Covid-19 entre servidores penitenciários é 50% maior do que na população de São Paulo e 113 servidores já morreram da doença
A incidência de casos de covid-19 é 50% maior entre policiais penais e servidores da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do que a população paulista. Enquanto cerca de 8% das pessoas em São Paulo já testaram positivo para o coronavírus, esse índice é de 12% entre os servidores penitenciários. De acordo com dados da própria SAP, mais de 4 mil policiais penais já testaram positivo para a covid-19. A situação foi assunto de matéria da GloboNews veiculada na noite de domingo (20/06).
Apesar de presídios com mais de 100 internos serem obrigados por lei a ter uma equipe mínima de saúde, a Defensoria Pública de São Paulo verificou que 70% das unidades prisionais não contam com uma equipe mínima de saúde e apenas um terço conta com médico. Desde 2003, o Plano Nacional de Saúde no Sistema prevê que, nestas unidades, deve haver uma equipe com médico, enfermeiro, odontólogo, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário.
Déficit funcional piora situação
O presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, comentou que a situação deixa os policiais penais, além da população carcerária, expostos a um risco que é aumentado pelo déficit de funcionários no sistema, que também atinge servidores da saúde.
“Se o preso estiver com covid, o preso com febre, com sintomas, esse preso tem de ser encaminhado para o setor de enfermaria, onde muitas unidades não têm enfermeiro, muitas unidades têm o policial penal que é formado em enfermagem que está desviado de função e atende o preso”, afirma Jabá.
Conforme dados da SAP divulgados no Diário Oficial, o sistema prisional paulista tem um déficit total de 12.303 funcionários. Nas carreiras de saúde, a falta de servidores é gritante. A Secretaria tem apenas 1 agente de saúde, quando seriam necessários 17, 560 agentes técnicos de assistência de saúde, quando o ideal seriam 1294, 1 auxiliar de saúde, mesmo sendo preciso 19 destes profissionais. A SAP ainda registra apenas 290 enfermeiros frente a 490 necessários, 149 cirurgiões-dentista quando deviam haver 421 e apenas 80 médicos frente a uma demanda real de 724.
Concursos em aberto
A situação poderia ser amenizada se os servidores aprovados em quatro concursos em vigência fossem convocados para tomarem posse. O argumento de que a legislação proíbe a contratação de novos funcionários na SAP é infundada, garante o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL). “A lei federal não impede a chamada de aprovados em concursos quando o cargo for vago e é o caso do sistema prisional”, esclarece o deputado.
Giannazi lembra que existe um decreto estadual que suspende novas contratações pelo governo paulista, entretanto, uma exceção pode ser feita caso seja aprovado por algumas secretarias, informa o parlamentar. “Ou seja, havendo interesse político pode haver a chamada de aprovados”, completa.
Cenário grave de superlotação
A Defensoria Pública identificou que 92% das unidades vistoriadas pelo órgão estavam superlotadas. “Uma cela que é para ter oito pessoas, tem 20. Cela para 12 pessoas, tem 30, 40”, denuncia Alancarlo Fernet, tesoureiro do SIFUSPESP.
O Secretário de Administração Penitenciária, Coronel Nivaldo Cesar Restivo afirma que a superlotação está muito perto do aceitável, apesar de existirem unidades com quase o dobro de ocupação. "O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estabelece que é tolerável uma sobrepopulação de 37,5%. Nós estamos muito perto do aceitável pelo conselho", diz o Secretário. O Estado de São Paulo tem uma média de 39% de superlotação, segundo dados da SAP.
Risco de contaminação constante
Na matéria da GloboNews, Jaques Sztanbok, supervisor da UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, ressaltou o risco de contaminação constante no interior das unidades prisionais. “Basta um caso de ser produzido de qualquer doença de transmissão principalmente respiratória para que você tenha ai um surto dentro daquele ambiente”, afirma.
“Esse surto pode vir de visitas externas, do próprio funcionário, de um novo detento admitido que esteja em uma fase de transmissão da doença. É um cenário perfeito para a propagação da doença”, completa. Além de covid-19, casos tuberculose, AIDS e H1N1 são comuns entre os presos e podem colocar a saúde do trabalhador em risco.
Alancarlo Fernet explica que “um preso para ser movimentado vai passar praticamente na mão de todos os policiais penais que estão no plantão na carceragem”, o que aumenta o risco de contaminação entre os servidores. “Qualquer que preso que chega da rua, você vai ter de revistar, inclusive, para ver se na boca dele não está trazendo nada. Então obrigatoriamente você tem de fazer o procedimento correto”, afirma Fernet.
Mesmo a vacinação dos servidores não garante uma segurança sanitária. “Se você vacinou os funcionários e os coloca para trabalhar em um ambiente fechado, pouco ventilado e com riscos de novos casos, você também está expondo essa população vacinada a adoecer novamente”, alerta Sztanbok. “A gente continua com o receio porque podemos levar a covid para casa, para outras pessoas, porque em casa não foi todo mundo vacinado ainda”, teme Fernet.
Gestão catastrófica
“O sistema prisional é invisível para a sociedade, para o governo, tanto para os trabalhadores quanto para os sentenciados. A pandemia, na verdade, só veio evidenciar esse abandono”, avalia Fábio Jabá.
“A gestão da SAP tem sido catastrófica”, avalia o presidente do SIFUPESP. “A Secretaria demorou muito para tomar medidas preventivas no sistema prisional. Só foi tomar medidas como compras de EPIs, suspender a visitação presencial de familiares presos e desinfecção de unidades após uma série de ações judiciais que o Fórum Penitenciário Permanente entrou”, lembra Jabá.
Nem na própria sede II, o protocolo contra covid-19 foi adotado de forma eficiente. Conforme já noticiado pelo SIFUSPESP, cinco diretores e um coordenador de reintegração social testaram positivo para o coronavírus. “A SAP apenas afastou os infectados, mas não realizou desinfecção do prédio e nem testou os outros servidores”, afirma Jabá. Alguns servidores, inclusive, tiveram de pagar o teste do bolso, preocupados com a própria saúde.
Até o momento, 4 mil funcionários já tiveram confirmação por covid-19. Destes, 113 servidores da SAP faleceram em decorrência da covid-19 desde o início da pandemia. Pela falta de cuidados com os surtos da doença nas unidades prisionais, o SIFUSPESP prepara uma ação judicial cobrando uma indenização para os familiares dos funcionários falecidos.
Confira a matéria veicula na GloboNews: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/06/20/casos-de-covid-entre-policiais-que-atuam-em-presidios-sao-50percent-maiores-do-que-na-populacao-de-sp.ghtml