Do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (SIFUSPESP), do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo (SINDASP-SP) e do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária e Demais Servidores Públicos do Sistema Penitenciário Paulista (SINDCOP)
à Câmara de Vereadores de São Paulo
aos deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
à Câmara dos Deputados
ao Senado Federal
à Pastoral Carcerária
ao Ministério Público do Estado de São Paulo
à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)
ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU)
à Organização Internacional do Trabalho (OIT)
a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical(CONALIS)
a Coordenadoria Nacional de Combate às irregularidades trabalhistas na administração pública(CONAP)
a Procuradoria Regional do Trabalho da Segunda Região
Este é um relato sobre a situação caótica vivida no sistema prisional do Estado de São Paulo.
Superlotação e insegurança
Contando atualmente com 174 unidades prisionais sob responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e do governo do Estado de São Paulo, o sistema prisional paulista concentra um terço da população carcerária do Brasil - que por sua vez, é a terceira maior do mundo - 812 mil pessoas, em julho de 2019, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em junho de 2016 eram 726 mil, conforme informações do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Em São Paulo, são cerca de 240 mil detentos distribuídos por penitenciárias, centros de detenção provisória, centros de progressão penitenciária, centros de ressocialização, hospitais de custódia e uma unidade de regime disciplinar diferenciado. Notadamente, a maioria destes espaços está superlotada, muitos com até três vezes mais presos que sua capacidade, de acordo com dados da própria SAP.
A superlotação é por si só um problema gigantesco tanto do ponto de vista da permanência dos sentenciados quanto das condições de trabalho impostas aos agentes que atuam na segurança das unidades. Um ambiente onde 3 mil presos sobrevivem onde caberiam apenas 1 mil torna-se insalubre, com o risco de proliferação de doenças infectocontagiosas, e também perigoso, sob a iminência de brigas entre detentos, agressões contra funcionários, tentativas de fuga e rebeliões que ameaçam ainda o bem estar da população fora dos muros.
Déficit de funcionários e adoecimento
Submetidos a jornadas extremamente desgastantes, com plantões de 12 horas de trabalho para 36 horas de descanso, vivendo a centenas de quilômetros de suas casas e longe de suas famílias, os servidores e as servidoras do sistema prisional paulista também enfrentam infindáveis problemas para executar suas tarefas diárias.
Esses problemas começam pela falta de funcionários suficientes para suprir as demandas mínimas das unidades prisionais no que se refere à vigilância, custódia, atendimento em saúde e outras exigências legais. Atualmente, o sistema prisional paulista conta com cerca de 23 mil agentes de segurança penitenciária(ASPs) em seus quadros, número que em um primeiro momento já atesta o déficit monumental diante da quantidade de sentenciados.
Isso porque a média, de 9,6 presos para cada agente verificada em São Paulo, está bem acima da recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e também da Organização das Nações Unidas (ONU), que é de 5 detentos por funcionário.
Tais dados, no entanto, ignoram dois fatores que tornam ainda mais alarmante a situação. Primeiramente, porque essa média não demonstra casos extremos ocorridos em penitenciárias onde muitas vezes um agente de segurança faz a custódia de 50, 100 e até mais presos durante determinado período.
A segunda é o índice de afastamento por licença-saúde entre os trabalhadores penitenciários, que em São Paulo beira os 30% do efetivo, de acordo com dados do Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME). E o próprio órgão, depois de ter sido vinculado à Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão, e não mais à de Saúde, em 2016 reduziu drasticamente o número de concessões de licenças a servidores públicos.
Essa redução, por outro lado, tem como resultado prático o agravamento de doenças funcionais adquiridas pelos funcionários do sistema prisional. Física e psicologicamente sem condições de trabalhar, esses homens e mulheres prosseguem atuando devido ao temor de descontos salariais e perseguição por parte de superiores hierárquicos, que inevitavelmente acontecem quando das faltas injustificadas.
Alguns dos males que mais atingem os servidores do sistema prisional são o câncer, o diabetes, doenças relacionadas ao coração e aos sistemas circulatório, digestivo e nervoso.
Nesse cenário, são comuns também casos de depressão, de tentativa e de consumação de suicídio. Entre janeiro e agosto de 2019, foram registrados oito casos de funcionários que tiraram a própria vida, ou um por mês. Conforme relatório do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo, feito em 2010, a expectativa de vida média dos agentes penitenciários é de 45 anos.
Apesar de verificar que números oficiais e a realidade justificariam um olhar mais cuidadoso sobre a situação de seus funcionários, a SAP e o governo do Estado de São Paulo têm reiteradamente abandonado os servidores à própria sorte, desrespeitando-os, desvalorizando-os e tomado iniciativas no sentido de piorar uma estrutura que já se tornou insustentável há décadas.
Em oito meses de mandato, nenhuma nomeação de novos funcionários
Um dos setores que mais escancara a ausência de preocupação da atual gestão do Palácio dos Bandeirantes com o trabalhador do sistema é a inexistência de nomeações de novos funcionários já aprovados em concursos públicos.
Isso porque a defasagem de agentes de segurança penitenciária (ASPs), agentes de escolta e vigilância penitenciária (AEVPs), oficiais administrativos, oficiais operacionais, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e integrantes de outros cargos é admitida pela própria SAP.
Todos os meses de abril de cada ano, a pasta divulga no Portal da Transparência o déficit oficial reconhecido para cada uma das carreiras.
E mesmo com este documento atestando que há no sistema milhares de funcionários a menos do que é considerado o “ideal”, não há sinal de que os remanescentes de certames de 2013, 2014 e 2017, tanto para as áreas fim (custódia, escolta e vigilância) quanto para as áreas meio (saúde, administração e assistência ao preso) sejam finalmente chamados.
Por pessoas que aguardam ansiosamente para iniciar este trabalho tão honrado, os três sindicatos também lutam.
Desvalorização salarial
Outro dos sinais de inércia da administração nesse quesito é a falta de diálogo com os sindicatos sobre a concessão de um reajuste salarial digno aos trabalhadores. A categoria sofre com uma desvalorização que se aproxima dos 30% de defasagem com as perdas inflacionárias dos últimos cinco anos, em números medidos pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) desde que os servidores receberam seu último reajuste real, em 2014.
O reajuste de 3% repassado pelo governo do Estado em março de 2018 não causou qualquer tipo de impacto positivo nos vencimentos. Frente a essa conjuntura, os três sindicatos iniciaram em janeiro deste ano a Campanha Salarial 2019, que definiu, entre outras prioridades, a reivindicação inicial de que os salários recebessem uma valorização imediata de 50%, além da reposição de 29,14% referente à inflação acumulada.
É preciso sinalizar um aspecto extremamente relevante quando se debate a questão salarial dos trabalhadores penitenciários paulistas. Os agentes de São Paulo detém o 40 pior ganho entre os servidores de carreiras semelhantes nos demais Estados brasileiros, além do Distrito Federal. Pouco mais de R$ 2.700 mês, como salário inicial.
Mesmo com as inúmeras solicitações feitas pelos três sindicatos para tentar obter por parte da SAP e do governo do Estado qualquer tipo de resposta no que tange à questão salarial, o que se viu foi uma série de respostas evasivas, cancelamento de reuniões e nenhuma manifestação legal a partir do momento em que a exigência dos trabalhadores ganhou ressonância no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que foi acionado e agiu para tentar mediar um acordo, sem sucesso graças à inércia do Estado.
Contra a Privatização e contra a venda das penitenciárias para o crime
A paralisia da atual gestão não foi a mesma, no entanto, quando anunciou desde os primeiros dias de governo que a pretensão maior para o sistema prisional era a privatização das penitenciárias e a consequente terceirização dos cargos dos trabalhadores.
Os três sindicatos sempre foram contrários ao projeto a partir das premissas e fatos comprovados de que ele negocia vidas em troca de lucro, é mais caro que o sistema público, mais inseguro e palco de inúmeras atrocidades em outros Estados.
Os trabalhadores penitenciários também alertam para o risco de domínio das facções criminosas sobre o sistema caso esse modelo seja adotado em São Paulo. O uso de empresas legalmente constituídas por parte do Primeiro Comando da Capital (PCC) e o controle permanente das atividades dentro dos muros seria uma das consequências mais graves da privatização.
Vacilante sobre a viabilidade do modelo privatista após a série de manifestações realizadas pelos trabalhadores contra o projeto, e mesmo diante da cobrança de parte dos parlamentares na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e de alguns setores da imprensa, a SAP tem usado do silêncio e da narrativa essencialmente técnica para tergiversar e fugir do debate quando confrontada com a realidade de que quer sim deixar para as empresas a responsabilidade por assumir a gestão das unidades.
O silêncio só foi rompido no dia 6 de setembro, quando o governador João Doria(PSDB) anunciou o lançamento do edital para a abertura de concorrência entre as empresas interessadas em gerir os Centros de Detenção Provisória(CDPs) de Aguaí, Registro e Gália, este último com duas unidades. Todos os quatro CDPs foram construídos com dinheiro público. O edital foi publicado no dia 7 de setembro no Diário Oficial do Estado de São Paulo.
Cientes de que não haverá qualquer futuro para os trabalhadores penitenciários se a privatização não for enfrentada e se não existirem batalhas por salários dignos, mais estrutura, pelo fim da superlotação e do déficit de funcionários, o SIFUSPESP, o SINDASP-SP e o SINDCOP apelam aos deputados, senadores, vereadores, prefeitos, juízes, procuradores, promotores, defensores públicos e todo e qualquer membro de entidades nacionais e internacionais que fiscalizam o respeito aos direitos humanos e dos trabalhadores.
Que voltem seus olhares para essa realidade e unam forças com o objetivo de impedir que o sistema prisional seja implodido por uma gestão irresponsável.
Este é um grito de socorro, de emergência.
Um apelo de seres humanos e trabalhadores cansados de um sistema vil e fomentador do ódio.
Homens e mulheres cansados de serem tratados como peças de uma engrenagem, dentro de uma máquina de moer gente, que querem nada menos que respeitados os seus direitos mais básicos para fazer o trabalho para o qual foram designados: fazer com que aqueles que foram condenados por seus crimes cumpram suas penas e sejam reintegrados à sociedade dentro do que estabelece a lei.
São Paulo, 17 de setembro de 2019