Ordens teriam partido de presos que cumprem pena dentro de prisões terceirizadas. Ligados à facção criminosa, detentos estariam retaliando morte de traficante em operação realizada no sábado (5). SINSPEAM diz que sistema prisional “está sob alerta total”, e FENASPPEN alerta sobre impactos na vida da população da gestão privatizada das penitenciárias, onde mais de 100 sentenciados foram mortos por rivais em 2017 e 2019.
por Giovanni Giocondo
Viaturas da polícia militar destruídas por coquetéis molotov, delegacias depredadas, ônibus consumidos pelo fogo e até postos de saúde e escolas alvos de ataques. Esta é a rotina de caos e violência que se abateu sobre Manaus e outros seis municípios do Amazonas desde domingo (6) e que se repetiram nesta segunda-feira (7).
O transporte público não funcionou e as escolas não abriram no primeiro dia útil desta semana, e até mesmo a vacinação contra a COVID-19 foi paralisada na capital pelo temor sobre a segurança da população. Pelo menos 21 veículos ficaram destruídos, sendo 14 deles ônibus e dois carros de polícia. A Força Nacional deve chegar ao Estado nesta terça.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, os atentados seriam uma retaliação do crime organizado à morte de Erick Batista Costa, ocorrida no sábado(5) durante uma operação policial no bairro Redenção, na capital. Ele é apontado como um dos principais integrantes de uma facção que comanda o tráfico de drogas no Estado.
Ainda conforme as investigações preliminares feitas pela polícia, a ordem para a deflagração dos ataques teria partido de detentos que cumprem pena em unidades prisionais do Amazonas. Cerca de 80% das unidades do regime fechado estão nas mãos de empresas privadas, entre elas a Umanizzare - majoritária, enquanto o Estado administra a pena dos detentos dos regimes semiaberto e aberto.
Consultado pelo SIFUSPESP, o presidente do Sindicato dos Policiais Penais e Servidores Penitenciários do Estado do Amazonas (SINSPEAM), Rossinaldo Silva, informou que o sistema penitenciário está sob “alerta total”. “Dentro está controlado, estamos agindo preventivamente para evitar que a situação nas ruas se alastre para os presídios, até porque existem informações de que os criminosos podem tentar promover ataques nas unidades e não podemos ser pegos de surpresa”, explica.
O sindicalista explica que a situação nas ruas é de terror, apesar de já estar mais “normalizada” após o reforço da segurança. “O Estado está amedrontado, as pessoas dificilmente saem de casa, e por isso mesmo precisamos estar atentos e monitorando a situação com o objetivo de impedir que novos atentados aconteçam nas penitenciárias”, pondera.
Massacres de 2017 e 2019 chocaram o Brasil .
Em janeiro de 2017, presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim(COMPAJ) em Manaus, assassinaram 58 detentos rivais com armas de fogo e facas. As armas haviam sido trazidas para dentro graças ao pagamento de propina a funcionários da empresa Umannizare e policiais militares, posteriormente indiciados e detidos pelo envolvimento no crime. As cenas bárbaras de homens decapitados e até de corações exibidos como “troféus” circularam pelo mundo. Relembre o caso aqui
Em maio de 2019, mais 57 sentenciados foram mortos por outros criminosos no COMPAJ, no Instituto Penal Antonio Trindade(IPAT), na Unidade Prisional de Puraquequara(UPP) e no Centro de Detenção Provisória de Manaus II(CDPM II), após um tumulto iniciado durante a visita de familiares. A carnificina só não foi maior porque o Grupo de Intervenção Penitenciária - criado após o caso de 2017 - conseguiu impedir parte dos ataques violentos. Saiba mais neste link
Para a FENASPPEN, em ambos os episódios ficou evidenciada a incompetência da Umanizzare e da Embrasil - gestora do CDPM II - na segurança do sistema prisional do Amazonas. Entre 2015 e 2019, só a Umanizzare recebeu R$836 milhões do governo estadual.
De acordo com relatório do Conselho Nacional de Justiça(CNJ) feito em 2017, cada preso no Amazonas custava em média R$4,7 mil por mês para os cofres públicos. Após os assassinatos daquele ano, em vez de suspensos, os convênios com a empresa Umanizzare acabaram renovados em 18 de dezembro de 2017.
Antes dessa prorrogação do convênio, o Ministério Público Estadual promoveu uma investigação e apontou a existência de "indícios de irregularidades como superfaturamento, mau uso do dinheiro público, conflito de interesses empresariais e ineficácia da gestão”.
FENASPPEN vê riscos à vida da população e clama por mais Estado no sistema
O presidente da FENASPPEN, Fernando Anunciação, lamenta que a população do Amazonas esteja mais uma vez sofrendo com as consequências da ausência do Estado no sistema penitenciário. “O Estado está sendo atacado porque falta Estado presente nas unidades. O sistema prisional não pode ser deixado de lado. Se isso acontece, a sociedade acaba se tornando refém da violência”, esclarece.
Anunciação recorda que esteve em janeiro de 2017 em Manaus e tentou por diversas ocasiões reivindicar junto ao então governador José Melo(PROS) - que teve seu mandato cassado em março daquele ano - a realização de concursos públicos para preenchimento de cargos na custódia e vigilância dos presos. Não houve nenhuma ação por parte do Estado.
A Federação e o SINSPEAM continuaram batendo nessa tecla com o sucessor de Melo, Amazonino Mendes (PDT), e sempre ponderou que essas nomeações reforçariam a segurança do sistema, além de deixar claro que não concordava com a terceirização da atividade policial, que por lei deve ser prerrogativa exclusiva do Estado. O governo permaneceu inerte.
“Também havíamos solicitado que a empresa Umanizzare cumprisse o que estava previsto em contrato, de atendimento digno da população carcerária no que se refere à sua saúde, alimentação, acesso à Justiça, das condições mínimas, até porque essa falta de atenção completa com os detentos acabou por ser um dos fatores que levaram àquela matança. Mas nada foi feito, e agora é o povo que está na linha de tiro”, completa o sindicalista.
Fernando Anunciação também informa que apesar de a Assembleia Legislativa do Estado já ter aprovado a Proposta de Emenda Constitucional(PEC) da Polícia Penal, o governador Wilson Lima(PSC) - que quando eleito em 2018 chegou a sinalizar com a realização de concursos públicos - até o momento não contratou nenhum servidor.
Para Rossinaldo Silva, a polícia penal, uma vez regulamentada, permitiria ao Estado economizar mais recursos financeiros e melhorar a segurança do sistema. Mas na opinião do sindicalista, existem interesses muito fortes que têm impedido que o texto tramite de forma mais rápida pelo Legislativo. “A PEC foi aprovada, e ainda precisamos prosseguir com nossos objetivos de tornar a pŕofissão dotada de valorização, treinamento e estrutura. Porém, é nítido que esses contratos milionários afetam o andamento das votações”, critica.
Custos para o governo federal
O presidente da FENASPPEN, Fernando Anunciação, também afirma que apesar de necessária em momento de crise grave, o envio para o Estado da Força-Tarefa de Intervenção Rápida (FTIP), do Departamento Penitenciário Nacional(Depen), além da Força Nacional, vai significar o dispêndio de altos custos para a União sem que haja um movimento por parte do Amazonas em mudar esse ciclo de violência e má gestão.
“O governo federal mais uma vez vai gastar dinheiro e levar para o Amazonas os melhores profissionais e o melhor aparato da segurança do país para apaziguar uma situação dentro dos presídios - e que explodiram fora deles - por ordem de criminosos, mas que foi criada exclusivamente em razão da ausência do Estado na gestão do seu sistema prisional. Por que o governo do Amazonas não ouve os policiais penais, muda a forma de administrar as penitenciárias e, assim, protege o povo da violência?”, questiona Anunciação.