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A história de vida de um Oficial Operacional brevemente contada, representando a história de vida da categoria

 


Sérgio Palazon, Oficial Operacional Motorista, servidor do Estado de São Paulo pela Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) há 18 anos, hoje atuante na Penitenciária II de Franco da Rocha. Como muitos que ocupam o mesmo cargo exercido por ele, nomeados por meio de concurso para cumprir seus deveres, encontra-se em situação de sobrevida devido a desvalorização da carreira. “Para o governo somos apenas um número”, desabafa Palazon.

Palazon é um jovem senhor, pai de dois filhos e marido. Adjetivos costumam ser palavras evitadas em textos jornalísticos, mas é um fato, é um senhor cansado, ainda presente na vida por meio do grito. O principal mantenedor de sua família, como a maior parte dos trabalhadores do sistema prisional, ainda com alguns anos de trabalho a percorrer até sua aposentadoria. E uma aposentadoria com cálculos certos de um valor irrisório.    

Após passar por quatro cirurgias, consequência de obesidade mórbida adquirida por motivos emocionais decorrentes do trabalho, principalmente após passar por uma sindicância, processo administrativo disciplinar, utilizado para fins de investigação de alguma possível “transgressão” realizada no trabalho. Os processos administrativos na tradição penitenciária parecem manter uma mesma fórmula seja de antes como depois de nossa Constituição de 1988, o pouco zelo no uso “excepcional” deste tão radical dispositivo. Palazon provou sua inocência, mas o estresse gerado fez com que ele passasse de 90 para 200 quilos num curto período de tempo. A cirurgia bariátrica seria, a princípio, a solução para sua sobrevivência.

“Entretanto houve complicações na chamada “redução de estômago”, cirurgia de alto risco. E depois dela, foram necessárias mais três cirurgias reparadoras. Sofri um esgotamento psicológico com idas e vindas ao hospital. Emagreci, cheguei a 80 quilos, e faço tratamento psicológico”, conta.

Existe um peso carregado por quem sofre de problemas emocionais de que aquilo pelo o que ele passa não é doença. Essa desconsideração acontece fora e dentro do trabalho, e dificulta a recuperação do doente. Algumas  pessoas ainda não associam problemas emocionais como doença, entretanto eles são inclusive, incapacitantes.

“Muitas vezes, ainda tenho crises e não consigo ir trabalhar porque fico muito mal. E não é frescura, é doença. E a vida não para, dentro do trabalho continuo a enfrentar diversos problemas. E na vida parece que quando estamos mal, tudo acontece. Devido a problemas burocráticos, trâmites de documentação, coisas que perpassam meu entendimento, tive meu salário bloqueado por dois meses. Mais pressão, mais estresse. Eu sustento minha família e eu fiquei sem combustível para me locomover até o trabalho. O que também não é um luxo. Para chegar da minha casa até a unidade em que trabalho, não existe transporte público”, explica o oficial.

Palazon já teve de dois a três empregos paralelos como reforço a renda, do contrário não teria condições de sobrevivência. Atualmente, diante de seu estado físico e mental, além da idade, lastima não poder fazer mais.

“Estou esgotado e toda a sobrecarga de trabalho que eu tive durante a vida na penitenciária e simultaneamente, resultaram em problemas graves de saúde. Eu mal consigo ainda fazer o meu. Com um salário de dois mil reais eu vou manter minha família como?”, indaga e continua:

“De gastos básicos, como água, luz, telefone, gás, sem contar a comida, são 600 reais. Com as dificuldades que surgem na maioria das famílias, acabamos recorrendo a empréstimos até o limite, o que compromete o salário. Hoje em dia eu recebo mil e trezentos de salário líquido. Gasto 300 reais de combustível para ir trabalhar. Como faço para alimentar a mim e minha família com 400 reais?”, indaga. 

Palazon é um sobrevivente do sistema penal brasileiro, da gestão da secretaria do Estado de São Paulo, mas como muitos da categoria, encontra-se adoecido. Ele não é apenas um número, mas representa uma centena de trabalhadores que ultrapassam limites para sobreviver num contínuo trabalho de risco, sob sobrecarga de trabalho pelo déficit funcional, desmotivado pelas condições salariais.

Existem, assim como ele, servidores públicos que mantém sua integridade profissional às custas da saúde, ou mesmo da própria vida. Trata-se de uma desconstrução do humano, da valorização da função exercida e de toda uma categoria profissional invisível. Como ele diz, “jogada pelo governo”. Um profissional pode ser substituído, mas uma vida não. E muitas já se foram.
                                    

 

Uma trama armada
Ao que parece, o corpo funcional do sistema penitenciário paulista encontra-se embrenhado em uma trama de difícil compreensão para quem não pertence a ele. Necessário é que governantes e a própria população, que se beneficia do trabalho do servidor, compreenda o sistema prisional para que mudanças significativas ocorram. Além, da necessidade da vontade política. A SAP tem conhecimento de todos os problemas que perpassam os trabalhadores.

Desde a “Penitenciária do Estado”, o conhecido “Carandiru”, na época vista como unidade modelo para o Brasil, que chegou a ser considerada um dos cartões postais da cidade de São Paulo e inclusive aberta à visitação; até a sua queda e reformulação administrativa, assim como a definitiva passagem da responsabilidade das unidades prisionais, como de seu funcionamento e de profissionais à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) houve necessidade de mudanças em todas as instâncias.

Quando coordenados pela Secretaria de Segurança Pública, os motoristas não dirigiam mais carros sem giroflex. A prova prática do concurso de muitos deles foi realizada com um carro popular comum. Era um caminhar de trabalho diferente. Entretanto mudanças ocorreram e as obrigatoriedades dos motoristas também mudaram, inclusive a necessidade de dirigir viaturas ou “carros maiores”, com exigência de maior especificidade na carteira de motorista. Mas nem tudo foi regulamentado.

Poucas contratações, aumento da população carcerária, e a queda do número de profissionais oficiais necessários para a prestação desses trabalhos, trouxeram como consequência o “uso” do ASP ocupando tais cargos. Estes que também sofrem sobrecarga dentro das unidades e muitas das mazelas abusivas que acometem aos oficiais operacionais. O fato é que isto piora a situação dos oficiais, já que permanecem sem plano de carreira, contratações não aconteceram, que dirá novos concursos, além do trabalho defasado. Os chamados oficiais operacionais, onde enquadram-se não apenas motoristas, mas oficiais administrativos, de manutenção, eletricistas, espalharam-se pelas novas unidades que nasciam. Atualmente são poucos, geralmente substituídos.

Aqui, tratando especificamente dos oficiais motoristas, podemos citar a Lei 13.100/2015, a qual afirma que todo motorista que dirige viatura com giroflex, ou que trabalha com transporte de preso, exerce trabalho de atividade policial. Portanto, possui direito ao RETP (Regulação Especial de Trabalho Policial), um adicional pelo exercício da função desta natureza. Entretanto, apenas ASPs e AEVPs o recebem. Esta é uma das lutas da categoria, negadas pela SAP em 2011.

Os Oficiais Operacionais querem ser reconhecidos pela SAP como a própria escolta, entretanto consideram-se colocados à parte. E em meio a tudo isso, na falta de um ASP que o acompanhe, o servidor vai sozinho e desarmado - já que o direito ao porte de arma se dá fora do horário de serviço- carregar os presos, entregar, trazê-los. Assinar por tais responsabilidades que não são deles. Desvios de função, que em contrapartida estende-se também aos ASPs que dirigem. A função de motorista e a função de segurança durante o trajeto, a chegada e a volta dos presos, seja para onde for. Existe uma dependência de um trabalho não apenas de transporte, mas de segurança exercida pelo Oficial Operacional. A segurança pública também necessita da boa execução do trabalho deste profissional esquecido e desvalorizado.



Gestão de guerra - dividir para governar

Denota-se, no caso da administração que há anos não apresenta algo novo, falta de planejamento público de anos que considere além de ajustes, além de adaptações, além de arremedos, considere o respeito à dignidade humana de servidores, objetivos claros e de curto, médio e longo prazo e portanto, deixe de dar pouco apreço a transparência administrativa. E como se não bastasse agora se fabrica novamente o discurso de privatização de setores e unidades prisionais.

As idas e vindas de funções por falta de profissionais causam sobrecarga nos servidores, que trabalham sem seguir o que a lei que regulamenta a sua profissão determina e frustra, já que faz-se além daquilo pelo o que se recebe. Em outras organizações estatais, o “desvio de função” já foi enfrentado e solucionado em parte, o profissional passa a receber pela função exercida, tendo posteriormente o valor incorporado aos seus vencimentos.

Entretanto, a SAP parece não coordenar-se de maneira adequada. Sempre falta algo. Os desvios de função que por situação de fato deveriam ser temporários, acabam por estabelecer-se como forma de gestão em que se coloca os trabalhadores em estado de guerra, já que  muitas vezes realizados mediante ameaça, ou do chamado “assédio moral”, assunto que deveria ser enfrentado como problema de gestão pública, já que é gerador de sobrecarga e adoecimento, também. Não existe um levantamento do número de Processos Administrativos Disciplinares (PADs), mas certamente são evitados quando caminha-se sob uma regulamentação plausível e onde exista confiança para que denúncias sejam realizadas.

A trama armada está aqui: Oficiais Operacionais, ASPs, AEVPs e demais profissionais da área meio caminham insatisfeitos e trombando um nos outros, descoordenadamente num misto de obrigações indefinidas ou definidas de maneira irregular e improvisada. Desvalorizados, não assistidos, impelidos a fazer o que não deveriam. É mais fácil culpar quem se vê, surgindo uma certa “desunião” implícita entre os funcionários do sistema prisional paulista. Isto é consequência de um Estado que fragiliza cada vez mais o servidor público. A sensação de solidão e impotência é o que resta, além de todos os problemas de saúde e dificuldades financeiras.

Como ponto importante a ser colocado dentro desta longa análise e reflexão apresentamos que um profissional invisível e considerado obsoleto (o que é uma inverdade) é facilmente trocado ou terceirizado. E as leis que possibilitam este fato no Estado de São Paulo e em todo território nacional estão prontas para serem votadas e possivelmente aprovadas. Com o apoio da população que só enxerga a “verdade” repetida de que o mau funcionamento do serviço público é culpa do servidor.

 

Luta organizada
Nossa arma neste momento é a unidade em torno de nossos direitos e na defesa de companheiros que são ameaçados por desvios ou pelo crime organizado. Para nós, os trabalhadores e quem conhece nossa categoria sabe: o medo é um vizinho que enfrentamos diariamente, e nos faz mais fortes.

Palazon, assim como outros Oficiais Operacionais denunciam todos os problemas de desvios de função na corregedoria da Secretaria de Administração Penitenciária e encontram cada vez maior apoio da categoria unificada. O processo corre em segredo de justiça. Outros oficiais motoristas também têm buscado a justiça com processos de denúncia contra o Estado.

Embora o andamento seja moroso, existe uma esperança de um acerto por meio da legalidade. O Estado não tem levado em consideração por anos consecutivos o trabalho dos oficiais, o acúmulo de funções e os riscos que os servidores assumem no trabalho. A SAP tem conhecimento, assim como os demais trabalhadores. Dizer que se trata de descaso é mais assertivo do que dizer que o Estado não vê.

 

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Errata

Ao contrário do que afirmava a matéria publicada em 26/08, o bloqueio do salário do servidor Sergio Palazon não ocorreu em virtude de um erro do Centro de Recursos Humanos da Penitenciária II de Franco da Rocha.

Segundo o próprio Palazon, o problema teve origem na falta de conhecimento de alguns trâmites burocráticos obrigatórios por parte do servidor, que em virtude de sua condição de saúde não efetuou seu recadastramento e acabou ficando sem receber seus vencimentos.

Conforme informou o oficial operacional ao sindicato, seu intuito “não foi maldizer o trabalho da unidade prisional em que trabalha, apenas relatar um momento de dificuldade quanto à defasagem salarial e problemas de saúde ocasionados por estresse”.

Pela nova redação, o trecho do parágrafo está redigido da seguinte forma:

“Muitas vezes, ainda tenho crises e não consigo ir trabalhar porque fico muito mal. E não é frescura, é doença. E a vida não para, dentro do trabalho continuo a enfrentar diversos problemas. E na vida parece que quando estamos mal, tudo acontece. Devido a problemas burocráticos, trâmites de documentação, coisas que perpassam meu entendimento, tive meu salário bloqueado por dois meses.”



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