Policial penal, escritor e diretor de comunicação do SIFUSPESP, Marc Souza faz reflexão sobre o tema com base em evidências científicas e políticas públicas de saúde mental que demonstram que rede de apoio é fundamental para evitar suicídios de guerreiros do sistema prisional

 

por Marc Souza

O suicídio é reconhecido mundialmente como um problema de saúde pública, pois representa uma das principais causas de morte no mundo todo. Diante disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) instituiu em 2003 que o dia 10 setembro seria o dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) criaram a Campanha Setembro Amarelo em 2015.

A origem do Setembro Amarelo e do movimento de conscientização contra suicídio começou nos Estados Unidos após a história do jovem Mike Emme, de 17 anos, que apesar de parecer um garoto sem quaisquer problemas, veio a cometer suicídio. Inconformados por não terem notado sinais de que ele pretendia tirar a vida, no funeral, a família e os amigos do jovem Mike montaram uma cesta de cartões e fitas amarelas com a mensagem: “Se precisar, peça ajuda”. A cor amarela foi escolhida por que Mike era conhecido por, aos 17 anos, ter restaurado e pintado um Mustang 68 amarelo. Esta ação ganhou grandes proporções e expandiu-se pelo país onde os jovens passaram a utilizar cartões amarelos para pedir ajuda a pessoas próximas. Assim, a fita amarela foi escolhida como símbolo do programa que incentiva aqueles que têm pensamentos suicidas a buscarem ajuda.

No mundo, cerca de 1 milhão de pessoas morrem por ano vítimas de suicídio, só no Brasil são cerca de 12 mil, em sua maioria casos relacionados a transtornos mentais, como depressão e transtorno bipolar.

Uma das muitas causas de transtornos mentais e consequentemente suicídio é o ambiente laboral. Segundo Caroline Raquele Jaskowiak e Rosane Teresinha Fontana no artigo, O trabalho no cárcere: reflexões acerca da saúde do agente penitenciário, publicado na Revista Brasileira de Enfermagem (2015, p.241) “o sofrimento e o adoecimento no trabalho podem tornar-se um obstáculo à qualidade de vida”, causando o estresse ocupacional o que para Zambom (2014, p.17) “ocorre na interação entre as condições do trabalho e as características de cada pessoa”, sendo definido nas situações em que o trabalhador se vê em seu ambiente laboral, ameaçado por suas exigências profissionais físicas ou mentais, o que afeta negativamente a relação do trabalhador não só com outras pessoas, mas, também, com o seu ambiente laboral.

Sendo assim, resta evidente que algumas profissões se tornam campo propicio para casos de estresse que resultam em transtornos mentais, culminando em suicídio, e não podemos negar que a profissão de policial penal reúne muitas destas características.

O trabalho no ambiente prisional tem se notabilizado por um grande índice de adoecimento. A constante exposição ao perigo, a pressão, a sobrecarga de trabalho devido à falta de servidores, o constante estado de alerta, a invisibilidade social, a falta de valorização do poder público, tudo isso somado não só ao ambiente de trabalho insalubre, mas, também, a periculosidade de suas funções são fatores preponderante e agravantes ao desenvolvimento do estresse laboral. Afinal, trabalhar no sistema penitenciário é manter contato direto com apenados de alta periculosidade, sendo o responsável pelo confinamento no cárcere, o que repetidas vezes expõe o profissional à possibilidade de rebeliões, ameaças, intimidações e até agressões e risco à própria vida (JASKOWIAK; FONTANA, 2015).

Por outro lado, é importante salientar que o sistema prisional brasileiro é considerado um dos maiores do mundo e o crescimento da população carcerária está muito aquém do poder do Estado em prover vagas o que resulta em uma superpopulação carcerária com unidades com até o dobro de sentenciados além do limite estabelecido, deixando um ambiente totalmente danoso e insalubre. A capacidade de contratar do estado também é deficiente, a maioria das unidades prisionais além da superpopulação carcerária tem que conviver com o déficit funcional prejudicando ainda mais a saúde dos trabalhadores, seja ela física ou mental.

Segundo René Mendes, no artigo O impacto dos Efeitos da Ocupação Sobre a Saúde de Trabalhadores, as consequências decorrentes do estresse ocupacional podem ser agrupadas em três classes: reações emocionais, comportamentais e fisiológicas. As reações emocionais são manifestadas pela ansiedade, depressão, histeria, e outros problemas oriundos do estado emocional, já as reações comportamentais são reveladas pelo alcoolismo, tabagismo, dependência de drogas, e em casos extremos, até suicídio. Por último as reações fisiológicas condizem às alterações do organismo que geram taquicardia, sudorese, hipertensão arterial e aumento de lipídios sanguíneos.

Mas, o que vem a ser o suicídio? Etimologicamente a palavra vem do latim moderno suicidium, em que o prefixo sui indica a si mesmo e o sufixo cidium representa um assassinato; significa, portanto, a ação de causar a própria morte de modo proposital (Etimologia de Suicídio, 2020).

Apesar dessa ação também poder se caracterizar como falta de esperança, insatisfação, desespero frente à falta de soluções de problemas vividos, a sua intenção nem sempre é compreendida.

O livro, O suicídio: estudo de sociologia, Émile Durkheim (2014), destaca três tipos de suicídio: o egoísta, o altruísta e o anômico, porém, para Eduardo Gonçalves e Alexandre Pértega-Gomes, no artigo, Os quatro tipos de suicídio em Durkheim: egoísta, altruísta, anômico e fatalista  (2016),  há ainda em Durkheim (2014) o suicídio fatalista, que está relacionado com o fato de o indivíduo não enxergar possibilidades de um futuro, sendo o suicídio sua opção justamente por não suportar a pressão e regras excessivamente impostas a ele, este último,  enquadrando-se, perfeitamente, nas condições vividas pelos policiais penais nos dias atuais.

Porém, como Durkheim afirma, existem vários tipos de suicídio, levando-se então, há inúmeras situações que possam desencadeá-lo, ou seja, não há um único fator preponderante na ideia suicida, assim, não há como explica-lo facilmente. O fato é, apesar de todas as condições adversas vividas pelos policiais penais no seu dia laboral, apenas entender esse ambiente não explica os fatores que levam esses profissionais a cometer o suicídio, visto que as respostas para tal têm muito a ver com a particularidade que cada ser humano lida com a vida.

Diante disso, não há dúvidas de que políticas de combate ao suicídio devem ser adotadas imediatamente, dentro e fora do ambiente prisional, além de serem criados grupos de estudo a fim de identificar as principais causas e combatê-las. Porém, destaca-se que estes grupos de estudo têm que ser constantes e não devem ser adotados apenas de forma paliativa, ou temporal, tampouco devem se ater apenas às condições adversas de trabalho que estes profissionais enfrentam.

No entanto, é de suma importância que as políticas de combate ao suicídio entre os policiais penais comecem a partir das condições de trabalho encontrados por estes, pois tais condições, apesar de não serem a única razão dos inúmeros casos de suicídio entre os profissionais, como já citado, são algumas das principais causas dos transtornos mentais. 

Assim torna-se imperativo que se criem políticas públicas direcionadas a melhorar estas condições, políticas que podem começar por tornar o ambiente prisional um local menos insalubre, diminuindo a superpopulação carcerária e o déficit funcional. Políticas de investimento em qualificação e qualidade de vida dos servidores, procurando valorizá-lo e acolhê-lo diante das diversas situações adversas vividas, tais como, motins, rebeliões, agressões, criando também programas de apoio e ajuda aos pacientes que possuem algum tipo de transtorno mental.

Falar sobre o suicídio não é algo fácil, tampouco encontrar soluções para evitá-lo, porém, faz-se necessário que seja um assunto abordado, discutido, falado, estudado sempre e não apenas em meados de setembro.

Nota: Desde o início do mês, a assessoria de imprensa do SIFUSPESP procurou a Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) para solicitar dados oficiais a respeito de suicídios cometidos por servidores da pasta, mas não obteve resposta até a data da publicação deste artigo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Durkheim, É. (2014). O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Edipro

Gonçalves, E., & Gomes, A. P. (2016). Os 4 tipos de suicídio em Durkheim: egoís-ta, altruísta, anómico e fatalista. Recuperado de https://www.researchgate. net/publication/299513448.

JASKOWIAK, Caroline Raquele; FONTANA, Rosane Teresinha. O trabalho no cárcere: reflexões acerca da saúde do agente penitenciário. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 68, n. 2, p. 235-243, 2015.

MENDES, R. O impacto dos efeitos da ocupação sobre a saúde de trabalhadores. I — Morbidade. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 22:311-26, 1988.

SHIKIDA, Pery Francisco Assis; GARCIAS, Marcos de Oliveira; SOUZA, Valmir de; STRAUCH, Allan Georges Nakka; Suicídio Policial: Percepções A Partir De Dados Primários No Oeste Do Paraná. Revista Práticas De Administração Pública Vol. 4, Nº 2. Mai./Ago. 2020 90-116.

ZAMBON, Everton. Estratégias De Prevenção Ao Estresse Ocupacional De Professores Do Ensino Superior Privado. Tese (doutorado). Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.