Em meio à pandemia do coronavírus, órgão denunciou governo de São Paulo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA por falta de água, de itens de higiene e excesso de presos em ao menos 21 penitenciárias e CDPs na capital, no interior e no litoral. Sindicato pedirá interdição de unidades por danos ao interesse coletivo dos servidores devido a falta de condições de trabalho
por Giovanni Giocondo
O SIFUSPESP vai entrar como terceiro interessado em ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que denunciou a Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) e o governo do Estado junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos(CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos(OEA).
De acordo com a ação, a gestão João Doria e Nivaldo Restivo está sendo acusada de violações de direitos dos detentos em virtude de, mesmo frente à pandemia do coronavírus - considerada a pior crise sanitária da história do país, manter intacta a superlotação das unidades prisionais, promover o racionamento de água e de produtos de higiene em 21 penitenciárias e centros de detenção provisória(CDPs) paulistas.
Com base na denúncia, o Departamento Jurídico do sindicato utilizará de uma ação civil-pública que comprove nexo causal entre a superlotação e aumento da “nocividade e abalo do ambiente laboral”, com danos ao interesse coletivo dos servidores, ou mesmo com um pedido de providência para a interdição da unidade prisional onde houver superlotação e déficit de funcionários.
Atualmente, o SIFUSPESP já foi admitido como terceiro interessado em ação do Ministério Público Estadual(MP-SP) que visa um pedido de providências por parte da SAP para por fim à superlotação no Centro de Progressão Penitenciária(CPP) de Tremembé, também conhecido como PEMANO, que fica no Vale do Paraíba.
De acordo com o coordenador do Departamento Jurídico do SIFUSPESP, Sergio Moura, “nas unidades com problemas, o sindicato vai propor ações coletivas para produção antecipadas de provas, solicitando medidas de urgência para coibir a inação da SAP ante o cenário de superlotação e déficit funcional para, em um segundo momento, pedir a interdição ou providências à Justiça.
Para o presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, existe uma ligação fortíssima entre a falta de atenção da SAP para com a limpeza das celas, a superlotação das unidades e a falta de água e de itens distribuídos aos presos com o crescimento do número de casos e de mortes entre os trabalhadores.”Dentro dos muros, o vírus não faz distinção entre quem é contaminado. Ele circula livremente se não há cuidado com a assepsia e o distanciamento social”, pondera Jabá.
O que consta na denúncia da Defensoria ao CIDH
O relatório da Defensoria tem como base visitas feitas pelos defensores públicos às prisões estaduais entre junho de 2020 e março de 2021. O Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria verificou que 93% destas 21 unidades estão com população acima de sua capacidade, algumas com mais que o dobro de detentos que o máximo estipulado. Já em 86%, o fornecimento de água aos presos é racionado sem justificativa.
Além disso, o órgão também identificou que mesmo em meio à pandemia do coronavírus, a SAP não tem atuado para distribuir com frequência e em quantidade suficiente material de higiene e assepsia aos sentenciados. Para a Defensoria, aliado à falta de água em algumas unidades e à aglomeração das celas, esse cenário estaria colaborando para a disseminação descontrolada da COVID-19 pelo sistema prisional paulista.
Entre as unidades que foram alvo de fiscalização estão as Penitenciárias de Sorocaba, Guareí, Piracicaba e Feminina da capital , e os CDPs de Pinheiros, Osasco, Mauá, Diadema e Santo André, todos na região metropolitana de São Paulo, além de Limeira, Bauru e Americana, no interior, bem como São Vicente, no litoral do Estado.
Como forma de defender os interesses dos servidores penitenciários, que vêm sofrendo com o aumento dos casos de contágio pela doença - bem como o alto registro de óbitos - o SIFUSPESP vai atestar a superlotação das unidades, o aprofundamento do déficit funcional e as péssimas condições de trabalho dos servidores, que colocam em risco a segurança das penitenciárias e a saúde da categoria.
No olhar do sindicato, esses fatores são provas irrefutáveis do descaso do governo do Estado com o sistema prisional e da omissão da SAP diante dos gigantescos desafios que a pandemia de COVID-19 tem imposto sobre o trabalho diário dos servidores.
No total, 96 policiais penais e outros funcionários da secretaria morreram vítimas do coronavírus desde que a doença chegou ao Brasil, em março do ano passado, enquanto 45 presos foram a óbito em razão da doença.
Déficit funcional é gigantesco e deve aumentar após um ano de pandemia
Em 30 de abril de 2020, a SAP admitiu oficialmente um déficit de 12.303 vagas em seus quadros funcionais, distribuídas por todos os setores do sistema, das atividades administrativas às operacionais, passando pelas áreas técnicas de saúde e assistência social, até chegar à segurança, custódia e vigilância.
O SIFUSPESP ainda aguarda a divulgação dos dados de 2021, mas a expectativa é que eles comprovem um aumento exponencial no buraco que atinge praticamente todo o sistema. O próprio relatório da Defensoria Pública que embasou a denúncia ao CIDH atesta que nenhuma das 21 unidades visitadas tinha equipe completa de saúde - enfermeiros e auxiliares de enfermagem, médico, dentista, nutricionista, entre outros.
Para o presidente do sindicato, Fábio Jabá, a situação se complica ainda mais porque há um grande número de mortes de servidores vítimas do coronavírus, constantes afastamentos daqueles trabalhadores que fazem parte do grupo de risco para o coronavírus, bem como os provocados por licença-médica e as aposentadorias.
“Se levarmos em consideração que nenhum novo servidor foi nomeado para atuar na SAP desde que Doria e Restivo assumiram a gestão em 2019 - apesar de inúmeros concursos em aberto com candidatos aptos a assumir os cargos - podemos dizer que a situação é de calamidade e deve piorar, porque o governo e a SAP não sinalizam com contratações”, explica.
Ainda na opinião do sindicalista, os servidores não aguentam mais assistir aos colegas tombarem em razão dessa doença - com quase 100 mortes, e quem continua trabalhando têm sua angústia multiplicada ao ver que sua condição não vai melhorar no que depender da secretaria. “Por esse motivo, a ação junto à corte internacional é mais do que justificada e vamos ajudar. O mundo precisa saber o que acontece dentro das grades, sobretudo em um momento tão grave como essa pandemia”, finaliza Jabá.