Marc Souza

Agente penitenciário, escritor e Diretor do Sifuspesp
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Por Marc Souza

O preconceito social externado contra os profissionais que estão na linha de frente do combate ao coronavírus ou outros profissionais que tenham contato direto com pessoas infectadas é uma agressão ao ser humano

De repente tudo parou e o mundo virou de cabeça para baixo. Logo, fomos surpreendidos por uma ameaça mortal acometendo a todos, sem distinção de raça, cor, credo, classe social etc. Uma ameaça invisível que passou a ceifar vidas indiscriminadamente. Um inimigo tão perigoso que foi capaz de deixar as ruas, até da maior e mais populosa cidade do país, vazias.

Então, muitos de nós, para se proteger e proteger sua família e amigos, passaram a adotar o isolamento social. Uma atitude difícil, mas, essencial. 

Mas nem todos podem adotar o isolamento social, pois, se o fizerem podem causar grandes transtornos, e vidas com certeza perder-se-ão. Portanto, mesmo com medo e temendo por suas vidas e dos seus, todos os dias, muitos profissionais saem de casa para exercerem a sua profissão, para cumprirem o seu dever, os integrantes das categorias consideradas essenciais. 

São os policiais: penais, civis, militares, bombeiros; os profissionais da saúde, atendentes, auxiliares de serviços gerais, auxiliares de enfermagem, enfermeiros, médicos; profissionais da limpeza pública; coveiros; os funcionários de postos de combustíveis, açougues, mercados, entregadores etc. Enfim, um grande número de profissionais que, mesmo com todas as dificuldades, mesmo com todo perigo, enfrentam essa situação caótica com coragem e amor a profissão e, principalmente, amor ao próximo.

Mas, infelizmente, no dia a dia, esses profissionais não encontram somente os perigos desta pandemia dantesca, neste momento difícil. Eles e seus familiares têm que enfrentar uma situação desconcertante, humilhante e totalmente covarde. Se não bastasse todos os perigos que sofrem diuturnamente no exercício de suas funções, sendo inclusive vulneráveis ao adoecimento físico, psicológico e emocionais, estes ainda têm que superar e combater o preconceito social, sendo vítimas de discriminação de uma sociedade que deveria lhes agradecer.

São inúmeras situações, desde olhares desconfiados em ambientes públicos, distanciamento social, solicitação de mudança de condomínio, solicitação para utilização de elevadores exclusivos, pedidos para não frequentar determinados locais para não afastar os clientes etc. Amizades e relacionamentos abalados pelo simples fato de estarem em contato direto com portadores de coronavírus (COVID-19). 

Esse tipo de discriminação e preconceito é maior contra os profissionais da saúde, mas também afeta os demais profissionais, principalmente os policiais penais, ou agentes de segurança penitenciária. 

Com o aumento dos casos de COVID-19 nas cidades do interior do Estado, onde os policiais penais passaram a ser, na maioria das vezes, as vítimas mais proeminentes devido à uma série de fatores que os deixaram em contato direto com pessoas infectadas, o preconceito social passou a ser presente junto aos membros desta categoria e seus familiares.

Para se ter uma ideia, a situação chegou ao ponto de um prefeito da região Oeste do Estado de São Paulo proferir a seguinte frase: “... pelo andar da carruagem, a maioria dos sintomáticos ou internados é de agentes, mulheres destes servidores ou presidiários...”. Tal frase, totalmente preconceituosa e descabida, colocou tais profissionais e seus familiares em uma situação totalmente vexatória e, principalmente, mesmo sem querer, incitou o preconceito da população contra estas pessoas - preconceito este que pode/poderia até ocasionar em violência contra os mesmos.

Ademais, não é só a violência que atitudes como estas podem causar, existem outras consequências cruéis acerca de tais atos que geram o preconceito social. Para o psiquiatra Alceu Gomes Correia Filho, há grande evidência científica da relação entre doenças clínicas e a exposição constante a situações que envolvem preconceito, bullying e assédio moral.

“A discriminação gera estresse, que por sua vez produz respostas orgânicas, como a liberação de cortisol. Este impacto, se continuado, tem como resultado elevação da pressão arterial, por exemplo. Ainda que não saibamos a exata etiologia da hipertensão, a ansiedade crônica é um dos fatores mais aceitos”, detalha o psiquiatra. 

Não podemos deixar de observar também que tais situações causam nas vítimas sentimentos de vergonha e negação, causando isolamento social, desencadeando um sem números de doenças psicossomáticas ou não. 

O preconceito social externado contra os profissionais que estão na linha de frente do combate ao coronavírus, ou outros profissionais que tenham contato direto com pessoas infectadas, é uma agressão ao ser humano. Afinal, estas pessoas estão colocando suas vidas e as vidas das pessoas que amam em risco em prol da sociedade, em um exemplo do exercício da cidadania plena.

Assim, espera-se em contrapartida que estes profissionais sejam devidamente respeitados, pois estão na linha de frente combatendo um vírus mortal que ceifa a vida de milhares de pessoas diariamente e, mesmo correndo risco de morte, estes profissionais estão lá, firmes e fortes, lutando, combatendo, seja para amenizar sofrimentos, salvar vidas, ou manter a segurança daqueles que muitas vezes, ao invés de lhes serem gratos, devolvem preconceito e discriminação.

Marc Souza é policial penal, escritor e diretor do SIFUSPESP