Tabela divulgada nesta quinta-feira (30) pela Secretaria de Administração Penitenciária atesta profundidade do rombo nos quadros da pasta, que têm mais de 12 mil cargos sem preenchimento, enquanto aprovados em concursos das áreas de segurança, vigilância, saúde e assistência social seguem à espera das chamadas. Com afastamento de servidores vítimas do coronavírus, aposentados e política de privatização do sistema, tendência é de piora

 

por Giovanni Giocondo

Levantamento feito pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), divulgado nesta quinta-feira (30) no Diário Oficial do Estado de São Paulo, mostra que o déficit de servidores no sistema prisional paulista disparou entre 2019 e 2020. De 11.808 funcionários da ativa a menos que o ideal trabalhando no ano passado, a tabela atualizada mostra um efetivo com 12.303 vagas em aberto, uma diferença de 495 cargos vagos a mais que no ano anterior. É importante ressaltar que não estão computados nestes dados o déficit entre os meses de janeiro e abril de 2020.

Apesar do quadro de servidores apresentar cada vez mais buracos, a pasta segue sem fazer nenhuma nomeação desde que Nivaldo Restivo e o governador João Doria (PSDB) assumiram a SAP e o Palácio dos Bandeirantes, em janeiro do ano passado. Os números demonstram que em quase todas as carreiras o déficit aumentou e naqueles em que foi reduzido, caso dos AEVPs, não representou grande mudança positiva no efetivo.

Entre os policiais penais, apenas dentro da função de agente de segurança penitenciária (ASP), existem 4.099 cargos vagos, ante 3.727 em 2019. Já para a atividade de agente de escolta e vigilância penitenciária (AEVP), são outros 3.337 trabalhadores a menos que o número considerado ideal pela própria SAP. O total no ano passado era de 3.423. Faltam ainda 551 oficiais operacionais (motoristas), frente a 524 no em 2019. Esse baixo efetivo representa enorme risco para a segurança do sistema.

No caso das áreas técnicas, de saúde e assistência social, todas tiveram aumento no déficit. Os números entre parênteses representam o quadro de 2019. Faltam atualmente 734 agentes técnicos de assistência à saúde - psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais (695); 106 analistas administrativos (101); 272 dentistas (265); 200 enfermeiros (192); 644 médicos (634); 1.733 oficiais administrativos (1.648) e 491 técnicos de enfermagem (466), entre outros profissionais cuja responsabilidade é sobretudo fornecer atendimento aos detentos.

São no total 12.303 cargos vagos admitidos pela SAP. Na perspectiva do SIFUSPESP, um número considerado absurdamente fora dos padrões mínimos de qualidade no serviço e respeito aos trabalhadores, e que tende a ser maior por dois motivos de emergência. 

 

Aposentadorias e coronavírus devem elevar ainda mais o déficit, e privatização ameaça novas contratações

O primeiro destes problemas está relacionado ao aumento no número de servidores afastados por licença-saúde, isolados, de férias, licença-prêmio ou internados após infecção pelo coronavírus, que até esta quarta-feira (29) era de 129, e que cresce a cada dia . 

O segundo é a escalada na quantidade de pedidos de aposentadoria de servidores gerada pela Reforma da Previdência, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e sancionada por Doria no início de março. 

Muitos dos policiais penais, já reunindo os requisitos mínimos de idade e tempo de contribuição para se aposentarem, têm feito a solicitação junto aos setores de recursos humanos das unidades. No olhar do SIFUSPESP, até em função do déficit, a SAP tem protelado esses pedidos, o que levou o sindicato a mobilizar o seu Departamento Jurídico com o objetivo de garantir o acesso desses servidores à aposentadoria.

Por outro lado, a SAP segue imparável diante de seu projeto de privatização do sistema prisional paulista. Apesar de ter adiado para 29 de maio a data do leilão dos centros de detenção provisória(CDPs) de Aguaí, Registro e Gália I e II, a pasta teve como motivação o estado de calamidade pública provocado pela  pandemia de coronavírus em São Paulo. 

O edital segue em andamento, e é questionado na Justiça pelo SIFUSPESP, que alega que o preenchimento de vagas nessas novas unidades poderia ser feito pelos candidatos aprovados nos concursos públicos para as áreas de vigilância, segurança e técnicas de 2014, 2017 e 2018. “A SAP, no entanto, quer porque quer terceirizar as atividades meio e fim das unidades prisionais, e desrespeita portanto as chamadas destes certames”, explica o presidente do sindicato, Fábio Jabá.

 

SIFUSPESP alerta: déficit tende a provocar mais agressões, mortes e fugas

Para o presidente do SIFUSPESP, o quadro deficitário de trabalhadores causa enormes prejuízos ao bom funcionamento das unidades prisionais, comprometendo a segurança dos profissionais e de toda a população, além de afetar a disciplina dos detentos e os atendimentos obrigatórios que devem ser feitos à massa carcerária de mais de 235 mil presos em São Paulo, conforme determina a Lei de Execução Penal (LEP).

“A SAP segue cometendo ilegalidades ao se omitir e abandonar os servidores à própria sorte. Esses profissionais estão sob grande risco de ameaças e agressões, principalmente porque, além de trabalharem com efetivo abaixo do essencial, ainda lidam com unidades superlotadas, onde vivem muitas vezes o dobro de sentenciados em relação à capacidade. Com a proliferação da COVID-19 pelo sistema, o perigo é ainda maior, com a morte sempre à espreita devido ao aumento do número de infecções e do ambiente insalubre”, pontua Fábio Jabá.

O sindicalista ainda reitera que o preso, quando se vê em uma situação onde não tem assistência médica e de saúde mental, tende a se revoltar e promover motins, tentativas de fuga e atacar os servidores fisicamente, o que pode reverberar nas ruas. 

“Esse cenário, aliado à falta de policiais penais disponíveis na segurança e vigilância, pode certamente criar um ambiente de tensão que em breve vai atingir com violência a sociedade do lado de fora dos muros. Por enquanto, a população assiste impassível a este filme dramático, mas quanto mais o tempo passa e mais o sistema se torna superlotado e com déficit funcional, mais se aproxima o momento em que não haverá mais ninguém a salvo dos efeitos que essa panela de pressão tem se tornado, prestes a explodir”, finaliza Jabá.