Apesar de reconhecer superlotação e se comprometer a valorizar servidores para se adequar a Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, em vigor até 2030, secretaria volta a propor privatização e “racionalização dos serviços de custódia e de recursos humanos” como forma de tornar mais “eficiente” gestão das unidades
por Giovanni Giocondo
A Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) criou oficialmente na última quinta-feira(17), mediante a publicação de uma resolução interna, a Política Estadual Penitenciária. O documento estabelece “missão, visão, diretrizes e objetivos estratégicos”, entre outros instrumentos de atuação no sistema prisional pelos quais o Estado deverá seguir e aplicar o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, iniciado em 2021 e que vai até 2030. A íntegra da resolução pode ser conferida nas páginas 23 e 24 do Diário Oficial do Estado de São Paulo do último dia 17 de março.
No olhar do SIFUSPESP, o interesse da pasta em criar a Política Estadual pode estar relacionado única e exclusivamente à obtenção de recursos financeiros com origem no Sistema Único de Segurança Pública(SUSP). O controle da aplicação desse investimento poderia levar em consideração somente critérios de austeridade, como eficiência de gestão e controle de gastos, sem que a fiscalização dos efeitos na segurança pública possam ser medidos para além das estatísticas governamentais.
Conforme explica publicação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de setembro de 2021, esse plano consiste em um sistema de governança “composto por mecanismos de liderança, estratégia e controle”, que tem por objetivo “avaliar, direcionar e monitorar a gestão e a condução da política pública, conforme diretrizes do Governo Federal”.
A pretensão do governo federal com essa política seria “direcionar os esforços e recursos públicos nas causas dos diversos focos de violência e criminalidade” e a medição das “evidências” e dos “resultados concretos” do projeto seria feita por meio de “indicadores padronizados", o que poderia gerar - no olhar do Ministério - “a melhoria da sensação de segurança e da própria imagem do país”.
O Plano Nacional foi desenvolvido a partir da criação do SUSP, em 2018. O sistema único de segurança pública define um padrão para a integração das polícias e dos outros órgãos do setor para uma atuação “uniforme” nas ações nacionais de “compartilhamento de dados, operações integradas e inteligência” entre as forças de segurança nos âmbitos federal, estadual e municipal, tendo como objetivo principal a prevenção e a repressão aos crimes.
Do SUSP, provém recursos da União, obtidos mediante uma porcentagem prevista em lei da arrecadação com as loterias da Caixa Econômica Federal, e que estão, de acordo com o Ministério, “disponíveis para apoiar projetos e para a realização de atividades e ações nas áreas de segurança pública e prevenção à violência, por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP)”.
O SIFUSPESP pondera que a origem do plano feito pela SAP com sua Política Estadual Penitenciária pode residir justamente na meta de receber a verba proveniente desse órgão - cuja estimativa do governo federal, em 2018, era de alcançar o montante de R$4,2 bilhões em 2022. Mas a aplicação dos recursos não precisa ter qualquer vínculo com a melhoria das condições de trabalho dos servidores, tampouco com a estrutura física das unidades.
Armadilhas para usar dinheiro público com a privatização
Para além das propostas de promover uma gestão que respeite a dignidade da pessoa humana, reduzindo o encarceramento, melhorando o atendimento à saúde dos presos e garantindo a ressocialização através da educação e trabalho; ou de uma generalista “valorização, formação e qualificação” dos trabalhadores, e da construção de uma gestão “segura” da custódia dos sentenciados, existe um interesse claro em aplicar os recursos da União na privatização do sistema.
Isso porque um dos objetivos estratégicos declarados do documento assinado pelo secretário Nivaldo Restivo é “incentivar a participação da iniciativa privada na modernização do sistema penitenciário, de forma a ampliar a oferta de vagas, seja por meio de parcerias público-privadas, seja por meio da operação compartilhada de unidades prisionais”.
Em maio de 2020, após muita pressão do SIFUSPESP e em meio ao avanço da pandemia do coronavírus, a SAP suspendeu o edital de concorrência para a cogestão de quatro novas unidades prisionais de São Paulo - os Centros de Detenção Provisória(CDPs) de Aguaí, Gália I e II, e a Penitenciária de Registro. Mas a interrupção “forçada” não necessariamente marcou uma desistência em definitivo do modelo de terceirização.
Colabora também para essa possibilidade outra meta da secretaria com relação ao seu quadro de funcionários, que é a de “racionalizar a prestação dos serviços de custódia, aumentando a eficiência por meio de inovações tecnológicas, potencializando a capacidade e segurança dos efetivos disponibilizados”.
Para completar, a pasta também se propõe a “aumentar o uso e estudo de tecnologias que potencialize a segurança interna das unidades prisionais e racionalize o emprego de recursos humanos”. No entendimento do SIFUSPESP, mais que garantir a segurança de presos e de servidores com a adesão ao sistema automatizado de abertura e fechamento das celas, a proposta visa a reduzir ainda mais o número de trabalhadores na carceragem.
Saúde dos sentenciados e o custo operacional das escoltas
No documento oficial, a SAP reconhece que precisa melhorar as condições de atendimento de saúde dos sentenciados, buscando para isso a utilização de recursos próprios ou as parcerias com os municípios. Omite, no entanto, que carece de profissionais de escolta e vigilância para levar os presos para consultas e outros procedimentos médicos no interior do Estado, onde o trabalho é feito pela polícia militar, com custo quase seis vezes maior.
Simultaneamente, ignora as próprias estatísticas ao apontar as videoconferências de audiências judiciais como a “solução” para reduzir os custos com os deslocamentos de presos, quando este serviço responde por apenas 20% do total de viagens das viaturas, enquanto os outros 80% estão concentrados no transporte até unidades básicas de saúde ou hospitais, além das transferências dos apenados entre as unidades.
Na sua Política Estadual Penitenciária, a SAP também se compromete a dispor de equipe completa de saúde nas unidades, mas desde que feito em parceria com os municípios, e não com essa equipe sendo formada por servidores. Relatório feito pela Defensoria Pública Estadual em 2021 mostra que nenhuma das 21 unidades visitadas possuía o efetivo mínimo de médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, dentistas e nutricionistas.