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Dissertação de mestrado de Fernando Apolinário, que atua há nove anos no CPP de Valparaíso, se tornou referência internacional e aborda relação e conflitos entre profissionais de saúde, presos e agentes de 19 unidades da região oeste do Estado

 

Apresentar evidências científicas dos conflitos que os enfermeiros enfrentam ao realizar os cuidados da saúde de pessoas presas, comparando o trabalho dentro e fora dos muros é a base da pesquisa realizada pelo servidor Fernando Apolinário. O trabalho aborda  dificuldades do exercício de algumas funções de serviço público que se exige legalmente que o Estado forneça para, com isso, poder manter as pessoas sob o regime prisional.

Foi a partir dessa premissa que o servidor de 38 anos, que se dedica desde 2009 ao setor de enfermagem do Centro de Progressão Penitenciária(CPP) de Valparaíso, desenvolveu sua dissertação de mestrado na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista(UNESP) de Botucatu. A dissertação se tornou um livro, já publicado em inglês e lançado em dezembro de 2017.

“Percebi que havia muita diferença na forma de lidar com um paciente em uma unidade básica de saúde ou unidade de terapia intensiva e a realidade da unidade prisional, onde além de ter de cuidar da saúde do detento você precisa estar atento às regras de segurança e disciplina da unidade, dialogando de forma nem sempre harmônica com os responsáveis por esse setor”, relata o enfermeiro e escritor.

Para o trabalho, o servidor fez entrevistas com 35 colegas de profissão de 19 unidades prisionais distintas, todas elas pertencentes à Coordenadoria Penitenciária da Região Oeste do Estado de São Paulo.

A tese obteve enorme repercussão junto à comunidade científica internacional, que publicou o trabalho do enfermeiro na revista Imedical Society com o título Challenge And Perception Of The Meaning Of The Nurse’s Job In The Brazilian Prison System. Em português, a dissertação intitulada SIGNIFICADOS ATRIBUIDOS POR ENFERMEIROS À ASSISTÊNCIA QUE PRESTAM A INDIVIDUOS EM SITUAÇÃO PRISIONAL está disponível gratuitamente para leitura no link: https://repositorio.unesp.br/…/…/11449/108572/000755489.pdf…

Finalmente, em 26 de dezembro último, o servidor conseguiu transformar a tese em um livro, lançado pela editora LAP Lambert, da Alemanha. O conteúdo impresso foi lançado apenas em inglês e está disponível para compra neste link

Ainda em busca de reconhecimento de seu trabalho no Brasil, Fernando Apolinário - agora cursando doutorado pela mesma UNESP - concedeu entrevista exclusiva ao SIFUSPESP, onde relata os desafios de lidar com a população privada de liberdade e o relacionamento com os agentes de segurança penitenciária dentro da ética e das responsabilidades que envolvem a profissão.

 

Imprensa SIFUSPESP: Como surgiu a ideia inicial de fazer esse livro?

Fernando Apolinário: Esse livro é fruto da minha dissertação de mestrado e surgiu do  início do meu trabalho como enfermeiro no sistema prisional, quando me deparei com os contrastes que existem nesse sistema.

Tendo a experiência de prestar assistência a pessoas fora da prisão, comecei a questionar o que significava a assistência de enfermagem para os privados de liberdade e para os enfermeiros que os atendiam.

A minha pesquisa de mestrado buscou evidências científicas dos conflitos éticos e bioéticos que os Enfermeiros enfrentam para realizar os cuidados em saúde da pessoa privada de liberdade

 

Imprensa SIFUSPESP: Você trabalhava anteriormente em outro tipo de atendimento à saúde?

Fernando Apolinário: Eu trabalhei muito tempo na Unidade de Terapia Intensiva(UTI) de um hospital da Santa Casa de Adamantina, além de trabalhar no Pronto Socorro Municipal e no Centro de Saúde de Andradina, ambas no interior de São Paulo.

 

Imprensa SIFUSPESP:  De que maneira o seu olhar para esse trabalho mudou antes e depois de vivenciar essas experiências?

Fernando Apolinário: O resultado da pesquisa mostrou que dentro do sistema o enfermeiro necessita ter outros conhecimentos que vão além dos problemas de saúde.

Em Unidade Básica de Saúde o enfermeiro cria um vínculo com o seu paciente, pois este faz parte da ação da assistência do enfermeiro, que busca nesta relação promover seus cuidados, tais como a educação em saúde, a adesão ao controle de tratamento principalmente das doenças crônicas.

Já na Unidade Prisional não existe esse vínculo, essa aproximação com seu paciente, não existe toque, aperto de mão, isso tudo contrasta muito com a realidade de saúde pública externa.

 

Imprensa SIFUSPESP: Que tipo de desafios diferentes dos encontrados fora dos muros o enfermeiro precisa enfrentar quando lida com a população presa?

Fernando Apolinário: Os desafios que minha pesquisa evidenciou se deram principalmente na relação não muito harmoniosa com a Segurança e a Disciplina das unidades. Os dados colhidos nos lugares que visitei mostraram que há um contraste entre esses dois setores.

Estamos falando de unidades de sistema fechado, e assim o objetivo é que o preso não fuja ou não cometa um ato de indisciplina ou uma rebelião. Mas o que evidenciamos é que nem sempre os conflitos que existem entre as pessoas envolvidas tem a ver com a segurança.

Acredito que ela acontece porque existe uma visão própria dos funcionários da segurança com relação à pessoa privada da sua liberdade, por exemplo, quanto ao excesso de atenção destinada por nós da saúde aos presos, ou quando eles estão circulando muito pela unidade. Os agentes não concordam porque eles têm uma visão diferente.

Assim, os enfermeiros relatam que há dificuldade em prestar a assistência por verem que existe uma diferença cultural no olhar dos agentes penitenciários, muito mais do que uma questão de segurança.

Outro aspecto que evidenciamos que acho de extrema importância para a profissão dos enfermeiros é “o que” significa cuidar de uma pessoa presa. Na minha opinião, o trabalho foi incrível, porque os enfermeiros têm um olhar de cuidador, uma visão de prestar o cuidado indiferente da condição de detento.

Contudo, o trabalho também evidenciou que para realizar a prática do cuidado os enfermeiros muitas vezes praticam ações que vão além de suas atribuições técnicas nas unidades onde o profissional médico está ausente, evidenciando mais uma vez como o enfermeiro preocupa-se com o cuidado da pessoa humana.

 

Imprensa SIFUSPESP: Quais melhorias você acha que precisam acontecer no sistema prisional para que os enfermeiros e outros profissionais de saúde possam ter melhores condições de trabalho? Mais treinamento, aumento do número de funcionários, redução da superlotação? Que outros fatores você considera fundamentais para essas mudanças?

Fernando Apolinário: O sistema tem crescido a cada dia, os problemas são inúmeros, e a sociedade precisa saber o que se passa dentro das unidades prisionais. A população precisa saber não só sobre a questão da violência, das apreensões e das rebeliões.

Existe dentro da unidade uma gama de profissionais realizando um trabalho fenomenal que precisa ser reconhecido. Um exemplo desse trabalho é o controle e o acompanhamento que são realizados para os presos que são doentes crônicos, entre eles hipertensos, diabéticos, e os que fazem tratamento de HIV.

Os enfermeiros realizam testes rápidos onde o diagnóstico da contaminação pelo vírus da AIDS pode ser feito na hora. Existe ainda um trabalho premiado pela Secretaria Estadual de Saúde, que é o controle da tuberculose, doença muito comum entre os presos que pode afetar a todos os que atuam no sistema.

Para mim, as melhorias começam com o reconhecimento desses profissionais, reconhecimento de que os funcionários da saúde são funcionários do Sistema Prisional. Assim, eles são tão importantes quanto os agentes que tratam da segurança e da disciplina.

Esse reconhecimento precisa vir também com o pagamento de salários dignos diante da complexidade que é a prática assistencial de saúde dentro de uma Unidade Prisional.

Digo isso pois esse trabalho vai muito além de entregar um comprimido a um preso. É preciso oferecer aos profissionais da saúde e ao corpo funcional como um todo treinamento e capacitação. Só assim teremos melhores condições de agir.

 

Imprensa SIFUSPESP: Quais são os próximos passos do livro?

Fernando Apolinário: Agora a ideia é buscar uma editora que se interesse em publicar o livro no Brasil e assim poder atingir um público mais amplo de enfermeiros, técnicos de enfermagem e pesquisadores da área de saúde para que eles tomem contato com a realidade do sistema prisional e possam se interessar cada vez mais pelo que acontece dentro dos muros.

 

Biografia - Fernando Henrique Apolinário

  • Enfermeiro da Penitenciária de Valparaíso desde 2009
  • Formado em Enfermagem pelo Centro Universitário de Adamantina
  • Mestre e Doutorando em Enfermagem pela Universidade Estadual Paulista(UNESP) de Botucatu 

 

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