Um profissional com uma função mal compreendida, sofrendo com a falta de investimentos do Estado e ator principal -desconsiderado- da ressocialização do apenado, parte fundamental para garantir parâmetros de segurança e de sociabilidade
Ser assistente social dentro de uma penitenciária é enfrentar conflitos, desde a natureza de sua função, até a falta de conhecimento por parte dos funcionários e da população do que ela realmente trata. É negada a importância da existência do trabalho realizado por este profissional como funcionário da Secretaria de Administração Penitenciária(SAP), e portanto necessário para o andamento do sistema penitenciário.
O assistente social é o servidor responsável por cumprir parte das principais diretrizes da Secretaria, ou seja, fazer cumprir a Lei de Execução Penal (LEP), ressocializar e reinserir ao apenado após o cumprimento da pena. Esse é um dos pontos mais questionados a respeito do Sistema Prisional, diz-se que ele não funciona como agente ressocializador.
O afastamento dos agentes ressocializadores da nova lei do Sistema Único de Segurança Pública, sancionado em junho pelo Presidente Temer é uma demonstração da falta de entendimento da função do Assistente Social e de como ela deve estar entrelaçada ao Sistema Prisional, já que possui um manejo específico para este caso. Ou seja, valorizar o sistema penitenciário e garantir que ele possa ser aperfeiçoado, passa por pensar o papel deste trabalhador.
Dentro disso existe um preconceito, por vezes inconsciente advindo de sua formação histórica, já que a princípio o profissional era visto dentro da prisão como “aquela pessoa boazinha (geralmente mulheres) que era paga pelo estado para ter dó do preso”. É o que afirma a assistente social e funcionária do sistema prisional do Estado de São Paulo, Márcia Aparecida Oliveira.
“O serviço social também teve como elemento constitutivo e fundante da profissão princípios cristãos de caridade e moralização, fundados no catolicismo e nas políticas de Getúlio Vargas – que estabelecia sua plataforma de direitos trabalhistas com vistas a conter a crescente revolta dos trabalhadores, explica Márcia que continua:
“Foi nessa época que se iniciou então a doutrina da responsabilização do indivíduo pela sua própria dificuldade de sobrevivência, desviando-se o olhar para o sistema reprodutivo de miséria e exclusão que é o próprio capitalismo brasileiro. Iniciou-se o sistema “RE” – regeneração; reintegração, reeducação, reinserção e vai por aí afora, como se toda a responsabilidade da exclusão pertencesse ao indivíduo e sua falta de moralidade”, diz.
Esse misto de caridade e repressão ficou enraizado na imagem do serviço social. Mas os assistentes sociais da atualidade entendem a criminalidade como expressão, decorrência da questão social, assim como o são o desemprego, a miséria, a ignorância e a violência. Assim sendo, pode-se entender que a principal função do assistente social dentro da prisão é à garantia de direitos – apesar de todas as contradições implicadas aí.
No cotidiano carcerário os assistentes sociais se deparam com as mais variadas questões relacionadas ao cenário acima mencionado, pois o indivíduo preso nada mais é do aquele que não “se enquadrou” no sistema econômico, “não respeitou os ditames sociais e as regras da sociedade normativa”, dentro de um sistema cujo conjunto legal existe para proteger os interesses do capital e do patrimônio e não os interesses e necessidades dos indivíduos.
Os assistentes sociais como profissionais que têm condições de fazer a leitura crítica dos fenômenos sociais e entendem que esse “desrespeito” ou “dificuldade de reconhecimento e acatamento de regras” tem sua gênese na falta de trabalho, de educação, de representatividade, de visibilidade, de saúde e de todas as outras faltas.
“Nossa interação com os presos e demais profissionais passam por essa lógica, mas deve ficar claro que não vitimizamos ou infantilizamos o praticante do ato criminoso, tirando dele a sua responsabilidade ou isentando o autor de seu protagonismo na ocorrência do delito. Entendemos que houve minimamente uma leitura dos acontecimentos por parte desse agente e uma adesão a uma prática que nos porões de sua consciência, ele guarda o entendimento do que seja certo e errado”, afirma a assistente social.
Essa compreensão é inevitável se queremos pensar formas de prevenção e redução de ambientes criminógenos. Também o aumento do número desses profissionais pode levar também a ampliação desses mesmos de forma a integrar programas também favoráveis aos trabalhadores do sistema.
Unificação
Apesar da existência de alguns fatores que podem ser considerados avanços para alguns, como a própria constituição da Lei de Execução Penal(LPE), a conjuntura atual não contempla o bom cumprimento a lei. É necessário pensar segurança pública e na reinserção social integrados, um não existe sem o outro. E quando se aponta que há vontade política para melhorar a segurança pública, um dos fatores determinantes é entender o que ocorre nas prisões.
Por essa razão, o Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo(SIFUSPESP) luta por um sindicato unificado, composto por todas as categorias, que foram separadas pela SAP entre área fim e área meio, porque elas são interdependentes, e devem compor equipes com diferentes potenciais e uma mudança na gestão prisional. O Estado de São Paulo apresenta essa falha que “quebra” as engrenagens do funcionamento do sistema penitenciário.
O momento é propício para a reivindicação de uma Lei Orgânica unificadora, que tenha uma visão de interdependência entre as funções exercidas, estabeleça regimes mais adequados para a realização do trabalho nas unidades, incluindo garantias mínimas de trabalho, ganho e tempo de descanso. Além do que, é um agente facilitador na luta por reajuste salarial, plano de carreira, novas contratações e da própria reestruturação do sistema prisional.
O corpo funcional como agente principal do funcionamento do mesmo sistema, necessita estar unido em favor da sua manutenção e sobrevivência, já que o cenário aponta para uma possível privatização primeiro em parte depois de todo o setor, quando construirem tais unidades e avançarem com propaganda e lobbie político contra todo o sistema.
É necessário compreender a complexidade e a necessidade de cada função, cada atividade e cada trabalhador penitenciário, inseridos em um discurso unificado a respeito do que se espera e se deseja do Estado e formas para manter seu trabalho de forma a melhorar o sistema e então colocar nossa categoria em outro patamar (como fez o Ministério Público e a Polícia Federal no passado). Também, a fim de que o discurso da culpabilização do trabalhador do sistema prisional seja contradito com argumentação sensata.
O Estado não investe ao mesmo tempo que impossibilita o investimento no setor, e a “culpa” na fala da mídia atual, sobrevém ao funcionário público, que todo tempo passa por processos administrativos. Formadora de opinião, a imprensa de massa acaba moldando a opinião pública contra o trabalhador penitenciário, tratando a nós como corrupto, constantemente envolvido em contravenções, incompetente, aqui podemos citar o assistente social como não cumpridor da atividade ressocializadora, irresponsável quando tem uma viatura de transporte envolvida em algum acidente.
A ausência de uma estrutura que torne o cumprimento do dever possível, inclusive dentro da legislação que o rege, o funcionário penitenciário vê-se refém da sobrecarga de trabalho, acúmulo de funções e condições precárias. Todos os trabalhadores do sistema prisional paulista enfrentam a mesma realidade de precarização e abandono. Por isso, a luta por conquista de direitos só faz sentido quando realizada por todos. Toda categoria é parte essencial dessa engrenagem.
O sindicato somos todos nós, unidos e organizados. Filie-se!