Marc Souza

Agente penitenciário, escritor e Diretor do Sifuspesp
compartilhe>

Por Marc Souza

A profissão de Policial Penal foi criada por meio da promulgação da Emenda Constitucional 104, em 4 de dezembro de 2019. No entanto, ao longo dos anos o Policial Penal foi conhecido por diversos nomes: Agente de Segurança Penitenciária, Agente de Segurança Prisional, Carcereiro, Guarda de Preso, Agente Carcerário, Agente Penitenciário, Agente Prisional, Vigilante de Presídio, Vigilante Penitenciário, Guarda, Carrasco...

Independente das denominações recebidas ao longo dos anos, o Policial Penal faz parte de uma das mais antigas profissões do mundo, além de, segundo a Organização Internacional do Trabalho, ser a segunda profissão mais perigosa, visto as condições mínimas de segurança em que exerce o seu trabalho que é sujeito a motins, rebeliões, agressões, dentre outras situações limite. 

Além disso, a atividade do Policial Penal está prevista no rol das atividades essenciais por se tratar de uma atividade que atende as necessidades inadiáveis da comunidade - necessidades que, se não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Porém, quando passamos a investigar as origens desta tão importante profissão os dados são escassos. Contudo resta evidente que a história destes profissionais muitas vezes se confunde com a história do sistema prisional e, como o sistema prisional, evoluiu no decorrer dos anos. 

Para a pesquisadora Rosalice Lopes, no livro O cotidiano da violência: o trabalho do agente de segurança penitenciária nas instituições prisionais (Psicologia para a América Latina, n.0, p.1-8, 2002), a categoria remonta inevitavelmente sua história, como carrascos, carcereiros e guardas de presídio, estando ligada a torturas, agressões e punições do desvio da ordem moral. Tal ligação dá-se sobre a premissa que, a princípio, as penas impostas não tinham qualquer finalidade a não ser o castigo e a retribuição do mal com outro mal (neste caso com a participação do carrasco).

Entretanto, com o passar do tempo, e principalmente a partir do século XVIII, período correspondente ao Iluminismo, a legislação penal começou a ser criticada por seus excessos e passou-se a se pensar em um programa de humanização das prisões, tendo a obra The State of Prisons in England and Wales With an Account of Some Goreng (1777), de John Howard, considerada o marco inicial.

John Howard defendia a construção de estabelecimentos adequados para cumprimento da pena privativa de liberdade, que garantissem alimentação e assistência médica, classificando as pessoas submetidas ao cárcere em três tipos: presos provisórios, definitivos e devedores. Além disso, Howard também pregava que as mulheres deveriam permanecer separadas dos homens. Por fim, ele captou a importância dos carcereiros na execução da pena privativa de liberdade e evidenciou a importância da fiscalização do magistrado no cárcere, de modo a coibir abusos, ressaltando ainda que o trabalho para o preso era fundamental para a sua reabilitação.

Neste contexto, surgiram diversas Escolas Penais a fim de encontrar o fundamento do jus puniendi. A Escola Clássica, a Escola Positivista e a Escola da Defesa Social. Para as referidas Escolas, segundo o escritor Julio Fabrini Mirabete, professor de Direito Penal, membro da Academia Paulista de Direito e do Instituto Manoel Pedro Pimentel, do Departamento de Direito Penal da USP, no seu livro Manual de Direito Penal (Volume I. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004), a retribuição e a expiação da culpa pelo infrator deixam de ser finalidade da pena e, com isso, o propósito da pena é a reinserção do condenado à sociedade. 

Ou seja, ao longo da história, a legislação penal, bem como o sistema prisional, evoluíram de um sistema que previa a utilização de penas sem finalidade alguma - fato que marcou a categoria de servidores penais de forma negativa, estigmatizando-os como pessoas violentas - para um sistema que busca a ressocialização como melhor forma de prevenir crimes futuros e tratar a transgressão das normas vigentes, com profissionais qualificados para isso.

No Brasil, atualmente cabe aos Policiais Penais cumprir o que disciplina a Lei de Execução Penal (1984), que tem como objetivo reintegrar o indivíduo preso à sociedade, corrigindo e reeducando-o, além de punir e ressocializar, garantindo a segurança e preservando os direitos humanos de acordo com a Constituição Federal de 1988, atribuições muito distantes daquelas presentes no imaginário e que, infelizmente, estigmatizaram a categoria.

Mesmo com poucas informações, resta evidente que a categoria, juntamente com legislação penal e o sistema prisional, não só mudou de nome por diversas vezes, mas, com o tempo, também mudou, evoluindo e criando uma identidade, posição social e princípio de existência, ganhando cada vez mais importância não só no âmbito penal, mas também no âmbito social, deixando de ser agente punitivo para ser agente ressocializador, fazendo parte efetiva na construção de uma sociedade mais justa e segura.

Destarte se a função ressocializadora deste ainda não é de certa forma eficiente, resta evidenciar que existem vários outros fatores a serem observados e que faltam políticas públicas que visam auxiliar neste caminho, sendo uma das causas a superpopulação carcerária.

No entanto, é sempre bom frisar que os Policiais Penais, mesmo sendo pouco valorizados e reconhecidos - seja pela população em geral que, por ignorância, tem em mente os antigos carrascos e carcereiros, seja pelo Estado que não fornece a estrutura necessária para que estes exerçam suas funções dignamente e em acordo com a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal, sendo conivente com a superpopulação carcerária e a falta funcional, pagando baixos salários e sem prestar qualquer ajuda médica ou psicológica a estes profissionais - abandonados à própria sorte, ocupam a linha de frente no sistema prisional, arriscando suas vidas, vivendo, muitas vezes uma rotina traumática, mas com muita dignidade, procurando cumprir suas obrigações, sendo parte integrante no combate ao crime organizado, na proteção da população em geral, mesmo diante de todas as condições adversas por eles encontradas, se adequando, mudando, evoluindo, mesmo que a duras penas.

Marc Souza é policial penal, escritor e diretor do SIFUSPESP