Com demora no envio da reforma administrativa para o Congresso e após debandada da ala privatista na equipe do Ministério da Economia, grande imprensa usa informações manipuladas de instituto que defende “limites institucionais à ação do governo” sobre custo de salários do funcionalismo e investimentos em setores essenciais - entre eles saúde, educação e segurança - para justificar cortes e possíveis demissões
por Giovanni Giocondo
Os representantes do capital financeiro e especulativo não estão satisfeitos com o ritmo da reforma administrativa do governo Bolsonaro, cuja proposta ainda não foi enviada para o Congresso Nacional. Mais do que isso, começaram a utilizar sua fluência na grande mídia nacional para divulgar dados oficiais com um recorte de seu próprio interesse, emitir opiniões em artigos e entrevistas e tentar, desesperadamente, manter no cargo o ministro da Economia, Paulo Guedes - maior representante de seus anseios privatistas - para justificar as futuras demissões e cortes de salários no serviço público.
A chapa de Guedes esquentou na última terça-feira (11), quando o secretário especial de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e o secretário Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uedel, pediram demissão e se juntaram a outros seis membros da equipe do ministro a deixarem o governo - segundo fontes internas colhidas por jornalistas como Miriam Leitão e Valdo Cruz, da Globo News - insatisfeitos com os rumos da agenda liberal dentro da atual gestão. De acordo com podcast “O Assunto”, da jornalista Renata Lo Prete, também da Globo News, o projeto de Guedes “implodiu” porque o governo não está cumprindo com o programa econômico que o elegeu. Ouça aqui
Paralelamente, a Rede Globo veiculou em matéria de destaque nesta quarta-feira (12) no seu maior noticiário, o Jornal Nacional, dados do Instituto Millenium sobre os gastos da União, dos Estados e dos municípios com os salários dos servidores na comparação com os investimentos em saúde, educação e segurança, entre outros setores que demandam investimentos públicos e são considerados essenciais. Segundo a matéria, disponível neste link, os vencimentos do funcionalismo, em 2019, representaram 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto que a verba para a educação foi de 6% e para a Saúde, de 3,9% de todas as riquezas produzidas pelo país no ano passado.
Ocorre que essas informações manipularam os dados oficiais. Não incluíram, nos investimentos em saúde e educação, os salários dos servidores. Fizeram o oposto, como se o investimento nesses setores fosse menor por culpa do excesso de gastos com salários e não houvesse necessidade do trabalhador em seu posto.
Não há como um aluno ter uma aula sem professor, tampouco um paciente ser atendido em um hospital público sem a existência de um enfermeiro ou de um médico. Também esqueceram de mencionar que a maioria dos servidores públicos não recebe altos salários. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) mostram que, em 2018, metade do funcionalismo recebia até 3 salários mínimos, ou R$ 2,9 mil, para valores da época. A pesquisa completa divulgada pela revista piauí e disponível neste link. A minoria, ou 3% dos servidores, recebe acima de 20 salários mínimos.
Dentro do sistema prisional, também é possível dizer que não há como o próprio sentenciado cumprir sua pena sem a existência da figura do policial penal em todas as suas funções de custódia e vigilância, além dos profissionais das áreas técnicas, operacionais, administrativas, de saúde e assistência social, responsáveis pelo atendimento das inúmeras demandas dos detentos, advogados, familiares e da Justiça.
Em São Paulo, a média salarial do servidor penitenciário também não ultrapassa essa mesma faixa, de R$ 3 mil, o que demonstra que na segurança pública também não existem privilegiados que precisam entrar na tesoura e, com isso, “melhorar a eficiência do serviço público a partir da reforma administrativa”, como defende Guedes através de seus interlocutores na grande mídia. Se ele perde espaço no governo, há de se buscar formas de mantê-lo respirando, mesmo que por um respirador mecânico.
Mais. Quando diz que os salários dos servidores públicos são 8% maiores que a dos trabalhadores privados no Brasil, para a mesma função, com base em um estudo do Banco Mundial (BID), a reportagem omite que a mesma instituição analisou um conjunto de 53 países e a média de ganho dos servidores acima dos funcionários privados - se forem computadas todas essas nações - é de 21%, bem acima da média brasileira.
Nesse sentido, as pretensões do Instituto Millenium em cavar a pauta na Rede Globo e tentar difundir pelo Brasil que são os servidores públicos os responsáveis pela derrocada da economia são bastante conhecidas. A organização que Paulo Guedes ajudou a fundar é dita “sem fins lucrativos” e que “promove valores e princípios que garantem uma sociedade livre, como liberdade individual, direito de propriedade, economia de mercado e limites institucionais à ação do governo”.
Ora, mas para que os gastos sejam reduzidos e o serviço público funcione, o que propõe o instituto? Tal qual as inúmeras falácias do ministro da Economia, são apenas números jogados ao vento e nenhum projeto além de cortes no orçamento dos serviços públicos essenciais, com prejuízo direto para a maioria da população que desses serviços depende.
Enquanto os projetos de desestatização e privatização das estatais patinaram e levaram seus arautos dentro da máquina a pedirem as contas, os liberais arregaçaram as mangas e trabalham nos bastidores para, pelo menos, aprovarem a reforma administrativa.
O economista Alexandre Schwartzman, ex-diretor do Banco Central, disse em entrevista nesta quarta-feira (13) ao jornal O Estado de São Paulo que Bolsonaro “desmoraliza o liberalismo mais que qualquer presidente de esquerda” porque há descompasso com Paulo Guedes na agenda. Afirmou ainda que o ministro “é um cara sem profundidade” e que falou muito em números para uma plateia que o aplaudiu pelo show, mas o dinheiro não apareceu. “O programa de desestatização foi um fracasso. Por isso Salim [Mattar] saiu. Quando se falou em privatizar Banco do Brasil, Caixa, Eletrobrás, Petrobras e Correios, era conversa fiada. O mercado já tinha colocado fora da conta. O trilhão que ele [Paulo Guedes] prometia com a venda das estatais já tinha ido para o saco”, arrematou.