Após 32 anos de trabalho, dos quais 29 dedicados ao sistema prisional, servidor tem seu pedido de aposentadoria indeferido pela SPPrev, num caso flagrante de transfobia
Por Flaviana Serafim
O Departamento Jurídico do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp) está movendo ação judicial para garantir a aposentadoria do policial penal transgênero Jill Alves de Moraes, de 56 anos. O caso é inédito no país e, além de reivindicar que o direito constitucional ao benefício seja cumprido, o Sifuspesp também vai pleitear indenização por danos morais ao servidor.
Com 32 anos de trabalho, dos quais 29 anos de sistema prisional e outro três trabalhando fora, o agente penitenciário deu entrada no pedido de aposentadoria em 17 de julho do ano passado. Em seguida, tirou toda a documentação necessária para atualizar sua identidade quanto ao nome e gênero, encaminhou os documentos e certidões ao Departamento de Recursos Humanos, e o processo foi enviado à São Paulo Previdência (SPPrev).
Apesar de ter cumprido o tempo de serviço e ter direito à aposentadoria, em 16 de setembro de 2019 Moraes recebeu um e-mail da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) no qual consta o posicionamento da SPPrev indeferindo o pedido até a manifestação da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Na mensagem, a alegação para não conceder o benefício é de que há “dúvida jurídica relevante”, sendo “impossível assegurar direito da parte para afastamento”.
Transfobia como pano de fundo
O policial penal começou sua transição para o gênero masculino em 2014 e foi a primeira pessoa a tomar hormônios pelo serviço de saúde pública do município de São Paulo, contando com todo apoio e aparato do Estado para assumir ser transgênero.
Moraes destaca que a diretoria da unidade tinha conhecimento da mudança desde o princípio e que desde 2017 tem o reconhecimento de seu nome social no sistema prisional.
“O Estado me deu as condições para transição, mas não se preparou para minha aposentadoria. Não estão preparados para as demandas dos transgêneros com todos seus direitos”, critica o policial penal.
Na avaliação do advogado Sérgio Moura, coordenador do Departamento Jurídico do Sifuspesp, “sabemos que a transfobia é um mal que assola a percepção de alguns a respeito de outros, e é possível inferir que seja esse o pano de fundo, um ato administrativo marcado pela mácula da discriminação pode estar ocorrendo”.
De acordo com Moura, mesmo que se alegue que não houve transfobia, “ocorreu um ato administrativo que não soube lidar com o fato do policial penal ser transgênero, fazendo da transformação de gênero um impeditivo ao direito constitucional. Esse é o questionamento que será levado ao tribunal”, afirma.
O advogado também ressalta que se trata da subtração de um direito garantido na Constituição Estadual de São Paulo, no parágrafo 22 do Artigo 123, que garante ao servidor o direito de cessar o exercício da função pública após 90 dias decorridos da apresentação do pedido de aposentadoria. Como o caso passa pelo crivo da condição de transgênero, o policial penal ainda tem direito à indenização material independentemente de demonstração como ocorre em outras situações de dano moral, completa o coordenador jurídico.
Presidente do Sifuspesp, Fábio César Ferreira, o Fábio Jabá, critica o posicionamento da SAP e da SPPrev. “É uma situação lamentável, pois o preconceito e a discriminação são claros, assim como a ilegalidade de prejudicar o direito à aposentadoria do servidor depois de tantos anos de trabalho dedicados ao sistema prisional”.
Segundo Jabá, “essa é mais uma batalha jurídica que vamos travar e que esperamos que sirva de exemplo para todo o país: transgêneros têm direitos garantidos como qualquer outro cidadão e não só à mudança de nome e orientação sexual, mas também à aposentadoria e à vida digna na velhice”, conclui o sindicalista.