Investigação mostra que garras do crime organizado têm avançado sobre sistema prisional do Estado. Servidores, em baixo número, são ameaçados e agredidos enquanto encontram dificuldades para barrar entrada de materiais ilícitos
por Sergio Cardoso
Até o ano de 2000, o governo de São Paulo negou a existência do PCC. Apesar das denúncias dos então agentes penitenciários, o governo afirmava que “A facção é uma ficção”.
De lá para cá, nós que convivemos com a dura realidade do Sistema Prisional paulista vimos o crescimento, o fortalecimento e a expansão do que o governo afirmava ser uma ficção.
Em reportagem do portal UOL publicada nesta sexta feira(10), com o chamativo título de “PCC: maior biqueira de Presidente Venceslau (SP) fica dentro de presídio"(1), mostra alguns pontos de uma perigosa realidade, porém esconde um fato muito mais grave: Como o desmonte do Estado permitiu o crescimento e o avanço do Crime Organizado.
Elites e crime organizado uma simbiose perigosa
Em 2016, em um especial do Estadão sobre os 10 anos dos ataques do PCC(2), que vitimaram dezenas de Agentes Prisionais, Policiais, guardas civis e bombeiros, a pesquisadora Camila Nunes Dias escrevia:
“Consideremos, por exemplo, a manutenção de uma determinada proporção entre presos/agentes. Quanto mais se encarcera, mais abissal se torna essa proporção e, portanto, menos controle o Estado tem sobre a população carcerária.”
“De 2006 para cá, nada mudou. O PCC ampliou aquilo que demonstraram ter conquistado há dez anos: uma ampla hegemonia nas prisões e bairros periféricos das cidades paulistas. E é justamente essa hegemonia que lhe permite exercer nas prisões um amplo controle dos presos e gerir a população carcerária com uma “eficiência” inédita na nossa história. E, neste sentido, é o controle exercido pelo PCC sobre os presos de São Paulo que permite ao governo manter a política de encarceramento massivo com custos – econômicos e políticos – bem menores, uma vez que tem um poderoso aliado que garante que a massa carcerária seja submetida às condições anteriormente relatadas e, ainda assim, que a “ordem prisional” seja mantida.”
Como dissemos em nossos artigos sobre o orçamento(3), existe um projeto político de desmonte do sistema prisional, assim como existe uma política sistemática de ataque aos direitos do funcionalismo público, que serve para beneficiar elites econômicas e políticas(4).
As políticas de “estado mínimo”, impulsionadas pelo mercado financeiro e por políticos que servem a seus interesses, criam as condições ideais para o crescimento e fortalecimento do crime organizado.
Entre as elites que se beneficiam economicamente e o crime que se beneficia do desmonte do Estado, está o restante da população.
Os Policiais Penais, que são um dos últimos anteparos de defesa desta população contra o avanço do crime, são atacados de todos os lados: Pela violência do crime, pelo arrocho salarial e pela precarização, que são impostos pelo governo e por setores que insistem em acusá-los de serem coniventes com seu maior inimigo, o crime organizado. Também são acusados de serem carrascos e torturadores.
O desgoverno Dória levou esta realidade ao extremo, com a proposta de privatização do sistema prisional, com a maior redução de quadro funcional da história da SAP, e com a retirada de uma série de direitos históricos e com a redução no orçamento da secretaria. Como se vê, os dois lados acabam se complementando.
Davi contra Golias
Após anos de descaso de seguidos governos do PSDB, o PCC se transformou em uma organização transnacional, com atuação em praticamente todos os tipos de atividades criminosas: do contrabando de cigarros a garimpos ilegais, mas tendo como seu carro- chefe o tráfico internacional de drogas.
Os fatos narrados pela reportagem são apenas a constatação de uma cruel realidade, em que representantes do Estado mal pagos, desvalorizados, sem condições adequadas de trabalho e exaustos devido ao reduzido quadro de pessoal se enfrentam com uma Okdas mais poderosas organizações criminosas do mundo(5), que possui faturamento bilionário, e que hoje já se infiltra em governos(6). Os policiais penais enxugam gelo, enquanto o governo brinca de política prisional, chamando aqueles que se opõem à privatização do Sistema Prisional de “retrógrados” como fez no dia 24 de novembro o secretário secretário de Administração Penitenciária, Cel. Nivaldo Restivo, que fala em exemplos de sucesso, mas não cita nenhum, pois todas as experiências nesse sentido só resultaram em mais gastos, mais corrupção e avanço do crime e da violência.
Sim, as cadeias não funcionam sem drogas, pois elas são um dos instrumentos de controle que o PCC tem sobre a população carcerária. Por isso, se utiliza de todos os meios, inclusive de violência, para garantir a sua entrada nas unidades, entre elas os Centros de Progressão Penitenciária (CPP) de Franco da Rocha(7) e Mongaguá(8).
Para aqueles que não conhecem o sistema, pode parecer escandaloso a quantidade de drogas apreendidas em Presidente Venceslau. Para os Policiais Penais, é apenas uma demonstração da cruel realidade que são obrigados a enfrentar em cada plantão, com falta de pessoal e recursos para executar seu trabalho, além das agressões e ameaças como uma rotina de trabalho, bem como a consciência de que estão enfrentando um inimigo muito poderoso, sem o mínimo apoio do Estado ou da sociedade.
Enquanto isso, o Estado lhes vira as costas e se nega até mesmo a regulamentar o dispositivo constitucional que criou a Polícia Penal.
Quem acha a reportagem do UOL um escândalo, é porque não tem noção do que os trabalhadores do sistema prisional enfrentam, e desconhece que o crime organizado avança abençoado e acobertado pelo marketing sorridente e milionário do governo João Dória.
Referências:
2 - https://infograficos.estadao.com.br/cidades/dominios-do-crime/poder-financeiro