Há muitos lugares onde buscar recursos para a superação da crise econômica sem que a conta fique com o servidor público, mas as opções mexem com os donos do grande capital que têm a mídia, o Congresso e o Judiciário nas mãos. Mudar esse quadro exige luta do funcionalismo e conscientização.
Dia 28 de outubro é o Dia do Servidor Público, mas infelizmente não temos o que comemorar. Nossos benefícios e promoções foram congelados, a PEC 32 da reforma administrativa ameaça nossa estabilidade e carreira, e o PL 529/2020 do governador João Doria (PSDB) aumentou a contribuição do Iamspe.
O fato de tantos ataques serem feitos ao funcionalismo público desperta atenção e preocupação, pois o serviço público é uma das bases de uma sociedade democrática.
Se compararmos o índice de democracia com o índice de desenvolvimento humano e a porcentagem de empregos governamentais, veremos que os países considerados mais democráticos e com melhores índices de desenvolvimento humano possuem mais funcionários públicos. Se os países que são considerados exemplos de eficiência, democracia e qualidade de vida tem um setor público muito maior que o brasileiro, porque insistimos em reduzir o Estado?
Se por outro lado olharmos os países que caíram em democracia e desenvolvimento humano, veremos que todos eles fizeram algum tipo de corte na estrutura estatal, além do aspecto óbvio de que a maioria das privatizações envolveram operações escusas e corrupção, assim como Parcerias Público-Privadas (PPPs). Destaque aqui para o “Modelo” privatização de presídios de Ribeirão das Neves, que Dória quer implantar em São Paulo, inclusive com as mesmas empresas acusadas de corrupção em Minas Gerais, no Amazonas e no Maranhão.
As chamadas Organizações Sociais (OSs) na área de saúde também não ficam atrás, uma delas estava envolvida no escândalo que derrubou o governador Wilson Witzel no Rio de Janeiro.
Se todos os exemplos de desmonte do Estado só apontam para mais corrupção e menos serviços para a população, por que os seguidos governos insistem nesta “solução”?
Será que os governantes não percebem que cada vez que cortam um serviço, um benefício social ou, uma autarquia que prestava serviços relevantes, estão tornando o imposto mais caro para aqueles mais carentes? Se pagamos a mesma percentagem de impostos e temos menos serviços, na verdade estamos pagando mais caro.
Se dispensamos o concurso público e a estabilidade, onde vai parar a impessoalidade do Estado?
Isto tudo tira a legitimidade do Estado, afinal os contribuintes estão sendo lesados, pagam a mesma coisa e têm cada vez menos serviços e menos funcionários públicos para suprir suas necessidades básicas.
Vemos isso acontecer em nosso dia a dia trabalhando com um quadro funcional cada vez mais reduzido, e vendo os riscos de segurança nas unidades prisionais aumentarem cada vez mais.
Mas quando lemos os jornais ou assistimos à televisão, o que vemos são engravatados afirmando que o Estado está “inchado”, que temos funcionários públicos demais. Ou Dória nos chamando de “vagabundos”, ou Guedes dizendo que “tem que colocar uma granada no bolso do funcionalismo”
Nenhum destes senhores, grandes economistas, planejadores e “gestores” jamais viu ou verá o que é estar em três ou quatro servidores para zelar 1200 presos em um plantão noturno, jamais enfrentou um plantão de emergência onde um médico faz o trabalho de três ou quatro. Não imaginam o que é uma sala de aula com 50 alunos, uma delegacia com plantão incompleto ou esticar um plantão de 12 horas porque falta efetivo.
Só veem as projeções de ganhos financeiros, necessidade de “atrair investidores” de passar “confiança ao mercado”, só o que não percebem é que estão perdendo a confiança da população, as pessoas estão cada vez mais descrentes nas instituições porque as instituições estão cuidando cada vez menos dos interesses da maioria.
Como policiais penais e funcionários do sistema prisional, sabemos que onde o Estado recua o crime avança, e hoje em nosso país podemos dizer que o Estado está sendo corroído por cima e por baixo.
Por cima banqueiros, especuladores e empresários sem compromisso com o país pedem o desmonte do Estado, enquanto sugam este mesmo Estado com suas isenções fiscais, planejamentos tributários e jogadas financeiras com títulos da dívida pública e dólar, operações garantidas e swaps cambiais.
Nas brechas que eles criam desmontando o Estado por cima, com a conivência do Legislativo e do Judiciário, penetra o poder paralelo do crime, seja na forma de facção ou de milícia.
Essas organizações penetram onde o Estado recua, penetram justamente nas comunidades que têm menos recursos, e implantam uma verdadeira ditadura de terror justamente naqueles mais vulneráveis socialmente. Corrompem os jovens, que muitas vezes sem uma estrutura social e familiar adequada, e cercados de um exemplo negativo de poder, acabam se integrando a essas organizações.
Fato muito semelhante ao que acontece com muitos pequenos criminosos dentro do sistema prisional em relação ao PCC.
Tais organizações lançam candidatos e estão se infiltrando no Legislativo e Executivo e parasitam a máquina do Estado justamente por meio de mecanismos privatistas.
Em resposta a esta dupla corrosão do Estado só existe uma saída. Recompor o Estado. Porém, os “gestores” e “economistas” alegam que não existe dinheiro, que o Estado está falido, que é necessário manter o “superávit primário”.
Desmascarando uma grande mentira!
Quase 50 % de tudo o que o nosso país arrecada é destinado ao pagamento dos chamados encargos da dívida, ou seja, juros. Além de várias ilegalidades cometidas pelo Banco Central em relação ao pagamento de juros da dívida, nunca foi cumprida uma determinação da constituição de 1988, que é a auditoria da dívida pública brasileira.
Vetada por dois anos consecutivos, por Dilma em 2015 e Temer em 2016, a proposta de auditoria da dívida visava a remediar a falta de transparência sobre diversos aspectos do endividamento, a começar pelos próprios beneficiários desta dívida, cujos nomes são considerados como sigilosos pelo governo, apesar de se tratarem de recursos públicos.
A dívida pública é uma verdadeira caixa preta. Nem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida, realizada na Câmara dos Deputados entre 2009 e 2010, conseguiu que o governo federal fornecesse dados e documentos sobre a dívida.
Além da dívida não ser transparente, diversos “credores” do governo na verdade são devedores. Grupos como Itaú e Bradesco que possuem dívidas bilionárias com o governo lucram com títulos da dívida.
Para se ter uma ideia, em 27/10/2020 o Brasil tinha perdido mais de R$ 516 bilhões com a sonegação. Saiba mais.
Some-se a isto os R$ 59,7 bilhões que deixamos de arrecadar por sermos um dos únicos países do mundo, ao lado da Estônia, que não cobra imposto sobre lucros e dividendos. Saiba mais.
E os mais de R$ 1 trilhão que Guedes doou para os especuladores com a compra de títulos podres pelo Banco Central - o governo basicamente está cobrindo o prejuízo de especuladores que apostaram no mercado financeiro e se deram mal.
Além disso, com a liberação de mais R$ 1 trilhão de compulsório para os bancos, as despesas do governo com as chamadas operações compromissadas saltaram para R$ 1,309 trilhão em abril. Explicando operações compromissadas, basicamente é o governo pagando para os bancos manterem dinheiro fora do mercado, isto em um momento em que falta dinheiro. Saiba mais.
Como vimos, existem muitos lugares onde buscar os recursos para a superação da crise econômica, porém todos são opções que mexem com os donos do grande capital, e estes têm a mídia, o Congresso e o Judiciário em suas mãos.
Os grandes especuladores não ligam que os mais pobres paguem a conta, que o país se desestruture, que a democracia e a estabilidade social sejam ameaçadas, desde que eles mantenham seus privilégios e os seus lucros.
A única saída que nós servidores públicos temos é nos unirmos, lutar e conscientizar a população, porém primeiro devemos começar por nossa categoria.
Devemos enfrentar a ilegalidade do desmonte do Estado imposto pelo governo Dória e temos duas grandes armas em nossas mãos neste momento. Uma é a Operação Legalidade. Sabemos que devido ao déficit funcional, a maioria das unidades está operando irregularmente, e registrar estas irregularidades não só é nossa arma como nosso dever e nossa proteção como funcionários públicos.
A segunda arma é o nosso voto. O Fórum Penitenciário Permanente reuniu diversos candidatos que assumem as propostas do grupo formado pelo SIFUSPESP, SINDCOP e SINDASP, e serão uma voz nas Câmaras de Vereadores contra o desmonte do Estado.
Muita luta nos aguarda, e devemos lembrar que em nenhum governo os trabalhadores conquistaram ou mantiveram direitos sem lutar.
Em nossa categoria, este movimento pelo fortalecimento do Estado passa justamente por três de nossas reivindicações mais urgentes: aprovação da PEC para regulamentação da polícia penal paulista; reposição do quadro de pessoal e não à privatização, se estendendo na reivindicação da reposição das perdas salariais, para que possamos viver com um mínimo de dignidade.
Como a luta pela polícia penal em Brasília demonstrou, quando estamos unidos e organizados triunfamos, e neste Dia do Funcionário Público convém lembrar que nossa luta não é só por nós, ela também é uma luta pela proteção do Estado e da sociedade que um dia juramos defender.
Fábio César Ferreira
Presidente - SIFUSPESP