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Texto de Tomás Chiaverinni para The Intecept Brasil 
publicado em 22 de Dezembro de 2017, 15h04


POUCO ANTES DAS 15h de uma quarta, 29 de novembro, havia apenas três deputados no plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Como um discursava sobre a possibilidade de o governo demitir 30 mil professores temporários e os outros dois compunham a mesa diretora, o plenário estava completamente vazio, ainda que o painel eletrônico registrasse 94 presenças e nenhuma ausência.

Nas galerias, de onde visitantes podem assistir aos debates e votações, havia apenas uma dezena de alunos de uma escola pública de Nova Europa, interior do estado. Eles acompanharam por alguns minutos o deputado que falava para as cadeiras vazias (e para a câmera da TV Assembleia), depois seguiram para outras dependências da casa.

O coração do legislativo paulista funciona a maior parte do tempo assim, quase que totalmente vazio, com exceção de quando há votações de interesse do governo. Aí a base aliada, que conta com 80% dos deputados, comparece em peso e aprova os projetos de Geraldo Alckmin (PSDB) em ritmo acelerado.

Há atualmente oito mil propostas de lei prontas, mas sem previsão de serem votadas.


Na legislatura atual, portanto a partir de janeiro de 2015, entre leis ordinárias e complementares, o governador presidenciável enviou 95 projetos. Todos aprovados. No mesmo período, o deputado Carlos Giannazi (PSOL), um dos parlamentares mais atuantes da casa, encaminhou 125 projetos. Aprovou onze:um orientava a diminuição de alunos em sala de aula, quatro diziam respeito à denominação de lugares (túneis, escolas, viadutos, etc), um dava o título de “utilidade pública” a uma associação beneficiente e cinco criavam dias em homenagem homenagem a algo, entre eles o dia estadual do violão na MPB.

A gigantesca diferença na taxa de sucesso tem a ver com o fato de que o plenário é, na prática, um grande teatro. Assim como na maior parte das casas legislativas, as decisões de fato são tomadas nas reuniões do colégio de líderes, que ocorrem a portas fechadas, às terças e quartas-feiras. Ali, as lideranças dos partidos, do governo e da minoria, decidem o que vai tramitar e o que vai seguir na fila. Como Alckmin tem a maioria e a presidência da casa, são raros os projetos de oposição que conseguem ir adiante. Há atualmente oito mil propostas de lei prontas, mas sem previsão de serem votadas.

“Permaneçam como estão”

O prédio da Alesp tem 50 mil metros quadrados e ergue-se em frente ao parque do Ibirapuera, num bairro nobre, longe do centro e com carência de transporte público – o que faz com que protestos e manifestações tornem-se raridade. Cada deputado recebe um salário de R$ 25,3 mil e pode contratar 32 pessoas a um custo total de até R$ 160 mil. O orçamento de todo esse sistema é considerável: R$ 1,1 bilhão ao ano para criar leis para o Estado e fiscalizar e controlar as ações do executivo.

O problema é que, como se vê pelo índice de aprovação de leis encaminhadas pelo governador, a Alesp funciona mais como um puxadinho do Bandeirantes do que como um poder independente dele.

Nesse sistema, curiosamente, a presença da maioria dos deputados não se faz assim tão importante. O regimento interno da casa e a Constituição Estadual oferecem certa liberdade aos políticos. Eles são obrigados a comparecer à Casa nas sessões ordinárias, que ocorrem às terças, quartas e quintas-feiras, mas podem justificar até quatro faltas. Se faltarem mais, passam a ser descontados.

O comparecimento, contudo, não tem de ocorrer exatamente na hora em que as sessões estão em andamento. Os deputados precisam apenas assinar a lista de presença, o que pode ser feito das 9h às 19h. Se houver 24 assinaturas, considera-se que há quórum para se discutir as leis do Estado e os trabalhos vão adiante. Às segundas e sextas, as sessões são deliberativas. Para que tenham início é preciso apenas doze assinaturas em lista e, uma vez que elas são atingidas, todos recebem presença.

O sistema de votação também ajuda nesse funcionamento modo piloto-automático. Quando há consenso, a tomada de votos ocorre de forma simbólica. Ao microfone, o presidente da sessão simplesmente pede que todos “permaneçam como estão”, caso aprovem determinada medida. Só quando não há consenso os parlamentares costumam solicitar a verificação de presença e os votos passam a ser computados no painel eletrônico. Nesses casos os deputados ausentes recebem falta mesmo tendo assinado a presença. A lista com essas assinaturas supostamente é pública, mas, na prática, apenas os deputados têm acesso a ela.

A Alesp informou que as presenças dos deputados só são divulgadas no fim de cada mês, depois de eles justificarem suas faltas. Mas não existe um balanço total de quantos deputados assinaram a lista. O que também não seria muito útil, porque as assinaturas não necessariamente correspondem à presença física. Ou seja, na prática é impossível saber quantos parlamentares de fato pisam no plenário com alguma frequência.

O espanto que isso pode causar em quem não está acostumado aos trâmites da política estadual não se estende a boa parte dos que trabalham diretamente na assembleia, aos (poucos) jornalistas que cobrem a casa, e à maioria dos deputados. Há um entendimento geral de que a política não necessariamente é feita na Assembleia, e pode ocorrer nas bases, em discussões com o povo, pelo interior do Estado.

Quanto aos que assinam a lista, mas não estão fisicamente no plenário, a justificativa também é simples: muitos dos deputados estariam na casa, mas, ao menos durante parte do expediente, ficariam ocupados nas comissões, onde os projetos são debatidos antes da votação final.

Na quarta em que havia apenas três deputados em plenário, quatro comissões funcionavam em paralelo à sessão ordinária. Três delas não tinham a maioria dos participantes presentes, e a falta de quórum inviabilizava qualquer tomada de decisão.

Uma das poucas que funcionava de fato era a Comissão de Constituição, Justiça e Redação, que serve como um primeiro filtro para todos os projetos propostos, avaliando se o conteúdo está escrito de forma aceitável e se não há nada que vá contra a Constituição do Estado.

Passava um pouco das 15h quando o deputado Roberto Trípoli (PV) pediu a palavra por uma questão de ordem. O projeto que era discutido, do deputado Sebastião dos Santos (PRB), autorizava o governador a instalar um restaurante Bom Prato em Barretos, cidade de origem do parlamentar.

“Está escrito em algum lugar que o governador precisa de autorização do poder legislativo para instalar um Bom Prato onde ele bem quiser?”, indagou o deputado.

Os demais deram de ombros, houve um período de desconforto seguido de um breve debate que jogou alguma luz sobre o impasse. De fato, o governador não precisa de autorização de ninguém para instalar restaurantes que oferecem refeições a preços populares onde bem entender.

O deputado Sebastião dos Santos provavelmente sabe disso, mas propôs o projeto mesmo assim. A peça nunca dificilmente irá para votação. Deve servir apenas para que o parlamentar mostre a seus eleitores que está lutando por um Bom Prato na região, ou algo do tipo. E, se um dia o governador resolver erguer o tal restaurante, certamente lá estará o nobre deputado, gabando-se de ter brigado bravamente pelo povo de Barretos.

A prática é bastante comum no legislativo nacional e propostas do tipo têm até um nome: são os projetos “autorizativos”. Os deputados que os defendem, argumentam que eles servem como um direcionamento ao executivo. Por meio do projeto de Sebastião Santos, o governador seria alertado da necessidade de um Bom Prato em Barretos.

Para Trípoli, a prática “ é um desperdício do nosso tempo. E de papel, de clips, de impressora, de energia elétrica. É um desperdício do dinheiro do contribuinte”, argumentou Tripoli. O projeto foi aprovado por 5 votos a 2 e seguiu para ser discutido na comissão seguinte.

 

Texto do Intercept Brasil, publicado no link: https://theintercept.com/2017/12/22/com-verba-de-r-11-bi-plenario-vazio-e-projeto-inutil-alesp-funciona-como-puxadinho-de-alckmin/

 

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