A audiência é fruto de negociações de meses realizada pelo mandato de Carlos Giannazi e o SIFUSPESP entorno de uma agenda comum entre diferentes organizações contra a Privatização do Sistema Penitenciário
No dia em que a Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) publicou no Diário Oficial um edital a respeito do lançamento de Parcerias Público Privadas nas novas unidades prisionais inauguradas em Diário Oficial, diferentes entidades tocaram em feridas abertas do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo, em Audiência Pública Contra a Privatização articulada pelo SIFUSPESP e pelo Deputado Estadual Carlos Giannazi(PSOL), 15 de abril.
O evento aconteceu na Assembleia Legislativa do Estado (ALESP). O evento dessas entidades foi o resultado de uma articulação de meses, e a reação do governo temendo um avanço da sociedade civil e da população foi publicar uma outra audiência pública com finalidade de dar aparência de que seu projeto tem apoio público.
A conclusão que ocorreu em comum entre as entidades defensoras dos direitos humanos, pelos sindicatos presentes, por professores e representantes de universidades e grupos de estudos foi a de que privatização não é o melhor caminho para o sistema prisional. Por isso como resultado deste primeiro encontro, resultará a construção de um Dossiê contra a Privatização do Sistema Prisional para fortalecer o argumento que contraria o projeto privatista do governo do Estado, que até agora. O SIFUSPESP tem antecipado-se a tendência de estratégias que agora ampliam força com novos grupos da sociedade civil que antes não tinham um olhar tão expressivo e declarado para os trabalhadores do sistema. Este documento será construído por todas as entidades que participaram da audiência.
Além do presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá e do Deputado Estadual Carlos Giannazi(PSOL), estiveram presentes contribuindo com a discussão e já apresentando argumentações contra a privatização, Thandara Santos, do Fórum de Segurança Pública; Lorraine Carvalho, do Ibccecrim; a deputada estadual Erika Malunguinho (PSol); Viviane Balbulho, da Rede de Justiça Criminal; Milton Barbosa, do Amparar; Leonardo Biagioni de Lima, Defensor Público e Coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Luiz Ferreira, pesquisador da Unesp;
Josiane Silva Brito, da Ufabc; o Deputado Federal Luiz Flávio Gomes (em vídeo); Professor Roberto da Silva, da Faculdade de Educação da USP e especialista em temas de educação dentro de regimes de cumprimento de pena e Carlos Eduardo Piotto, diretor do SINDICOP.
Algumas falas foram coincidentes entre os convidados que explanaram sobre o tema da audiência, sendo uma delas a de que a presídio em regime de Parceria Público Privada (PPP), Ribeirão das Neves em Minas Gerais é ineficiente. Posto pelo governador do Estado, João Dória, defende o complexo como modelo a ser seguido e implementado no sistema prisional de São Paulo, o presídio foi destacado como um falso discurso em relação a eficácia de ressocialização, utilizada como marketing pelo governo.
O presidente do Sifuspesp, Fábio Jabá, chamou atenção para o problema do déficit de servidores, da superpopulação carcerária, da administração que visa lucro e do grande problema que os trabalhadores penais poderão vir a enfrentar, já que as serviços serão terceirizados se Dória avançar com a privatização. E depositou a esperança na união desses servidores e sociedade civil, para mudar o quadro que a cada dia aponta para a concretização de uma tragédia para sociedade. "Nossa capacidade de mudar essa história depende da mobilização dos trabalhadores em defesa de um sistema mais seguro e que não priorize o lucro. É um perigo para a sociedade."
O SIFUSPESP pôde ver coincidência sobre sua extensa denúncia dos mitos da privatização, nas falas dos participantes durante toda audiência, já que os mesmos possuem algum contato em diferentes modos de atuação e estudo com a questão carcerária. Exemplificando, Thandara, do Fórum de Segurança Pública, alertou a respeito das demais experiências de parcerias público privadas, ou terceirizações, que já acontecem no país: "As experiências de terceirização e de privatização de unidades prisionais tanto no Brasil quanto no exterior demonstram que o modelo não funciona e atenta contra os direitos humanos, provocando graves violações de direitos".
É consenso o fato da privatização do sistema penitenciário transformará o que existe em negócios e os seres humanos em mercadoria. Uma violação dos Direitos Humanos citada por diversas entidades, considerada uma tragédia, já que além de tudo encarcerar será necessário para manter o negócio, o que significa que a superpopulação de presos já existente tende a aumentar. Um caminhar na contramão de diversos países em processo de reestatização.
Diálogo aberto
O evento contou com plenário lotado e bastante participativo. Na mesa o debate foi marcado por diversos temas, destacamos alguns abaixo:
Thandara Santos, do Fórum de Segurança Pública, alertou a respeito das demais experiências de parcerias público privadas, ou terceirizações, que já acontecem no Brasil, que demonstram o quanto o modelo é ineficaz "As experiências de terceirização e de privatização de unidades prisionais tanto no Brasil quanto no exterior demonstram que o modelo não funciona e atenta contra os direitos humanos, provocando graves violações de direitos". E disse também: "Garantir direitos custa caro, e nós não podemos nos deixar contaminar pelo debate sobre valores na pauta da privatização porque só se violam direitos porque o sistema é barato. O sistema privatizado, por ser um negócio, privilegia o superencarceramento e consequentemente torna as prisões cada vez mais desumanas"
Lorraine Carvalho do Ibcccrim, destacou que o debate da privatização é antigo, sendo que se conhece um projeto de lei 1996. Destacou também que o Brasil possui a terceira maior população carcerária e que há como consequência da exclusão social brasileira uma seletividade do crime e de cor para a punição dos órgãos de justiça. "A privatização potencializa a violência e não é transparente, além de poder aumentar a segregação da população presa, sendo que Além do presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá e do Deputado Estadual Carlos Giannazi(PSol), estiveram presentes contribuindo com a discussão e já apresentando argumentações contra a privatização, Thandara Santos, do Fórum de Segurança Pública; Lorraine Carvalho, do Ibccecrim; a deputada estadual Erika Malunguinho (PSol); Viviane Balbulho, da Rede de Justiça Criminal; Milton Barbosa, do Amparar; Leonardo Biagioni de Lima, Defensor Público e Coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Luiz Ferreira, pesquisador da Unesp;
Josiane Silva Brito, da Ufabc; o Deputado Federal Luiz Flávio Gomes (em vídeo); Professor Roberto da Silva, da Faculdade de Educação da USP e especialista em temas de educação dentro de regimes de cumprimento de pena.
A deputada estadual Erika Malunguinho do PSOL, acrescentou neste mesmo sentido que "Precisamos acabar com o racismo estrutural, que está diretamente ligado ao grande número de negros presos, e a privatização pode fazer com que esse ambiente de morte seja cada vez mais insustentável".
Por isso o SIFUSPESP alerta que neste momento devemos fazer uma articulação forte com movimentos sociais de defesa da população negra e LGBT, porque os mesmos percebem que o resultado da política de Dória será a piora das condições de vida deste setor da população.
Viviane Balbulho da Rede de Justiça Criminal, em uma análise jurídica, considera que "a privatização é inconstitucional e já está em andamento em São Paulo com a terceirização de serviços como a alimentação, a limpeza e outras atividades em São Paulo, que já são de má qualidade. A cogestão proposta pelo projeto de privatização do sistema penitenciário não garante o monitoramento do que acontece dentro das penitenciárias e evita que entidades independentes possam ter acesso a esse ambiente e os problemas que existem lá dentro. A falência do sistema é um projeto".
Por outro lado, Milton Barbosa, da Amparar, em sua análise destacou como é a estrutura do crime organizado na realidade: "A grande maioria dos presos sob acusação de tráfico é formada por negros, enquanto as famílias ricas investem no narcotráfico sem serem incomodadas pelas forças de segurança pública." Por isso afirmou que: "Precisamos dialogar com o sindicato dos trabalhadores penitenciários sobre o sistema prisional para entender melhor o que acontece dentro das unidades".
Já o Professor Roberto da Silva da Faculdade de Educação da USP fez um relato revelador: "Visitei mais de 30 prisões norte-americanas, a convite do Departamento de Estado dos EUA, e tive de fazer um extenso relatório sobre o tema. Do ponto de vista ético, existe uma mercantilização da liberdade humana. Enquanto bem tutelado pelo Estado e sendo o bem humano mais precioso, a liberdade quando negociada no mercado necessariamente vai priorizar o enriquecimento das empresas a partir do aumento da população carcerária." Acrescentou também: "A securitização da execução penal isenta as empresas e o Estado de responsabilidade pela permanência dos detentos no sistema", ou seja, o Estado responde pelo descumprimento da lei, as empresas privadas não.
O Professor acrescentou um elemento de estratégia importante, devemos iniciar uma estratégia de advocacia política e processar toda e qualquer violação de empresas desse tipo, foi esta mesma estratégia tomada pelas organizações dos Estados Unidos, principalmente pelo sindicato dos Funcionários do Sistema Penitenciário de lá, que é unificado e portanto muito mais poderoso que os nossos, levou a inviabilidade do negócio lá, e a reversão do processo para a Reestatização do Sistema.
Luiz Flávio Gomes, deputado federal(PSB/SP) destacou a mesma questão da estatização do maior sistema privatizado do mundo, o dos Estados Unidos, que Dória e o Secretário Restivo buscaram conhecer para implementar aqui, segundo do deputado: "eles estão voltando atrás no que o governo quer fazer aqui". Aliás Dória nem tinha um projeto de privatização, que dizia ser mais eficiente, foi buscar isso depois, o que foi apontado por muitos dos presentes como algo que levanta suspeita sobre suas reais pretensões no projeto. O deputado federal Luiz Flávio Gomes fez fala por meio de vídeo previamente gravado.
O parlamentar também afirmou que pelo menos metade da população carcerária no Brasil poderia cumprir penas alternativas e reduzir a superlotação das unidades prisionais, com o regime fechado sendo destinado principalmente aos condenados por crimes graves e violentos. "Sou contra a privatização e acredito que o Estado precisa estar mais presente nas unidades prisionais para que o sistema seja mais seguro e digno".
Luiz Ferreira, pesquisador da Unesp: "É muito difícil dialogar sobre direitos humanos dentro do sistema prisional, sobretudo diante da perspectiva tão diferenciada que existe por parte dos trabalhadores penitenciários, que possuem seus próprios valores e história, sua visão de mundo, que devem ser ouvidos quando dialogamos sobre o processo de privatização. Porque o Estado brasileiro não cumpre com todas as tarefas, organizações de luta por direitos ocupam espaço. Por outro lado o trabalhador do sistema não vê bandeiras de direitos fundamentais sendo defendidas em seu favor, nem programas que beneficiem a população carcerária, e também os mesmos trabalhadores. O sistema de gestão dentro das unidades penitenciárias pune o trabalhador, coloca frente ao crime organizado e aos processos de tensão próprios da ética e da cultura prisional: na cadeia palavra dada é cobrada com sangue".
O fenômeno da pena cumprida pelo preso é um campo pouco estudado pela universidade no Brasil e que, se for alvo da atenção dos nossos especialistas, pode dar início a um processo de organização das nossas entidades com vistas a um diálogo muito produtivo sobre o sistema prisional, identificando e compreendendo todos os problemas que temos e construindo projetos conjuntos que podem beneficiar a todos que integram esse sistema. Segurança pública e direitos humanos não podem se dividir e sim debater o que têm em comum. Mas a técnica da segurança deve ser composta de elementos de reintegração social e a reintegração social só deve funcionar sem relegar a segurança. "
Por isso Luis da Silva Filho, o Danone, representante de Saúde do SIFUSPESP, apontou que o funcionário do sistema é acometido por mazelas de saúde, suicídios, e tocou em temas tabus e difíceis, acrescentou: "a revista íntima é ruim e desagradável, mas a falta de condições é tamanha na realidade, que acaba preservando a vida dos trabalhadores do sistema e de sentenciados ameaçados pelo crime. O sistema de scanners ajudou um pouco, mas ainda não é suficiente. Também, criticou o aumento do número de prisões no interior do Estado já anteriormente feita pelo PSDB quando extinguiu o Carandiru, mas que tornaram mais ineficaz a segurança e a disciplina das novas unidades que foram construídas, bem como as condições de saúde dos sentenciados, da população das cidades do interior que passaram a dividir o sistema de saúde (sem qualquer investimento para isso) para os familiares de apenados, sentenciados e para os servidores do sistema. O governo levou as cadeias para o interior, mas não levou a estrutura e as condições para que o município pudesse recebê-los.
Leonardo Biagioni de Lima, Defensor Público e Coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo afirmou: "Contratos de terceirização das unidades prisionais preveem uma lotação mínima de 90% das unidades. A própria legislação pune excessivamente crimes de baixa periculosidade e aumenta o número de pessoas presas apesar dos compromissos firmados pelo Brasil com organismos internacionais para reduzir a população prisional".
E Josiane da Silva Brito, Doutoranda da Ufabc, disse que: "A redução salarial dos agentes penitenciários que trabalham em unidades privatizadas na comparação com os que trabalham em unidades públicas é latente", e portanto tende a precarizar o serviço penitenciário que já é feito de forma incompleta e fora do desejável por parâmetros de humanização e condições de trabalho.
Fábio Jabá ao final pode dialogar com diversos setores da sociedade civil, mas principalmente com servidores do sistema e representantes de aprovados em concurso público que também manifestaram sua indignação pela total indiferença do governo frente a seus concursos e a imediata chamada para a privatização do sistema. Alguns deles alertaram que está sendo tentada uma coaptação pelo governo e por deputados para que eles desistam de sua luta, ou que se dividam, AEVPs e ASPs concursando, mas que em troca seriam chamados como trabalhadores terceirizados no futuro.
O sistema penitenciário trata-se de um tema de política pública complicado pelas inúmeras posições divergentes que o acompanha, e porque trata da pena de pessoas pelo Estado e a forma de sua execução, temas que possuem opiniões muito diferentes. Ainda mais, o Estado não investe com o mínimo para garantir direitos e condições de trabalho, o resultado é que neste vácuo, o crime organizado atua. Agora com a mesma lógica de tratar pessoas como mercadoria, própria do crime organizado, o governo do Estado propõe a privatização do sistema. Estamos preparados, com união da categoria e da sociedade podemos mais, o Brasil, São Paulo, o sistema penitenciário podem ser melhores a medida de nossa luta e esforço. Sigamos juntos em pontos em que todos estejam de acordo. O primeiro ficou claro: Privatização do Sistema Penitenciário é um crime contra direitos e representa um retrocesso social.
Por isso o deputado estadual Carlos Giannazi(PSOL/SP) finalizou a audiência encaminhando os seguintes pontos: será criado um grupo de trabalho para realização de um manifesto assinado por todos os presentes, também para a realização de um dossiê contra a privatização, ocorrerá na ALESP o encaminhamento de uma frente parlamentar contra a privatização do sistema penitenciário. Giannazi destacou: "o tema é polêmico, exige continuidade de diálogo, e estamos começando um trabalho que não termina nesta audiência".
Leia também: http://sifuspesp.org.br/dossie-privatizacoes