Em pedido de tutela de urgência, Departamento Jurídico do sindicato alega que elevação de alíquota previdenciária de inativos e pensionistas para até 16% - em vigor desde junho de 2020 - fere dignidade humana e outros direitos fundamentais previstos nas Constituições Federal e do Estado de São Paulo, enquanto governo Doria não comprova déficit atuarial da SPPREV. Ação em trâmite pode beneficiar associados ao sindicato
por Giovanni Giocondo
O Departamento Jurídico do SIFUSPESP deve receber até o final de fevereiro parecer do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sobre pedido de tutela de urgência em liminar para suspender as cobranças de alíquotas previdenciárias extraordinárias e progressivas dos trabalhadores penitenciários que estão aposentados ou são pensionistas, além de devolver - com juros e correção monetária - os valores retirados desde que o confisco entrou em vigor, em junho de 2020.
A cobrança foi iniciada após publicação de decreto do governo do Estado de São Paulo sobre um suposto déficit atuarial no regime próprio de previdência do funcionalismo público. Para o sindicato, não houve qualquer crivo, análise ou chancela de órgão independente e externo à administração pública paulista a esta condição deficitária das contas da São Paulo Previdência (SPPREV), nem mesmo do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP).
O dispositivo estava previsto na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 49/2020 e na Lei Complementar 1.354, ambas ratificadas em 6 de março do ano passado, e que estabeleceram a Reforma da Previdência do funcionalismo paulista. No texto, fica autorizada a retirada de valores da ordem de 11% a 16% dos proventos pagos aos servidores inativos e pensionistas que recebem acima de um salário mínimo em caso de desequilíbrio das receitas estimadas e das despesas projetadas para o setor.
Essa declaração de déficit, no entanto, é dissonante com as contas do governo. Em 2019 por exemplo, o próprio governo Doria informou ao TCE ter obtido superávit fiscal de R$18,3 bilhões - o maior em uma década, enquanto que a Corte verificou que no que tange especificamente ao regime previdenciário próprio dos servidores que havia também superávit nas contas, sem mencionar o suposto déficit alegado no ano seguinte.
Princípios constitucionais básicos são feridos pelo confisco
Na ação em trâmite, o SIFUSPESP esclarece à Justiça que o governo de São Paulo desrespeitou princípios constitucionais básicos ao majorar a contribuição dos servidores inativos. Entre esses princípios está o da dignidade humana, previsto na Carta Magna brasileira. A ilegalidade ocorre ao tirar dessas pessoas envoltas em segurança jurídica poder econômico para adquirir alimentos, vestuário, lazer e outras atividades básicas que determinam seu bem estar e capacidade de ter qualidade de vida ao se aposentar.
Para o sindicato, os homens e mulheres que ao longo de suas trajetórias trabalharam em prol do sistema prisional dentro de um regime previdenciário retributivo, para o qual contribuíram com parte de seus vencimentos, não podem ter confiscada parte essencial de seus benefícios se o Estado não consegue comprovar o déficit alegado no decreto.
De acordo com o coordenador do Departamento Jurídico do SIFUSPESP, Sergio Moura, “cláusulas pétreas da Constituição Federal estão sendo alvo de desacato por parte do governo do Estado”, já que, além da dignidade humana, o confisco fere a razoabilidade e a proporcionalidade, bem como o direito à própria aposentadoria, uma vez que a previdência social faz parte da engrenagem do Estado Democrático de Direito.
“Após mais de 30 anos de contribuição, o trabalhador, até pela idade e pelo desgaste provocado pelo tempo em que se dedicou ao serviço prestado à população, já se encontra em uma situação vulnerável. Não pode portanto o Estado tornar essa situação ainda mais dramática ao atingi-lo de maneira tão desproporcional. Não há contrapartida razoável entre o que gestor público exige do servidor. Ele busca um equilíbrio causando desequilíbrio”, prossegue o advogado.
O SIFUSPESP também informa ao TJ que o confisco das aposentadorias afeta os princípios do direito adquirido - no que se refere à conquista do servidor de um benefício previsto quando da reunião dos requisitos necessários para o acesso à previdência -, já que ele contribuiu com esse sistema ao longo de toda a sua vida, e não pode portanto ter retirado seu rendimento mensal obtido por seu próprio esforço.
“Confiscar parte dos proventos dos inativos e pensionistas, sob um fundamento encontrado em regramento infraconstitucional posterior e meramente regulamentar, não é certamente medida de garantia de um direito constitucional fundamental; precipuamente, por não haver qualquer previsão, na ordem constitucional pátria, da possibilidade de se instituir por via ordinária uma contribuição previdenciária extraordinária”, explicita o pedido de tutela.
O sindicato também atrela a ação ao princípio da irredutibilidade remuneratória, previsto na Constituição e que não pode ser alterado por lei complementar ou ato ordinário. De acordo com parecer da ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), este princípio “se opõe até mesmo a emendas que afetem o cálculo da remuneração dos servidores”.
Já conforme olhar do ministro Gilmar Mendes, “a relação estatutária que existe entre os servidores e a Administração permite que a lei nova modifique o regime jurídico, alterando percentuais e a forma de cálculos remuneratórios, desde que não fique reduzido o valor dos ganhos na sua totalidade”.
Trâmite da ação
O pedido de liminar impetrado pelo SIFUSPESP está com julgamento pendente, em que pese que o Tribunal de Justiça abriu espaço para manifestação do Ministério Público Estadual. A previsão é que a solicitação seja analisada até o final de fevereiro.
A esperança do sindicato está no STF, que já iniciou julgamento de ação semelhante impetrada por sindicatos de servidores públicos de Goiás, feita em 2019 frente a tentativa de usurpação adotada pelo governo do Estado do Centro-Oeste brasileiro. Como a Corte estipulou que a tese será de repercussão geral, a decisão que acontecer no Supremo será automaticamente adotada para o caso de São Paulo.
Em caso de triunfo no STF, somente os trabalhadores que fizerem parte do quadro associativo do sindicato no momento em que acontecer o julgamento serão beneficiados não apenas com a cessação dos descontos, como com a devolução dos valores já retirados, incluindo juros e correção. Além deste pedido, em caráter coletivo, o Departamento Jurídico do SIFUSPESP também já está iniciando ações individuais em benefício de seus associados.
Acompanhe o trâmite da ação através do número: 10018273520218260053