Por Flaviana Serafim
Vivendo cotidianamente sob estresse e conflitos da profissão, os trabalhadores da segurança pública estão num quadro agravado pelos riscos do coronavírus, uma vez que estão convocados a atuar na linha de frente do enfrentamento à pandemia por realizar serviço essencial.
Neste cenário, a COVID-19 trouxe novos desafios às categorias: o medo de adoecer e/ou de infectar a própria família, o afastamento dos colegas, o contato praticamente diário com o luto das mortes decorrentes da COVID, problemas financeiros e o isolamento social no caso dos que estão afastados por fazerem parte do grupo de risco. É que aponta pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cujos resultados detalhados serão em breve divulgados e debatidos pelo SIFUSPESP.
A questão foi tema central do seminário “O trabalho dos agentes da segurança pública durante a COVID-19 e saúde mental”, transmitido pela internet na noite desta sexta-feira (6), com a participação da socióloga Fernanda Cruz, pós doutoranda e pesquisadora no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
Partindo dos fatores de risco e também da proteção à saúde mental dos trabalhadores nas forças de segurança pública, a socióloga discutiu como o enfrentamento à pandemia pode afetar ainda mais estes fatores. Dentre eles, os riscos inerentes à profissão, tais como as situações de conflito, e outros “evitáveis”, mas nem sempre previstos, como casos de depressão, agressividade, ansiedade, que podem culminar até no suicídio, questão grave que afeta todas as categorias da segurança pública (leia mais no final do texto).
Devido ao coronavírus, a pesquisa do Fórum aponta que mais de 50% dos policiais brasileiros não se sentem preparados ou não sabem responder se estão efetivamente preparados para atuar em meio à pandemia. No caso de São Paulo, 39,2% se sentem preparados, média superior aos demais estados do país, mais quase 60% têm medo de contrair a doença e/ou contagiar um familiar.
Quanto aos profissionais da segurança pública mortos pela COVID-19 em São Paulo, os policiais penais são a maioria das vítimas fatais, conforme levantamento realizado pela socióloga com dados até o último 3 de junho, seguidos dos policiais militares, dos civis e guardas municipais.
O conjunto de informações e dados apresentados pela socióloga revelam que muitos dos estudos ainda não contemplam especificamente os policiais penais e, questionada por Fábio Jabá, presidente do SIFUSPESP, a Fernanda explicou que, com a aprovação da Polícia Penal, o reconhecimento da categoria como policiais deve também mudar o escopo e as estatísticas das pesquisas de agora em diante.
Ciente da importância de que a categoria esteja contemplada nas análises, a direção do sindicato está em articulação com o NEV-USP para realização de uma pesquisa ampla com os servidores do sistema prisional.
Saúde mental e suicídios
Ao fazer um breve resgate sobre os estudos a respeito do suicídio de policiais, a pesquisadora afirmou que a questão foi por muito tempo um tabu, com uma recusa principalmente da Polícia Militar em abordar o tema e reconhecer os altos índices, mas as pesquisas iniciais passaram a mostrar a realidade dos trabalhadores e a compilar dados sobre os casos.
Para dar uma ideia do quadro, os dados mostram que no Brasil a taxa é de 5,8 suicídios a cada 100 mil habitantes e no Estado de São Paulo, entre os policiais da ativa, chega a 21,7 entre os militares e 30,3 entre os civis, segundo estatísticas de 2019 da Ouvidoria de Polícia estadual. Em 2020, dados preliminares até este 3 de junho revelam três suicídios e três homicídios seguidos de suicídios entre militares, além de uma tentativa de suicídios. No caso dos civis houve um suicídio consumado e um homicídio seguido de suicídio.
Fatores situacionais, sociais, individuais e organizações envolvem os contextos destes suicídios, segundo Fernanda Cruz, como os episódios de estresse extremo, separação conjugal ou morte de um ente, alterações de comportamento bruscas e problemas financeiros.
Considerando os aspectos individuais da saúde, vão desde alterações do sono e isolamento social, até dependência química e distúrbios de saúde mental decorrentes da profissão. No aspecto organizacional, problemas ligados às escalas de trabalho, transferências - aqui principalmente as motivadas por punição ou questões de saúde -, as relações entre os pares e os superiores, e punições consideradas injustas, entre outros.
Para os que querem se aprofundar na temática da saúde mental e o problema do suicídio, a socióloga indicou algumas publicações que estão disponíveis para download gratuito na internet, entre as quais:
Por que policiais se matam? Diagnóstico e prevenção do comportamento suicida na polícia militar do Estado do Rio de Janeiro
http://gepesp.org/wp-content/uploads/2016/03/POR-QUE-POLICIAIS-SE-MATAM.pdf
Notificações de Mortes Violentas Intencionais e Tentativas de Suicídios entre Profissionais de Segurança Pública no Brasil
https://gepesp.org/wp-content/uploads/2019/08/Boletim-GEPeSP-2019.pdf
Uma análise crítica sobre suicídio policial
ftp://ftp.sp.gov.br/ftpouvidoria-policia/suicidiopolicial.pdf
Confira a íntegra do webinário: