Evento organizado pelo SIFUSPESP e pela bancada do PSOL abriu diálogo sobre dificuldades, falta de estrutura e atuação dos trabalhadores para fazer das unidades prisionais espaços mais organizados, seguros e dignos do reconhecimento da sociedade brasileira
O Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo(SIFUSPESP) e o gabinete do deputado estadual Carlos Giannazi(PSOL) organizaram na última sexta-feira, 14/12, uma audiência pública para debater o sistema prisional e levar ao conhecimento da sociedade paulista importantes detalhes sobre o funcionamento e a estrutura das unidades e, sobretudo, a respeito da importância de cada servidor envolvido nesse trabalho diário.
Entre os temas apresentados no evento, destaque para a necessidade da criação de uma Lei Orgânica que possa reger a atuação dos trabalhadores penitenciários, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional(PEC) que cria a Polícia Penal pelo Congresso Nacional, e uma série de reivindicações específicas dos diferentes funcionários que zelam pela segurança da população e pelo cumprimento da pena por parte dos presos.
O deputado estadual Carlos Giannazi(PSOL) criticou a pretensão do governador eleito João Dória(PSDB) em privatizar o sistema prisional paulista e abriu os trabalhos para que todos os convidados que eram membros do sistema prisional pudessem pontuar temáticas que são caras ao bom funcionamento das unidades e que devem ser observadas por todos aqueles que desejam conhecer e melhorar as condições de gestão desse sistema
Fala de Fábio César Ferreira, o Fábio Jabá, presidente do SIFUSPESP
O presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, agente de segurança penitenciária(ASP) há 18 anos, falou sobre a necessidade da aprovação da Polícia Penal no ano de 2019 sob uma nova conjuntura política. Lembrou do Sistema Único de Segurança Pública(SUSP), lei que integra as forças de segurança de todo o país sancionada em 2018 pela presidência da República, mas que ainda impõe um veto que tira dos trabalhadores penitenciários a natureza de atividade policial.
O presidente do SIFUSPESP exaltou a eficiência dos agentes de segurança penitenciária(ASPs), ressaltando que na área de segurança apenas o ASP tem contato direto com os detentos, e faz esse trabalho sem possuir a formação suficiente - com apenas três meses de aprendizado - para cumprir sua missão dentro da unidade prisional e sofrendo agressões por parte dos presos que resultam no seu adoecimento, físico e psíquico e sem ter, na prática, a aplicação da lei de saúde mental que deveria beneficiá-lo.
“O SIFUSPESP cumpriu hoje seu papel de ouvir os trabalhadores. O profissional do sistema prisional é, além de trabalhador, um ser humano. Não trabalhamos para fazer mal ao outro, nem maltratar o preso. Não fazemos melhor porque não temos condições. Não existe segurança sem inserção social. Não existe inserção social sem segurança", ressaltou Fábio Jabá.
Fernando Henrique Apolinario - Diretor Técnico de Saúde I do Núcleo de Atenção à Saúde do Centro de Progressão Penitenciária(CPP) de Valparaíso
Ainda durante a audiência pública, o enfermeiro do CPP de Valparaíso Fernando Henrique Apolinário, mestre e doutorando em enfermagem pela Universidade Estadual Paulista(Unesp), explicou que a população carcerária é vítima de doenças infectocontagiosas como o HIV, a tuberculose, a hepatite B e a gripe, além de transtornos mentais e que os agentes, por terem contato com os detentos para fazer sua movimentação dentro da unidade prisional, também estão sujeitos a contraírem essas e outras doenças.
Esse cenário pode ser ainda pior com a entrada das visitas dos presos, que também podem espalhar essas doenças para outros lugares. Então, como evitar esse problema?
“O município onde fica a unidade prisional será atingido por surtos dessas doenças se não houver ações de prevenção, o que passa por aplicar de imediato a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). A política de saúde pública no Brasil inclui o sistema prisional e a função do núcleo de saúde das unidades é garantir que os programas de saúde cheguem aos presos”, afirmou Fernando Apolinário.
O enfermeiro ainda afirmou que nem todas as unidades prisionais paulistas dispõem de farmacêuticos, dentistas, médicos e outros profissionais de saúde, reiterando que apenas a presença de uma equipe completa pode oferecer o tratamento de saúde multidisciplinar indispensável ao bom funcionamento do sistema.
Marta de Lima, Psicóloga da Coordenadoria de Reintegração Social da SAP
A psicóloga Marta de Lima, que atua há seis anos na Coordenadoria de Reintegração Social da Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) frisou que todos os trabalhadores são agentes de reintegração e que o trabalho dos psicólogos, assistentes sociais e outros funcionários das áreas meio deve ser feito em conjunto com os funcionários da segurança.
Ela informou que a reintegração social é difícil de ser realizada por falta de técnicos e pela estrutura deficitária característica das unidades prisionais brasileiras. “O principal trabalho da psicóloga no sistema é defender a reintegração social do detento, entretanto a avaliação inicial desse preso não é realizada, tampouco a criminológica, o que seria fundamental para embasar nosso trabalho enquanto durar a reclusão desse sentenciado”, explicou.
Segundo Marta de Lima, a falta de psicólogos e de assistentes sociais em algumas unidades é uma das principais dificuldades enfrentadas pelos profissionais para fazer o seu trabalho. Reside na defasagem salarial a maior razão desse déficit, já que os vencimentos pagos pela SAP são pouco atrativos diante da enorme carga de trabalho.
“Ainda assim, conseguimos organizar os presos em grupos e elaborar projetos que possibilitam a reintegração social e o cuidado com a saúde mental dos detentos, que influencia também na nossa”, refletiu a psicóloga.
Equipe do Grupo de Intervenção Rápida(GIR)
O Grupo de Intervenção Rápida (GIR) é uma equipe formada por agentes de segurança penitenciária e agentes de escolta e vigilância penitenciária que se tornou uma referência para a segurança e a resposta emergências dentro das unidades prisionais paulistas, fatos que foram refletidos nas falas de alguns de seus componentes que estiveram presentes na audiência pública.
Os membros do GIR falaram em diferentes momentos sobre uma grande preocupação com a segurança acima de tudo, sobre as formas de intervenção nos momentos de maior dificuldade, sobretudo em rebeliões, mas sempre ressaltando que integridade física do preso deve ser respeitada.
O GIR possui técnicas de intervenções próprias, as quais diversos grupos semelhantes do Brasil e do exterior têm interesse em aprender e têm acesso a partir de cursos ministrados pela equipe. Dentro da disciplina do GIR, devem ser observados a possibilidade potencial da criação de outros grupos especializados na categoria.
Para ser encampado pela SAP e passar a fazer parte do cotidiano das unidades prisionais paulistas, o GIR precisou lutar muito até que chegasse ao momento em que está hoje, quando se tem a clareza de que muitos de seus trabalhos e a cultura de organização e reação a crises acumulada ao longo de mais de uma década de expertise e conhecimento do sistema podem colaborar para que as unidades estejam mais seguras.
O treinamento físico, o tratamento psicológico, as especializações de células de trabalho e o acúmulo de conhecimento sobre a história do sistema penitenciário, inclusive para o enfrentamento do crime organizado, são alguns dos fatores que precisam ser observados por integrantes do GIR para que a equipe ofereça a melhor resposta exigida em cada oportunidade em que for acionada para agir.
Talita Pereira - Oficial administrativo
Outro dos segmentos que teve a oportunidade de apresentar ao público algumas das dificuldades enfrentadas ao longo do dia a dia de sistema foi o dos oficiais administrativos, que na audiência foi representada por Thalita .
Visivelmente emocionada, ela esclareceu à sociedade paulista o drama da desvalorização desses servidores, que sofrem com os péssimos salários, a pressão constante por resultados, a falta de cursos de aperfeiçoamento e capacitação, o não pagamento de gratificações semelhantes à de agentes que acumulam a mesma função e a desorganização da carreira, que é regida por lei semelhante à de servidores que atuam em outras secretarias.
Otaviano Alves Ferreira Filho - Agente penitenciário desde 1982
Otaviano Alves Ferreira Filho, que há 36 anos atua no sistema prisional paulista, falou a respeito do desgaste emocional e da construção do sistema penitenciário feita pelas garras da categoria. Defendeu a profissionalização do trabalhador do sistema penitenciário como uma aposta certeira a ser feita pela sociedade paulista e brasileira.
“Muito do que se avançou foi feito por aqueles que sozinhos levaram a ferro e fogo a formação do sistema e muitas vezes lutando contra a indiferença ou desinteresse de muitos, fizeram surgir diversos instrumentos no sistema penal, seja no que tange à ressocialização, seja na ação de inteligência e maior desenvolvimento penitenciário”, afirmou em seu relato.
Candidatos aprovados em concursos provam da luta antes mesmo de ingressar na carreira
Ainda houve tempo para que candidatos aprovados em concursos públicos realizados em 2013, 2014 e 2018 para o preenchimento de cargos das carreiras de ASP, AEVP e das áreas meio(enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais) pudessem se manifestar a favor da nomeação imediata dos futuros servidores, sobretudo dentro desse cenário de precariedade apresentado ao longo da audiência, o que passa pelo déficit de funcionários e pela superlotação das unidades.
AEVPs e oficiais operacionais
Representantes de agentes de escolta e vigilância penitenciária(AEVPs) e oficiais operacionais(motoristas) também foram convidados a participar do evento mas infelizmente não puderam comparecer por incompatibilidade de agenda.
Essas duas funções, sobretudo no que se refere ao transporte de detentos para audiências e em transferências de unidades prisionais, também são submetidas a condições de muita pressão e risco, o que faz com que o SIFUSPESP, enquanto representante de todas as carreiras que integram o sistema prisional, também tenha se posicionado para que esses profissionais tenham reconhecido seu trabalho e sua colaboração para o bom funcionamento do sistema.
Representantes políticos
Na esfera política, além do deputado Carlos Giannazi(PSOL) também esteve presente no evento Renato Donato, assessor de gabinete do deputado Caio França(PSB) e ex-agente penitenciário, que também fez uma fala contra a proposta de privatização do sistema.
Ainda participou da mesa o deputado estadual Sargento Neri(AVANTE). eleito para atuar na Alesp pelos próximos quatro anos, que se dispôs a colaborar para que os trabalhadores penitenciários sejam bem representados no legislativo paulista e alcancem seus objetivos apontados ao longo da audiência.
Fechamento da audiência revela espírito de organização, capacidade e luta
Fábio Jabá encerrou os trabalhos sintetizando o esforço e espírito de luta observado na audiência e que se percebe na categoria por todo o estado de São Paulo, "o sistema penitenciário possui: vozes, talentos, inteligência, coragem e força. Queremos construir juntos. Somos capazes. Temos armas para isso. Estamos unidos e organizados".
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