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Quando estar preso sem cumprir pena é uma realidade do trabalhador, inovar ajuda o servidor a respirar mais leve durante o duro turno de serviço

 

Um presídio pode ser considerado uma sociedade à parte. Ali passam a viver pessoas que cumprem pena por alguma infração, de roubo a assassinato. É um lugar para onde a sociedade fora dos muros não quer olhar.

Entretanto os funcionários do sistema prisional, que passam grande parte de suas vidas ali, de certa forma acabam “presos”, enquanto trabalham do lado de fora das grades, mas no mesmo meio do lado de dentro dos muros.

Inserido nessa sociedade que sofre não apenas com a reclusão, mas com a precariedade estrutural, a superlotação, os riscos de agressões e rebeliões está Alancarlo Fernet, agente de segurança penitenciária (ASP) que realiza um trabalho em constante estado de alerta e é um servidor que usa de criatividade para melhorar a vida de quem trabalha com ele e de quem cumpre pena.

Lotado no CDP de Pinheiros II há nove anos, Fernet atualmente é responsável pela manutenção das inovações implementadas na unidade. O ASP Bruno Ferreira Neves é seu companheiro de criação.  

 

       

Diminuindo a conta de água

Um dos projetos -  assinado por Fernet e Neves - que têm chamado atenção, foi a resolução de um problema que o CDP de Pinheiros enfrentava há muito tempo: a falta de água. Segundo Fernet, a bomba da caixa d’água não tinha força suficiente para abastecer e suprir as necessidades diárias do local.

“Pinheiros II possui dois andares. Geralmente, no horário do banho, a água que chegava supria apenas o primeiro andar, porque embora a quantidade de água fosse suficiente, a vazão era muito rápida. Acabava, portanto, faltando água para parte da população carcerária. Em um lugar superlotado, incapacitado de dar condições dignas ao preso, qualquer problema pode levar a algo mais grave, como uma rebelião. Esse problema era diário”, explica Fernet.

Fernet e Neves começaram a estudar o funcionamento do abastecimento da caixa d'água para entender o porquê daquilo acontecer. Chegaram à conclusão de que enquanto a caixa esvaziava rapidamente, a bomba que levava a água da rua até a caixa não tinha força suficiente para encher a caixa novamente a tempo do horário do banho, explicaram.

O Projeto foi feito para aumentar a pressão da água e atingir igualmente todas as celas da Unidade Prisional. A solução dos agentes foi usar um motor automático de cela, já que a bomba de água instalada não tinha força e tempo de reabastecer a caixa conforme a necessidade. A dupla instalou também um timer para ligar e desligar o motor, controlando o tempo de uso da água.

“Além disso, mudamos o encanamento que era muito velho e adaptamos manualmente para estreitar a passagem da água. Foi necessário para viabilizar o projeto e para aumentar a pressão com que a água saia do cano. Isso ajudou no controle do consumo e permitiu que a água fosse melhor distribuída e utilizada sem desperdício. Todo o pessoal da unidade se envolveu no projeto”, afirmou o agente.

O que acabou acontecendo foi que além de não faltar água em nenhum lugar da unidade, os servidores conseguiram diminuir o custo do consumo médio em 41 mil reais por mês, comparado com o período anterior ao da implementação.

As ideias não pararam por aí. Com apoio de um reeducando, a equipe implantou um painel luminoso que é o indicador do fornecimento de água para a população carcerária. No mesmo painel foi projetado um controle de luz para o abastecimento das duas caixas d’água, sendo uma destinada à reserva da unidade e outra para receber a água da rua.

 

Fernet, um curioso

Fernet considera-se um curioso e explica que cada vez que surge uma ideia - e ele sempre tem algo diferente em mente para implementar - o diretor do CDP de Pinheiros dá espaço, liberdade e apoio para realização, além de ajudar da maneira como pode.

“Todo mundo põe a mão na massa. O corpo funcional se envolve. No início me chamaram de louco, mas foram percebendo que o local onde trabalhavam foi transformando-se em um presídio diferenciado”, conta Fernet.

Fernet teve a ideia de montar uma fonte com um lago no pátio da unidade. O projeto do lago demorou seis meses para ser concluído, com a possibilidade inclusive de dar abrigo para peixes e já foi aprovado para construção pelo Diretor Geral.

“Além do lago, que já foi aprovado para construção, a unidade possui um jardim com 15 canários, onde beija-flores sobrevoam e pousam diariamente. Aqui temos escola de informática, biblioteca, escola de arte. Para construir usamos doações e materiais recicláveis, além da doação do tempo de cada servidor. Mesmo os presos trabalham nos projetos, já que eles também se beneficiam de um melhor espaço de convivência”, afirma Fernet.

 

Uma cadeia possui inúmeros problemas estruturais que tiram a qualidade de vida e de trabalho. É um lugar de tensão, de estar atento a qualquer movimento diferenciado: “Passamos tudo o que qualquer agente em outra unidade passa. Mas podemos, vez por outra, ouvir o cantar de um pássaro no jardim ou contemplar um peixe no lago. Fico feliz em ajudar a proporcionar melhores condições de trabalho para quem está ali”, diz o agente.

 

Exemplos como este nos ensinam que são as ações e a inteligência dos funcionários do sistema que criam soluções para problemas estruturais e que permitem, de fato, gerar um espaço de melhor convivência, o que favorece, inclusive, o processo de reinserção social dos reeducandos. A compreensão desse processo é o que nos pode levar a mudar o sistema prisional, à medida que exista espaço para iniciativas, colaboração e escuta das vozes de nossa categoria.

 

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