Morre jovem, deixa filhos, familiares e amigos e uma nota de pesar, lembrado por poucos, enquanto a culpa da desestruturação de um Sistema Penitenciário falido cai nas costas dele. Sua história não vira notícia.
No fim das contas a culpa é do servidor. Mas, como dizem, “a conta não bate”. Necessário revê-las. Não é absurdo falar que a mass media, ou mídia de massa,”denominação sugere que os meios de comunicação são agentes de massificação social (ou seja, reduz a opinião de todos a uma informação de pouca profundidade), o que nem sempre está de acordo com a realidade social observável”, tem produzido conteúdos inúmeros que prejudicam a imagem do servidor penitenciário.
Trabalhadores penitenciários de todos os Estados sofrem a deterioração da imagem, antes tão pouco noticiada ou falada. Atualmente como foco de notícias a respeito da segurança pública, principalmente após o período eleitoral, período este observado e aqui posto como “período de “silêncio” em relação ao Sistema Penitenciário (a exceção coube a poucos momentos e muito relacionado ao tema da privatização). Sem esquecer, é claro que o carro chefe das propagandas eleitorais, encarnando o marketing político e não as propostas políticas em si, foi a segurança pública.
Um alarde se fez anteriormente apresentando a segurança pública como o principal problema do país, pelo menos um ano antes das eleições e intensificou-se com o passar dos meses. Os apressamentos para votação sobre assuntos relacionados ao tema no Senado e Câmara são o registro latente deste fato. O crime organizado então, passou a ser apresentado como principal problema do Sistema Penal.
E vamos a segunda fase midiática, o volume de matérias e documentários sobre o crime organizado aumentou. E no contexto desses conteúdos de comunicação pergunta-se: a falha da segurança dos presídios brasileiros seria de quem? Se a resposta for realista: da falta de estrutura, do abandono do Estado no quesito investimento, seja em novas contratações, seja na questão salarial, seja nas condições de habitação dos presos e condições de trabalho do servidor. Mas nas reportagens e filmes, não é o que dizem.
No fim, a culpa, repetindo um discurso fácil e comum, “é do trabalhador que é corrompido, carrega ilícitos para dentro das prisões, associa-se ao crime, tortura e mata”. Assim conta a imprensa sem valores de comunicação social. Sem ouvir o trabalhador, desenhando o “personagem”, como é chamado o entrevistado no jornalismo, sem ouví-lo. O outro lado não aparece. Não é chamado para a discussão aberta em congressos organizados para falar sobre o sistema carcerário brasileiro. Nem se imagina a possibilidade disso, porque não há nestes veículos de comunicação e debate, compromisso real em modificar esta realidade. Mesmo em favor dos apenados, somente argumentos de lamentações (“...eles são uns violentos… não vamos debater o tema das cadeias porque elas não devem existir…”)
Por que o trabalhador penitenciário é retirado da oitiva? Por que é sempre a terceira pessoa, e pessoa injusta, sem valores, tão criminosa quanto aqueles com quem lidam. Por que o depósito do problema social do país cai nas costas do trabalhador? Exemplo recente, um Estado com servidores sem salário por dois meses, quebrado em todos os setores, com dívidas absurdas e uma Intervenção Federal repentina justificada pela necessidade de aplacar o crime organizado que tomou conta da situação.
“Com dificuldades financeiras, Roraima enfrentou greves de agentes penitenciários civis que deflagraram uma paralisação de 72 horas devido a atraso dos salários. Além disso, parte do efetivo da Polícia Militar chegou a bloquear as entradas e saídas de batalhões como forma de protesto. Segundo o presidente Temer, "a única hipótese para solucionar esta questão, especialmente aquela de natureza salarial, seria decretar a intervenção até a posse do novo governador".” - conforme o site do Governo Federal explicando os motivos da intervenção.http://www.brasil.gov.br/noticias/seguranca-e-justica/2018/12/entenda-a-intervencao-federal-em-roraima
O controle social também é feito pelo medo, alimentado pelo sensacionalismo e o medo tem tomado conta da população à medida que ações como estas, “justificadas” desta maneira e a medida que a imprensa e espaço de debates abandonam seu valor social em defesa de interesses externos. É necessário investigar, é necessário denunciar, é necessário fazer com que lei se cumpra. Entretanto é necessário esclarecer que o trabalho do servidor penitenciário tem sido arduamente tentar fazer com que aqueles que faltaram com a lei cumpram suas penas.
A imprensa cria um monstro, demoniza uma categoria de homens e mulheres que trabalham pelo sustento, englobando todos eles numa verdade criada para que o medo seja reforçado e qualquer ação do Estado perante isso seja justificada. Então, a culpa é do trabalhador. É por isso. A conta não bate porque o Estado retira de si a responsabilidade, ou os seus números, e o que resta é o servidor, tratado como resto, exatamente assim.
E o trabalhador penitenciário, na sobrecarga do dia a dia, continua adoecendo e morrendo. Morrendo jovem. Suicidando-se. Percebendo a vida de uma maneira obscura, porque presencia a obscuridade quando o Estado falta nas suas obrigações. A responsabilidade de oferecer dignidade ao apenado inicia e termina no Estado. E ele falta.
A conivência é, de certa forma, uma das posturas criminosas. A conduta do trabalhador penitenciário e obrigação é o cumprimento da lei. E dentro da prisão, para o trabalhador, todos são apenados cumprindo suas penas, sem distinção, sem denominação. A responsabilidade do lastro das facções criminosas é do Estado, e não do trabalhador.
Permita-se ao trabalhador dignidade. E também ao preso. Trabalhadores penitenciários são humanos e frequentemente adoecem porque não há quem resista a tamanha falta de dignidade. Obter respeito em meio a falta de dignidade para sobreviver. Não há como não ser tocado e evitar que a fragilidade apareça na doença, ou no fim da vida que dura em média 45 anos (segundo um estudo realizado pela USP - Universidade de São Paulo).
Nenhum humano possui dureza suficiente para assistir ao que é uma prisão brasileira e não sucumbir em algum momento. Raiva, opressão, medo, ansiedade, estado de alerta permanente, lares desconstruídos, são sentimentos e situações comuns no mundo deste trabalhador. Eles, os servidores penais, querem apenas trabalhar e receber o seu salário. Com dignidade.
O esperado é que a sociedade e a imprensa tenha a dignidade de dar voz ao trabalhador prisional, àquele que sustenta um sistema completamente debilitado, diariamente, muitas vezes utilizando-se apenas de um velho colete de tecido simples, caminhando pelos corredores dos presídios e encaminhando detentos. O primeiro a ser pego numa rebelião, o que consta na lista das facções como prêmio e o que não consta na conta da mortalidade rápida e numerosa resultante do trabalho, de maneira direta ou indireta. Talvez aí feche a conta. Vender os presídios não acertará a contabilidade. O Estado possui uma dívida impagável.
Abaixo, Matérias sobre contravenções do trabalhador penitenciário entre a segunda quinzena de novembro e a primeira quinzena de dezembro:
https://www.rdnews.com.br/policia/conteudos/108313
https://www.jornaldeuberaba.com.br/agente-penitenciario-e-preso-ao-realizar-disparos-com-pistola/