Por Abdael Ambruster
A classe trabalhadora precisa urgentemente compreender o seu lugar de importância na sociedade atual, ainda mais em tempos de pandemia. Essa é uma frase realmente geral, para que possa englobar a todos e todas que são cidadãos em uma sociedade diversificada como a nossa. Contudo, após generalizar, temos que focar em uma classe específica, o policial penal e o servidor do sistema penitenciário como um todo.
Como entender o seu papel enquanto profissional penitenciarista junto a uma sociedade que, além de diversificada, é profundamente desigual? É preciso mergulhar profundo na história da criação dos presídios, da necessidade de punição, de como a prisão também foi e é utilizada como instrumento de opressão das classes mais abastadas em desfavor das classes menos favorecidas.
O antigo ditado de que as prisões são destinadas a pobre, preto, puta e policia (também é preso quem prende) tem mais uma letra “P” de padre e, esse “P” é antigo.
Em seu livro “As Prisões em São Paulo: de 1822 a 1940”, leitura que indico a todos os profissionais penitenciaristas que querem entender um pouco mais profundamente o estágio larval das prisões no Brasil e no Estado de São Paulo, o sociólogo Fernando Salla relata que as cadeias eram construídas debaixo do passo municipal, ou seja, o cidadão ficava preso sob os pés do poder.
Além da população preta escravizada que ali era presa, os clérigos que se levantavam contra a determinação da Igreja Católica encontravam o seu destino em uma destas prisões.
Uma curiosidade: o cidadão que por ventura fosse escolhido pelo poder municipal para exercer a função de carcereiro, era obrigado a acatar a ordem sob pena de ser preso na mesma cadeia que, caso aceitasse, iria trabalhar.
Temos que apurar a nossa visão profissional ao entender com profundidade o nosso ambiente de trabalho.
Somos os profissionais da área penitenciarista, temos que nos especializar em nossas atividades e compreender que, como trabalhadores e trabalhadoras, temos direitos e deveres. O direito de ter direitos, de alçarmos uma vida digna, de exigir do poder público uma vida profissional digna, vida digna, como já dizia Amartya Sen em seu livro “A ideia de Justiça”. Também temos o direito e o dever de transformar o nosso meio, de trazermos para a sociedade a real visão de um sistema penitenciário que é simplesmente o retrato de uma sociedade desigual.
Neste caso, podemos dizer que as prisões são o retrato de Dorian Grey da sociedade brasileira, que, para se manter com um falso status de igualdade, manda para a cadeia todos aqueles que não lhe representam, que lhe desfigura a face horrenda da própria desigualdade.
Lembre-se que no início das prisões no Brasil a população preta escravizada era presa, padres que se levantavam contra a Igreja eram presos e aqueles que se negavam a trabalhar em suas dependências por acharem que eram “livres” para escolher, também eram presos, em uma síntese da prisão da existência, da crença e da liberdade.
Acredito que pouco tenha mudado e, para que nossa consciência de classe jamais entre em sono letárgico, precisamos nos apropriar de nossos direitos - direitos esses, caros companheiros e companheiras, são inegociáveis e o dever de trabalharmos constantemente em prol de uma sociedade menos desigual.
Abdael Ambruster é policial penal, especialista em Criminalística e em Segurança Pública e Direitos Humanos, e diretor de Base Sindical do SIFUSPESP na Penitenciária Feminina de Santana.