Neste artigo disponibilizamos parte de nossa pesquisa documentada de problemas estruturais dos negócios, empresas, falsos dilemas e informações. Ou seja: o que é mito e o que é verdade nas experiências existentes de privatização em todo o Brasil. Leia, compartilhe, denuncie. A sociedade necessita saber.
1.Desafios de uma vida
O SIFUSPESP Lutar para Mudar surgiu em um momento importante de nossa categoria. Com o desgaste do antigo sindicalismo que está morrendo, militantes experientes e novos formaram uma diretoria em um desafio que parecia impossível, fazer um sindicato de verdade.
Sindicato de verdade? Sim, um sindicato que tenha participação de sua base. Que seus representantes estejam presentes diante dos problemas. E um sindicato que seja capaz de defender sua categoria contra os piores desafios.
Vivemos tempos difíceis para nossa categoria. Mas essa é uma realidade para outras categorias também, e estamos travando o bom combate graças a nosso trabalho prévio de preparação e apoio de muitos.
O que está passando no Brasil é uma disputa entre diversos setores em que uns buscam manter direitos como militares e policiais (direitos previdenciários entre outros). Juízes e promotores forçam aumentos fora da realidade da maioria da população. Partidos se rearticulam diante da nova conjuntura dos governos. Em São Paulo o governador amplia sua política de redução de custos, aumento de negócios ao redor do Estado e grande investimento em publicidade de sua gestão, não inovando de fato em processos de gestão. Como se diz em comentários de internet: Político que privatiza, tem "preguiça" de governar de verdade.
A segurança pública encontra-se em perigo. Este tem sido o primo pobre do estado nestes últimos anos, apesar do discurso social apoiar a segurança pública. O primeiro reflexo já se faz presente, o ataque ao sistema penitenciário, mas isso não vai ficar por aí. Se avançarem com a privatização e sucateamento do setor penitenciário, devem depois atacar de forma mais forte outros setores, inclusive policiais como já aconteceu na França. Esse fator deve vir acompanhado pela unificação e fortalecimento do primeiro cartel de narcotráfico do país, com a unificação de PCC e CV com outras facções estaduais. Leia a respeito no tópico 8 do texto: https://www.sifuspesp.org.br/noticias/6380-temas-debatidos-na-audiencia-sifuspesp-todos-contra-a-privatizacao
2. Comportamento sindical e seus mitos
Antes os sindicatos usavam de artifícios, ações milagrosas, serviços eventuais. Ou simplesmente quebravam. O SIFUSPESP, em relação a diretorias anteriores, foi sucateado. Encontra-se sendo gestionado e em plena recuperação, mas só tem conseguido defender sua categoria graças a planejamento e um esforço fora do comum por parte de sua atual diretoria.
Mesmo assim sabemos que com planejamento, articulação política, objetivos claros e relação direta e de igual para igual com a base, sem esconder nada, pudemos avançar muito. Interferir em problemas em cada unidade sem criar problemas, etc.
Hoje, o sindicato com maior dificuldade da categoria é o que mais faz. E estamos vendo nossa categoria unindo-se graças a um trabalho que temos desenvolvido a pouco mais de um ano.
Parte desse trabalho é antecipar as tendências de problemas que podem ocorrer. O mais recente problema que temos advertido há quase um ano e nos planejamos para enfrentá-lo foi o da privatização.
Veja mais em: http://www.sifuspesp.org.br/dossie-privatizacoes
Leia também: https://www.sifuspesp.org.br/images/documentos/outros/Manifesto_Sifuspesp.pdf
Este problema e a forma de enfrentá-lo já não deve ser como fazia o sindicalismo antigo. Porque isso resultará inútil. Para enfrentá-lo devemos atuar com inteligência tática, estratégia comunicacional, relações dentro e fora da base consolidadas na confiança. Seriedade e coragem para fazer o que deve ser feito.
Estaremos seguindo na luta pela unificação sindical e na construção de um projeto de Lei Orgânica que realmente represente uma modernização do sistema e contribua para enfrentar o crime organizado.
Por isso o SIFUSPESP tomou uma postura radical para pressionar os demais sindicatos a unificação imediatamente. Veja mais em: https://www.sifuspesp.org.br/noticias/6386-sifuspesp-na-luta-por-um-sindicato-unico
3.Comportamento empresarial, empresas presídio e seus mitos
3.1. O primeiro mito : Ribeirão das Neves
O exemplo de eficiência, eficácia e economia que tanto se tem falado pelo governo e imprensa aliada de Dória, a PPP de Ribeirão das Neves, não resiste a uma análise detalhada da realidade.
Vejamos o primeiro detalhe: Ribeirão das Neves não passa de uma vitrine pensada por Aécio Neves como uma de suas propostas para a candidatura à presidência, vitrine que se mostrou bastante cara para os cofres público de Minas Gerais.
Vamos aos números:
Preço inicial por dia por preso(2008): R$74,63.
Valor atual corrigido por dia 2018: R$139,13.
Valor total mensal em valores corrigidos (*1): R$4173,9
Valor total securitizado do contrato (*2):R$ 2.11.476.080,00 (em 2018 com as correções contratuais e adendos ultrapassa 3,8 bilhão de reais).
Tal valor chega a ser quase três vezes mais caro que o valor gasto por preso em SP
A estes valores se somam os pagamentos feitos a empresa Accenture do Brasil Ltda (empresa de auditoria a parte para dar aval, ou não, aos resultados da PPP) no valor de R$3.729.899,88 (três milhões, setecentos e vinte e nove mil, oitocentos e noventa e nove reais e oitenta e oito centavos) e prazo de contrato com renovação de 36 (trinta e seis) meses (*12), além disto não leva em conta o custo dos funcionários do estado alocados para segurança e escolta no complexo, nem os custos de fardamento, viaturas, combustível, armamento e treinamento dos mesmos (o custo por preso em SP leva em conta todos estes fatores).
Porque Ribeirão das Neves não é um exemplo?
Porque não corresponde a uma realidade do sistema prisional brasileiro. Pelo contrato a administradora privada tem as seguintes garantias:
- A lotação não pode passar de 100%;
- O valor por preso não podem ser reduzidos e devem ser corrigidos ano a ano;
- A quantidade de funcionários é especificada em contrato;
- A população carcerária é selecionada (Não há presos provisórios, aqueles em condição de pré-julgamento, nem teoricamente os de alto risco ou periculosidade, como membros de facções criminosas, estupradores, pedófilos e delatores.) (*13);
- Pelo contrato ser securitizado possuem garantias de recebimento de qualquer maneira não importando se o orçamento foi bem, e se o funcionalismo público vai receber ou não.
Qualquer um que conheça o mínimo sobre o sistema prisional brasileiro sabe que esta não é a realidade.
Se todas estas garantias fossem dadas para as unidades públicas, as mesmas também seriam um exemplo. Por isso o comentário na internet avança: Político que privatiza, tem "preguiça" de governar de verdade.
Além disto a CGE (Controladoria Geral do Estado) aponta gastos indevidos de 42 milhões no contrato da PPP(*14). É mole ou quer mais? Sim tem mais...
3.2. O segundo mito: eficiência e economia
Uma dos mitos mais divulgados na imprensa e pelo governo é de que as unidades privatizadas são mais eficientes e econômicas, possibilitando a construção de mais unidades em menos tempo e com melhor qualidade a um custo menor para o estado, bem este é um mito que só se sustenta se você não pesquisar direito e graças a falta de transparência em relação a estes processos de privatização, PPP e cogestão.
PPP e cogestão, na verdade, acabam tendo o mesmo resultado: mais gastos, menos segurança e mais espaço para corrupção.
Um exemplo bastante patente disso foi a tentativa de implantação de um processo de PPP em Pernambuco, o consórcio SPE/Reintegra Brasil pegou um complexo prisional cujas obras começaram em 2009 e só foram entregues em 2018, após o governo retomar a posse do complexo com 65% das obras terminadas (*3).
Depoimentos dados pelos executivos da Odebrecht dão conta que as paredes entre as celas eram feita de Drywall (gesso acartonado) (*4), parece piada, mas só piora, segundo depoimento de Marcelo Odebrecht “ o que a gente pensou que era um problema só na obra, era algo bem pior. Na verdade, tinham coisas escabrosas. A concessão tinha pego um empréstimo do Banco do Nordeste e um mês depois tinha distribuído esse empréstimo como dividendos. Quando a gente viu, já tinha gasto uns R$ 50 milhões nesse processo. Quanto mais dinheiro, maior era o buraco.” (*5)
Segundo o levantamento feito pelo SIFUSPESP Mudar para Lutar, corroborado por um relatório feito pela pastoral carcerária (*6) em absolutamente todos os estados em que foi implantada alguma forma de PPP, terceirização ou cogestão o custo por preso é superior ao que é gasto pelo estados nas unidades públicas, resta explicar o modelo mágico de economia.
3.3. terceiro mito: sabe-se exatamente qual o custo por preso
Como explicamos acima no caso de Ribeirão das Neves, as unidades com alguma forma de privatização contam com os serviços de escolta e segurança externa executados pelo estado e este custo nunca é levado em conta no cálculo do custo por preso, além disto temos os custos indiretos como a contratação de auditorias externas e adendos contratuais que normalmente são implementados sem transparência, os processos de alteração de metas estabelecidas, cumprimento de etapas, aditamento para novas formas de pagamento, e novas alterações estatutárias das empresas (com novas regras e novos investidores) ou demoram para chegar aos arquivos da administração pública, ou no caso de aumentos são justificados por fatos "não previstos" que aumentam valores que o cidadão vai pagar, o que torna extremamente difícil um cálculo preciso do custo por preso.
No caso dos estados a conta normalmente é bem mais simples, basta dividir o orçamento da pasta responsável pela administração penitenciária pelo número de presos no estado. Embora possamos utilizar de metodologias mais precisas, está é uma forma acessível ao cidadão comum pois os dados normalmente são divulgados nos portais de transparência dos estados, e o orçamento das secretarias estaduais são votados pelas respectivas assembleias legislativas com um ano de antecedência.
3.4. quarto mito: mais segurança
Outro argumento defendido com seriedade por "experts", jornalistas "sérios", entre outros, diz respeito a um suposto maior nível de segurança e controle nas unidades privadas, com tecnologia de ponta, trancas automatizadas e sistemas de monitoramento por câmeras.
A realidade é bem diferente da propaganda. Inicialmente temos que considerar que o monitoramento por vídeo é apenas um nível da segurança, junto com instalações físicas adequadas. O fator primordial (para quem conhece de segurança de fato) em todo esquema de segurança é o fator humano, quando se trata do sistema prisional é ainda mais importante.
Isto nunca é levado em conta quando se trata de unidades privadas: baixos salários, treinamento insuficiente, alta rotatividade e falta de motivação são a regra.
Cabe lembrar que as facções representam um desafio ao estado e uma ameaça à segurança nacional, sem profissionais treinados, motivados, com grande tempo de experiência no trabalho e bem remunerados cria-se uma brecha para o crime organizado, vale lembrar que para exercer o cargo de agente prisional, os concursados pelo estado tem que se submeter a um processo de investigação social, que é feito pelo estado, as empresas privadas até por razões legais, não tem acesso a este recurso, o que torna a infiltração de elementos pertencentes a organizações criminosas muito mais fácil.
As rebeliões e massacres, com muitos mortos e corpos mutilados, em Pedrinhas no Maranhão e Compaj no Amazonas são provas de que segurança e privatização/terceirização não são sinônimos.
Não são incomuns falhas na segurança como neste exemplo. Mas também podemos recordar a penitenciária administrada pela empresa Montesinos em Santa Catarina, que resultaram em duas fugas e dois agentes agredidos (*15)
A suposta facilidade de substituição de elementos que não se adequam ou que possam a ser corrompidos (o que não ocorre na prática dos privatizados) nem de longe é capaz de suplantar o mal causado por um elemento de facção criminosa infiltrado no corpo funcional de um presídio.
Outro fator que afeta a segurança pública é o fato de que as unidades privadas, por suas próprias características, não se integrarem ao aparato de inteligência do estado, em várias ocasiões o trabalho dos agentes prisionais levou a descoberta de informações que foram fundamentais para desarticulação de braços do crime organizado e uma melhor compreensão de suas estruturas de comando e atuação. O caso mais recente e conhecido foi o das operações Echelon (*8) e Ethos (*8.1), operações que não seriam possíveis em unidades privadas, uma vez que o nível de interação entre os agentes do estado e os funcionários das empresas é mínimo e os mesmos não possuem fé pública e treinamento específico em inteligência.
Neste momento em que o combate às facções criminosas é fundamental para a manutenção do estado brasileiro, esta perda de tão importante ferramenta de inteligência seria desastrosa. Soberania e controle territorial não se negociam.
Em vários estados as unidades privadas são dominadas pelo crime organizado, segundo denúncias do MP da Bahia a exceção de uma unidade, todas as outras são controladas pela empresa Reviver e são dominadas pelo crime organizado (*7).
3.5. quinto mito: combate a corrupção
Um dos argumentos apresentados pelos defensores da privatização é de que tal sistema serviria para reduzir os níveis de corrupção no sistema prisional, tal argumento não encontra sustentação quando se avalia a fundo diversos casos que envolvem as empresas que participam destes processos, para ficar nos exemplos mais gritantes podemos citar a Atlântica Segurança Técnica e a VTI Tecnologia da informação (*10) que são as empresas responsáveis pelo presídio de Pedrinhas no Maranhão, palco de rebeliões sangrentas, fugas e assasinatos (*9) começou a ser terceirizado no governo Jackson Lago (2007-2009) de 2009 a 2013 os gastos com a VTI que é formalmente registrada como "consultoria em tecnologia da informação" e que cuida do monitoramento por câmeras e fornece a mão de obra dos “monitores” (que exercem a função de agentes penitenciários) e com a Atlântica Segurança Técnica que faz a segurança externa aumentaram 136% de 2011 a 2013 no Governo Roseana Sarney. Cabe lembrar que o representante legal da Atlântica é sócio do marido da ex-Governadora.
Estas empresas empregam mão de obra mal paga e mal qualificada, o que é apontado como um dos motivos para a entrada de grandes quantidades de armas, drogas e celulares em Pedrinhas. Entre 2007 e 2013 Pedrinhas contabilizou mais de 170 mortos.
No Amazonas, o Compaj, palco de uma rebelião em 2017 com saldo de 56 mortos e 200 foragidos é administrado pela Ummanizare, (que administra outros 5 presídio no Amazonas), fugas, alto índice de entrada de drogas, armas e celulares são rotina, apesar do massacre a empresa não foi punida, o Ministério Público do Amazonas pediu ao Tribunal de Contas (TCE) a rescisão dos contratos com a Umanizzare e com outra empresa que administra os presídios do Estado. O MP apontou superfaturamento, mau uso do dinheiro público, conflito de interesses empresariais e ineficácia da gestão da empresa, para piorar a situação em 2017 o contrato foi renovado (*11)
Pouca ou nenhuma cobertura da Imprensa
O que mais chama a atenção é a escassa cobertura da Imprensa, em uma busca rápida na internet é quase impossível localizar menções ao fato de que unidades prisionais que sofrem problemas crônicos são administradas pela iniciativa privada, até mesmo na Wikipedia quase não é citado o fato destas unidades serem geridas pela iniciativa privada.
Leia mais sobre esta questão em: https://www.sifuspesp.org.br/noticias/6352-porque-toda-a-imprensa-tem-dado-como-certa-a-privatizacao-com-o-argumento-de-o-setor-empresarial-e-mais-eficiente
3.6. sexto mito: Melhora da ressocialização e garantia dos direitos humanos
Existem poucos dados sistematizados sobre os índices de ressocialização comparados entre presídios privados e as unidades públicas.
Além do mais em algumas das unidades privadas devido à política de seleção da população carcerária, os detentos acabam por vezes sendo transferidos para cidades muito distantes de suas família o que é considerado um fator que reduz a ressocialização.
Uma constante, nesse processo, foi a proibição de acesso a revistas e jornais atualizados, bem como a programas televisivos com noticiários e outros conteúdos, o que viola o direito do preso ao contato com o mundo exterior, previsto na LEP (artigo 41, inciso XV) e constitui crime de abuso de autoridade por atentar contra a liberdade de consciência e crença (Lei 4898/1965, artigo 3º, d).
Foi constatado segundo o relatório da pastoral carcerária de 2014 sobre as prisões privadas, que os presídios administrados pelo INEP aplicam estas práticas como medida padrão.
Portanto dada a ausência de dados conclusivos, sobre a melhor perspectiva de ressocialização, e medidas que claramente atentam contra o processo de ressocialização dos apenados, e violam os direitos humanos, é difícil concluir que esta afirmativa é verdadeira
Notas de referência
*1 Aplicado o índice do INPC entre Janeiro de 2009 e Novembro de 2018.
*2 para entender a securitização veja o vídeo:<https://auditoriacidada.org.br/video/em-entrevista-fattorelli-fala-sobre-divida-dos-estados-e-o-risco-das-solucoes-como-securitizacao-de-creditos/>
*8<https://istoe.com.br/tag/operacao-echelon/>
*8.1<https://istoe.com.br/tag/operacao-ethos/>
*10 <https://istoe.com.br/342481_MARANHAO+DOBRA+GASTO+COM+PENITENCIARIA+TERCEIRIZADA/>
*12 <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/215877807/doemg-executivo-01-11-2018-pg-34>
*13<https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/conexao-local/o_primeiro_complexo_penitenciario_de_parceria_publico-privada_do_brasil.pdf > (pag 10 Item 4.3)
*14 <https://www.otempo.com.br/capa/pol%C3%ADtica/seds-bancou-servi%C3%A7o-de-ppp-1.1292392>
Por:Luiz Marcos Ferreira JR.