problemas que se acumulam por atuarem em uma atividade tão complexa. Por esse motivo, a escuta é fundamental. Ouvir para que elas sejam humanizadas, e as questões que as afligem no inconsciente, aflorem”, pondera.

Na opinião de Isabela Albuquerque, a desumanização pesa sobretudo porque se trata de um modelo de trabalho onde a hierarquia é muito forte, e há também um recorte de gênero importante, no qual a maioria dos servidores, que são homens, evita dialogar sobre os seus dramas com os demais, como se tivessem de aguentar firmes a tudo que lhes atinge.  “É possível ter redes de apoio dentro do trabalho, falando com seus iguais, e falar sobre os processos que por vezes”, esclarece.

 

Origens da violência no cotidiano das prisões, impactos e naturalidade do lidar com a morte como rotina

Ainda de acordo com Isabela Albuquerque, um dos temas que frequentemente perpassam a discussão sobre o sistema prisional é a violência que atinge a todos os que nela convivem, e de onde ela parte e segue se proliferando. No olhar da estudante de psicologia, a possibilidade de se debruçar sobre este tema passa por tirar a “nebulosidade” da frente da origem dessa violência, saber de onde ela vem e o que significa para os servidores.

Para a estudante de psicologia, há de se observar como tem sido para os trabalhadores penitenciários elaborar o processo de luto em meio à pandemia do coronavírus.

“O que todos os brasileiros certamente perderam agora foi o ritual de despedida dos seus entes queridos, esse encerrar da passagem que antes existia, dado o impedimento que se impõe a aglomerações e os riscos de contágio pela COVID-19. Mas no que se refere ao recorte dessa categoria de trabalhadores, será que eles tiveram ao menos a oportunidade de ter um tempo para vivenciar o luto de amigos e familiares, ainda mais por lidarem com a morte de forma tão recorrente dentro da prisão?” questiona.

Com um número grande de óbitos que transcende a conjuntura da pandemia, Bruna Cazumbá alerta sobre o não naturalizar a morte apesar de esta ser um acontecimento tão comum, mas sim elaborar um processo de luto,“ainda mais nesse  contexto, que extrapola o quanto é necessário, porque talvez potencializa muito mais para eles(servidores), que já vivem isso como uma coisa “normal”, que não é normal, a gente não pode normalizar. É preciso preencher de alguma forma, e dialogar é o melhor caminho”, ratifica.

 

Pensando no bem estar da categoria, SIFUSPESP oferece programa de atenção à saúde mental e requer regulamentação de lei que trata da prevenção e assistência a trabalhadores acometidos por transtornos

O SIFUSPESP reconhece que colaborar para o bem estar da saúde mental dos servidores penitenciários é também papel do sindicato. Atualmente, existe dentro da entidade um programa de atendimento gratuito  com psicanalistas e psicólogos. O serviço cuida para que todos os servidores - e no futuro, até outras categorias da segurança pública - possam reportar traumas que vêm os atingindo no mundo do trabalho e fora dele.

Na opinião do presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, esse cuidado deve ser também preventivo. “A atual gestão do sindicato vem dando especial atenção à saúde mental dos trabalhadores que representa e vai continuar nesse sentido, de buscar inclusive a regulamentação da Lei da Saúde Mental(Lei 12.622, de junho de 2007), que cria o programa de saúde mental dos policiais penais, sua manutenção e assistência integral”, menciona.

 

Políticas públicas podem ampliar alcance do serviço

O SIFUSPESP acredita que a atenção à saúde mental guarda proximidade com uma melhor formação técnica no treinamento profissional dos trabalhadores quando de sua entrada no sistema. O sindicato defende que a universidade seja uma aliada para romper com a invisibilidade da categoria e ainda permitir que haja, por parte do Estado, uma adoção de políticas públicas que possam ser benéficas a mais pessoas.

“É migrar do nosso atual microcosmo para um macro, onde o tema seja tratado com seriedade pelos diversos governos e ações reais aconteçam e possam ampliar o serviço que temos hoje para muitos outros setores da sociedade que demandam esse cuidado”, explica a psicanalista Veridiana Dirienzo,

 

Por que o sindicato prioriza o serviço de escuta?

No olhar da psicanalista Veridiana Dirienzo, o atendimento psicológico e a atenção à saúde mental dos servidores são prioridades porque para o sindicato trata-se de um princípio basilar de se cuidar do indivíduo e posteriormente relacionar o mal estar e o sofrimento da categoria com seu cotidiano.

Essa relação se daria com a insalubridade no local de trabalho, as relações opressivas com os companheiros, o sentimento de pertencer a um grupo onde as singularidades de cada servidor é considerada estranha ao ambiente, entre outros diagnósticos que têm vindo à tona no serviço de escuta.

Veridiana Dirienzo também alerta para o surgimento de uma onda das chamadas “mortes por desespero”, que se espalham entre servidores que abusam de drogas lícitas e ilícitas, se tornam obesos graças a uma compulsão alimentar, entre outros excessos, “parte deles ligado a um quadro constante de estresse, depressão e falta de perspectiva e de viabilidade dentro do trabalho, que levam essas pessoas a tomarem ações autodestrutivas”, afirma.

Saiba mais sobre o tema neste link

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