Evasão de 21 presos registrada no último sábado(24) na Penitenciária de Presidente Prudente é mais um dos casos de transtornos causados pelo aprofundamento do déficit de servidores nas unidades geridas pela SAP, onde faltam ao menos 4.700 policiais penais que atuam na custódia dos detentos, enquanto milhares de aprovados em concursos aguardam por nomeação. Colapso do sistema é iminente, com possíveis rebeliões em massa
por Giovanni Giocondo
A fuga de 21 detentos registrada no último sábado(24) na ala de progressão da Penitenciária de Presidente Prudente, no oeste do Estado, acendeu o alerta vermelho para uma incômoda realidade que assola o sistema prisional paulista. A falta de efetivo para fazer a segurança das unidades sob a gestão da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e os riscos que essa conjuntura causam à população, com a iminência de rebeliões em massa.
No mês de setembro, um princípio de tumulto na ala de progressão do Centro de Detenção Provisória(CDP) do Belém II, na zona leste da capital paulista, resultou na evasão de seis presos do semiaberto, onde somente um funcionário fazia a custódia de mais de 400 sentenciados. Apenas no último mês, outros casos semelhantes foram contidos pelos policiais penais em Avanhandava, no interior do Estado, e na Penitenciária Feminina da Capital em Santana, zona norte de São Paulo.
Já no Centro de Progressão Penitenciária de Tremembé, no Vale do Paraíba, 20 kg de drogas e mais de 160 celulares que seriam arremessados por criminosos para dentro dos muros foram apreendidos na semana passada, em prática que tem sido recorrente nas unidades que abrigam detentos do regime semiaberto. Para prevenir a entrada de entorpecentes e aparelhos eletrônicos, o efetivo também precisa de reforço.
Com unidades superlotadas - acima de 60% além da capacidade - e poucos servidores - menos de 20,28% do efetivo, o sistema prisional está à beira do colapso e existe grande possibilidade de fugas e rebeliões em massa colocarem o Estado de cabeça para baixo, já que os detentos têm percebido a redução do efetivo e a partir daí, arriscado cada vez mais atentar contra a ordem e a disciplina das unidades.
Colabora para esse quadro caótico a pretensão da SAP de tentar reverter na Justiça as decisões liminares que proíbem as visitas presenciais aos detentos enquanto durar a pandemia do coronavírus. Independentemente dos protocolos de saúde que a pasta promete adotar, não há número de funcionários suficiente para atender a mais essa atividade em meio a tantos afastamentos.
De acordo com levantamento feito no último dia 8 de outubro com base em dados do Sistema Integrado de Informações ao Cidadão(SIC) do governo do Estado, há na SAP um déficit de 4.767 vagas apenas entre os policiais penais que atuam como agentes de segurança penitenciária(ASPs), que são aqueles funcionários responsáveis por fazer a custódia, a segurança e a movimentação interna dos sentenciados.
No sistema prisional de São Paulo, cumprem pena atualmente cerca de 216 mil detentos, divididos em 176 unidades prisionais, conforme dados oficiais da própria SAP, enquanto trabalham 23.505 servidores no setor de segurança, o que leva a uma média de 1.227 sentenciados e 133 funcionários por unidade. Esse número demonstra que existem quase 10 presos por trabalhador da custódia, quase o dobro da média recomendada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária(CNPCP), que é de 5.
Essa média de detentos e servidores por unidade, no entanto, esconde cenários ainda mais caóticos em algumas penitenciárias onde em alguns plantões, um ou dois trabalhadores fazem a custódia de 200, 300 e até 500 presos. A média de policiais penais disponíveis na segurança tem sido de 8, quando o mínimo do módulo padrão SAP são 15.
Com o afastamento temporário de centenas de policiais penais que fazem parte do grupo de risco para o coronavírus, além da média constante de 30% de licenciados em razão de outros problemas de saúde, e o adicional dos desvios de função - servidor da segurança fazendo serviço administrativo e operacional, por exemplo - esse déficit tem se aprofundado e tornado insustentável e altamente perigoso o cotidiano das penitenciárias.
Só no Centro de Detenção Provisória(CDP) de Caraguatatuba, no litoral do Estado, somente nos últimos sete dias dez servidores que atuam na carceragem estão temporariamente sem trabalhar por estarem com suspeita de contaminação pela COVID-19.
O Departamento Jurídico do SIFUSPESP já estuda formas de requisitar à Justiça a interdição de unidades prisionais superlotadas onde não houver na segurança número mínimo de policiais penais de acordo com o módulo padrão SAP. Essa interdição impediria qualquer movimentação interna e externa de sentenciados, assim como a entrada de novos detentos no sistema enquanto o déficit não fosse sanado.
Aprovados em concursos podem ser solução para o problema
Paralelamente, existem milhares de candidatos aprovados em um concurso público para a carreira de agente de segurança penitenciária e que aguardam desde 2014 pela nomeação. Dados do SIC mostram que há 1.134 homens habilitados neste certame que poderiam assumir parte das 4.767 vagas em aberto.
No entanto, desde que a gestão João Doria(PSDB) assumiu o Estado e o coronel da PM Nivaldo Restivo tomou a frente da SAP, em janeiro de 2019 nenhum novo servidor foi nomeado, fato que aumenta a insegurança da população e a vulnerabilidade do sistema.
Nas demais carreiras da SAP, o déficit também tem crescido, tanto em relação aos policiais penais de vigilância e escolta e os operacionais, quanto em relação aos servidores das áreas técnicas, que trabalham na saúde,na assistência social e no administrativo.
Levantamento feito pela Secretaria e divulgado em 30 de abril deste ano no Diário Oficial do Estado mostra que o déficit de servidores no sistema prisional paulista disparou entre 2019 e 2020. De 11.808 funcionários da ativa a menos que o ideal trabalhando no ano passado, a tabela atualizada mostra um efetivo com 12.303 vagas em aberto, uma diferença de 495 cargos vagos a mais que no ano anterior.
Para a atividade de agente de escolta e vigilância penitenciária (AEVP), são 3.337 trabalhadores a menos que o número considerado ideal pela própria SAP. O total no ano passado era de 3.423. Faltam ainda 551 oficiais operacionais(motoristas).
Nas áreas técnicas, faltam atualmente 734 agentes técnicos de assistência à saúde - psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais; 106 analistas administrativos 272 dentistas; 200 enfermeiros; 644 médicos;1.733 oficiais administrativos e 491 técnicos de enfermagem, entre outros profissionais que fornecem atendimento aos detentos.
Para estas carreiras, também existem certames em aberto com candidatos aprovados - caso do concurso AEVP 2014, ASP 2017 - sendo que este se encontra na fase de investigação social - e das chamadas “Áreas Meio”, de 2018, a partir dos quais podem ser nomeados novos servidores que ocupariam estas funções e certamente poderiam colaborar para uma maior sustentabilidade do sistema.
Mesmo com a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei Complementar(PLC) 173/2020, que limita a nomeação de servidores públicos até o fim de 2021 em decorrência da pandemia do coronavírus, a própria legislação prevê que áreas consideradas essenciais - entre elas a segurança pública - poderão sim ter novos trabalhadores convocados caso estes se encontrem dentro do número total de vacância assumido por cada secretaria.
Em São Paulo, apesar de todos os concursos públicos estarem suspensos por decreto em razão do estado de calamidade pública, não há impedimento legal para novas contratações em setores onde o déficit é admitido pelo governo do Estado.
Além dessa permissão legal, existe ainda outro fator que endossa a necessidade de novas nomeações: O horizonte da inauguração de diversas unidades prisionais por todo o Estado ao longo dos próximos meses, incluindo as Penitenciárias de Registro(masculina) e de São Vicente(feminina), além dos CDPs de Gália I e II, Aguaí, Riversul e Santa Cruz da Conceição, todos com capacidade para mais de 800 detentos, e que podem receber futuramente grande número de servidores.