Publicado em setembro pelo policial penal federal Cristiano Torquato e pela especialista em gestão prisional Liliane Vieira Castro Barbosa, texto defende novas nomeações de servidores em todo o país e unificação do modelo de administração do sistema nos Estados como formas de aumentar segurança, assistência aos detentos e cumprimento eficiente da Lei de Execução Penal, além de colaborar contra superlotação e reduzir índices de reincidência criminal
por Giovanni Giocondo
“É necessária a contratação de mais servidores. E é preciso seleção apropriada e qualificação continuada desse profissional, de fundamental importância para a construção da paz social e que trabalha numa das piores e mais estressantes profissões do mundo.”
Com essa perspectiva, o policial penal federal Cristiano Tavares Torquato e a Coordenadora Geral de Gestão de Instrumentos de Repasse do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Lilliane Vieira Castro Barbosa, descreveram em artigo publicado no mês de setembro, na Revista Brasileira de Execução Penal, o que consideram como uma das diretrizes básicas do bom funcionamento do sistema prisional brasileiro: A redução do déficit funcional.
Para os dois especialistas, este seria um dos caminhos efetivos para diminuir índices de reincidência criminal, combater a superlotação e aumentar a segurança e assistência aos detentos, cumprindo assim com eficiência o que determina a Lei de Execução Penal(LEP).
No estudo intitulado “O sistema penitenciário brasileiro e o quantitativo de servidores em atividade nos serviços penais: Avanços e Desafios”, Torquato e Tavares apontam que em São Paulo está o cenário mais dramático dessa realidade. Uma projeção de déficit de 33.180 policiais penais que atuam na custódia e na segurança dos detentos em 2022, para uma situação atual que também é desastrosa.
De acordo com informações do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) 2019 - cujos dados foram fechados em junho de 2017, as unidades geridas pela Secretaria de Administração Penitenciária têm nada 19.565 servidores a menos que o mínimo necessário para atender aos padrões do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária(CNPCP), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
No estudo, em que obtiveram acesso ao levantamento do número absoluto de trabalhadores atuando nas unidades prisionais do país - feita a exceção ao Rio de Janeiro, que não forneceu dados - os especialistas apontam que São Paulo tinha em junho de 2017 o total de 25.832 policiais penais atuando exclusivamente na custódia - média de 9,2 servidores por preso, enquanto a proporção média no Brasil é de 8,8.
Assusta notadamente o gráfico de São Paulo, que destoa dos demais Estados por estar detida aqui um terço da massa carcerária do país - ou cerca de 216 mil detentos, de acordo com dados do Infopen. Isso acaba por ser um fator extremamente relevante mesmo que outras unidades da federação estejam acima de São Paulo nesta média, entre elas Pernambuco, Amazonas, Ceará, Alagoas, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal.
Automação e melhoria das condições para atuação do quadro de pessoal
Ainda de acordo com os pesquisadores, apesar de o investimento em automação das unidades prisionais poder influenciar na quantidade de servidores - e São Paulo estar à frente neste modelo e talvez por esse motivo possuir um déficit maior - não há relação entre menos trabalhadores serem utilizados nos procedimentos de segurança e não estarem em outras frentes de atuação, já que a automação das celas “nunca poderá substituir o ser humano completamente nos demais procedimentos que envolvem assistências e custódia”.
Para Torquato e Tavares, “este exemplo(da automação), além de colaborar para mitigar a falta de efetivo, também permite que os servidores sejam remanejados para áreas mais importantes do que a mera reabertura de portas e cadeados”, e colaboram “de forma a se manter a ordem e a segurança interna nas prisões, enquanto não chegam os servidores em número necessário, ainda que jamais sejam capazes de substituir a mão de obra humana”.
O presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, explica que apesar de ter garantido mais segurança pessoal aos policiais penais, a automação demandou que os servidores de São Paulo tivessem de adaptar seu trabalho ao menor contato com os detentos, comprometendo por exemplo o serviço de inteligência policial, que anteriormente agia com base em informações obtidas nessa proximidade com os sentenciados.
“Muitas vezes, a informação é a nossa principal arma no combate e na prevenção ao crime. E parte dela se perdeu com a automação. Não podemos negar que ficamos mais seguros, no entanto outros procedimentos de segurança tiveram de ser aplicados com mais regularidade e maior frequência dentro das unidades, entre eles as blitzes para verificar a presença de drogas, armas e celulares nas celas, o que exige a presença de muito mais trabalhadores atuando”, esclarece Jabá, que complementa.
“Em São Paulo ainda estamos aprendendo como ter o melhor tato, sentir o clima do que está acontecendo nas unidades depois de a automação ter sido quase que universalizada. Mudou totalmente o nosso trabalho e muitas vezes é a informação obtida ali é que salva o sistema prisional e evita uma tragédia”, afirma.
Na opinião dos integrantes do DEPEN, o remanejamento de pessoal para outros setores que fazem parte da execução penal “criaria oportunidades para os presos que deixarão as portas do presídio em breve, uma vez que o objetivo maior não é apenas melhorar a segurança e os fluxos prisionais, mas principalmente contribuir de forma positiva para a diminuição da violência e da reincidência criminal”.
No artigo, eles explicam que a alta taxa de proporção de presos por policial penal de custódia passa ao largo das preocupações dos diversos governos, do Judiciário, do Ministério Público, juristas, estudiosos, acadêmicos, órgãos de controle, quando deveriam ser tratadas com prioridade por todos, ao passo que resta a função de cobrar novas contratações apenas aos sindicatos, indica o texto.
No olhar dos especialistas do Depen, este é um tema que tem sido negligenciado. Ambos apontam ainda que o sistema prisional só terá mudanças positivas de fato caso exista preocupação por parte dos Estados com servidores em maior número e mais qualificados . “Os governos que desejarem efetivamente melhorias em seus sistemas prisionais terão que passar, necessariamente, pela melhoria de seus quadros de servidores penais”, finalizam.