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Na contramão do modelo de operação e da arquitetura consolidados para unidades prisionais, governador do Estado tenta emplacar cinco penitenciárias verticais a baixo custo, ameaça terceirizar cargos de policiais penais e confronta Ministério da Justiça

 

por Giovanni Giocondo

Colocar policiais penais sob risco de morte ao menor sinal de motim ou incêndio, e à mercê das agressões e dos sequestros em qualquer momento. Enquanto isso, os presos permanecem confinados em abarrotados pavilhões na maior parte do dia, mas com a disponibilidade de banhos de sol sobre um  terraço com visão global e estratégica do entorno da região do Gericinó, zona oeste do Rio de Janeiro.

Em resumo, um novo Carandiru que ameaça a sociedade brasileira de novos episódios de massacres e tragédias do cárcere à semelhança dos anteriores. Essa é a perspectiva de barbárie que se avizinha com a promessa por parte do governador Wilson Witzel (PSC) de construir cinco presídios verticais para, supostamente, “receber somente sentenciados sem ligações com facções criminosas”, ao custo de R$ 82 milhões por cada um dos complexos.

É este projeto que o Palácio da Guanabara apresentou à parte da imprensa como solução para o sistema prisional do Estado, já dando como certa a transferência dos detentos para esses locais em matérias divulgadas pelo jornal O Globo e a Rádio Jovem Pan AM nesta segunda-feira (27).

Vendido com o verniz da planta de um novo condomínio - “conjuntos de seis prédios de 11 andares com quadras esportivas e postos médicos” - mediante a apresentação de slides onde não se vê a presença dos indivíduos que estarão no local quando a capacidade para 25 mil presos estiver completa - o projeto foi prontamente recusado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), em audiência pública feita em agosto de 2019.

Resolução do órgão vinculado ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, de dezembro de 2017, estabelece que mesmo que seja adotado “qualquer tipo de sistema construtivo para estabelecimentos penais” por parte dos Estados, devem ser respeitadas diretrizes mínimas “que garantam a solidez e a segurança da edificação”. No caso da proposta de Witzel, é sobretudo a segurança que sai prejudicada devido à forma como a arquitetura das unidades foi pensada. 

 

Conselho demonstrou provas cabais dos erros do projeto

“A arquitetura não se resume a uma simples questão econômica de menos custo, mas de custo-benefício, uma vez que o local será a moradia de presos durante muitos anos, assim como o ambiente de trabalho de milhares de pessoas por um longo tempo, daí a necessidade de construção de espaços adequados para a segurança de servidores, presos e visitas”, esclarece o conselheiro do CNPCP Vilobaldo de Carvalho em seu parecer.

Também diretor jurídico da FENASPPEN, o policial penal com décadas de experiência no sistema prisional do Piauí demonstra que o projeto do conjunto prisional vertical apresenta “fragilidade na segurança a partir do momento em que não se visualiza um sistema de proteção com pontos estratégicos de vigilância e apoio, enquanto que a altura dos pavimentos poderia permitir que funcionários trabalhando na área interna fossem atingidos a partir da parte externa da unidade”.

Para o conselho, o projeto também não comprova “a existência de espaços para atividades voltadas à promoção da adequada reintegração social da pessoal presa, conforme determina a Lei de Execução Penal(LEP)".

Vilobaldo Carvalho ainda ressalta no documento que o modelo apresentado, em caso de rebeliões e incêndios em pavimentos inferiores, comprometeriam os superiores. “Apesar de a unidade evidentemente precisar funcionar dentro da “normalidade”, não se deve menosprezar possíveis acontecimentos graves dentro da realidade do sistema prisional brasileiro que, nos últimos anos, registrou massacres entre presos em diversos Estados”, finaliza o conselheiro, ressaltando também os prejuízos que sofreria a mobilidade rotineira dos sentenciados para atividades inerentes à condição de estar preso dentro de um edifício desse modelo.

O que torna mais grave a pretensão de Witzel é que esta resolução do CNPCP é mais flexível que a que existia anteriormente. Quando a mudança aconteceu, especialistas em arquitetura penal e socioeducativa, como a arquiteta Suzann Cordeiro, criticaram a medida por considerar que elas influenciavam negativamente os padrões de custódia de pessoas privadas de liberdade por “suprimir as áreas mínimas de quase totalidade dos módulos que fazem parte do programa de necessidades do projeto arquitetônico dos estabelecimentos prisionais”.

Em nota técnica encaminhada ao CNPCP, a arquiteta explicava que justificativas de dificuldades e atrasos nas obras de estabelecimentos penais "não poderiam ser utilizados como argumentos para facilitar a construção de novas unidades".

As reais causas dessa demora para 99 projetos envolvidos no Programa Nacional do Sistema Prisional, vigente entre 2011 e 2016, analisados por Cordeiro, seriam “alteração ou inadequação de terrenos, descontinuidade administrativa, inadequação ou incompletude de projetos de engenharia, falha no edital de licitação e mobilização social desfavorável para construção do estabelecimento prisional”.

É o CNPCP que estabelece regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais, fornecendo os subsídios legais para que o DEPEN, por meio do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), faça o repasse de verbas federais para a construção e reforma de unidades prisionais nos Estados - portanto, sem a aprovação dos conselheiros, não há dinheiro disponível para obras.

Em julho do ano passado, Witzel já se irritava com a iminência da derrota quando disse que o Departamento precisava ser “extinto” apenas por exigir prazos legais para responder tecnicamente a respeito da possibilidade de construção dos presídios verticais. Com a recusa do seu projeto, a estratégia mudou. Ele promete usar do próprio orçamento do Estado do Rio para escapar dos vetos feitos ao projeto.

 

Privatização pode estar por trás do anúncio de presídios verticais, denuncia sindicato

A ânsia por construir o novo Carandiru do Rio de Janeiro faz com que Witzel menospreze a expertise e a série de alertas feitos pelos policiais penais que já trabalham no sistema e são rigorosamente contra o projeto.

“A proposta é nociva à operacionalidade do sistema. Experiências menos audaciosas no Estado feitas com prédios de apenas três pavimentos provocaram situações dramáticas durante motins ocorridos em 2004 e 2006, quando a resolução dos conflitos foi dificultada pelos bloqueios provocados graças a uma arquitetura mal projetada, que impede ação imediata por parte das forças de segurança”, explica nota do Sindicato dos Servidores do Sistema Penal do Rio de Janeiro (SINDSISTEMA).

Nesse sentido, o governador já sinaliza no sentido da privatização dessas futuras unidades e de parte das já existentes, terceirizando inconstitucionalmente os serviços de custódia a partir da contratação de mais de 5 mil funcionários em modelo de cogestão.

Ao justificar a inexistência de recursos financeiros em caixa, Witzel mente sobre o impedimento legal para fazer novos concursos públicos. “De acordo com levantamento da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP), existem aproximadamente 1.500 cargos vagos de inspetor penitenciário no Estado e o regime de recuperação fiscal ao qual o Rio de Janeiro está submetido não veda a realização de certame para essa situação” reitera o sindicato.

O SINDSISTEMA ainda denuncia o déficit funcional, a falta de equipamentos básicos e de estrutura de trabalho nas atuais unidades como sinal inequívoco do abandono do sistema prisional fluminense. “Um sistema em decadência, com unidades sob funcionamento precário, baixo efetivo de servidores diante da administração da custódia, da disciplina, da saúde e da ressocialização de mais de 50 mil presos, enquanto o governo promete para os presos terraço com banho de sol e vista privilegiada de toda a movimentação no vizinho Complexo Penitenciário do Gericinó” complementa a nota do sindicato.

 

Confronto com Moro e Bolsonaro evidencia pretensões presidenciais de Witzel

Em meio ao acirramento da polarização política no Brasil, WIlson Witzel tem se posicionado nacionalmente como alguém que age para se colocar à direita do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Mais do que isso, postando-se como concorrente ao cargo maior do país em 2022.

Juiz federal aposentado e ex-fuzileiro naval, o atual governador conseguiu aprovar para 2020 um orçamento de R$ 12 bilhões somente para a segurança pública. Serão R$ 274 milhões para ações ostensivas das polícias civil e militar.

Mediante um discurso e práticas voltadas à mostra do seu “implacável combate à criminalidade” - que esteve em debate nas eleições de 2018 e ajudou a eleger tanto Witzel quanto Bolsonaro e o próprio João Doria (PSDB) em São Paulo - o governador do Rio já registrou em apenas um ano de trajetória diversos episódios públicos em que tenta aparecer como o arauto da eliminação dos problema sociais e de segurança de seu Estado - que não são poucos - com base em publicidade pessoal.

Ao iniciar o mandato, se vestiu como membro do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Em maio, gravou de dentro de um helicóptero um vídeo em que um militar atira com um fuzil contra um alvo em Angra dos Reis. Em agosto, apareceu para comemorar o desfecho da operação que terminou com a execução, por um atirador de elite, do sequestrador de um ônibus na ponte Rio-Niterói.

A última de suas promoções é enfiar 25 mil presos em seis prédios de 11 andares cada para resolver a superlotação do sistema prisional em clara afronta ao DEPEN e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública controlados por Moro.

Ao anunciar aos veículos de mídia que os primeiros 86 presos que serão transferidos para o futuro complexo foram detidos em decorrência de condenações da Operação Lava-Jato, o governador volta a provocar o ex-juiz e atual ministro, que ganhou notoriedade graças a sua atuação como principal responsável pelas sentenças contra esses criminosos.

No terreno dos confrontos através da imprensa, ficou notável o caso envolvendo as investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em março de 2018.

Em setembro do ano passado, Witzel ameaçou processar Bolsonaro após o presidente tê-lo acusado de manipular a polícia civil no inquérito, além de criticar Moro por este ter pedido que a Justiça passasse a investigar o porteiro que, na condição de testemunha, disse que um dos acusados do crime, Elcio Queiroz, teria ido para a casa de Bolsonaro em um condomínio na noite em que Marielle foi morta a tiros.

Já em novembro, quando da morte de uma criança de 5 anos vítima de tiroteio entre policiais e traficantes em Realengo, zona norte do Rio, o governador responsabilizou o governo federal “por não impedir a entrada de armas e drogas no país”, dizendo que essa falta de combatividade “alimenta a guerra insana nos Estados”. 

Casos de disputas políticas e por um espectro de poder perante a sociedade que se repetem quase que mensalmente, e que colocam em evidência que a prioridade do governador do Rio de Janeiro tem sido não a segurança da população, mas a construção de uma narrativa na qual ele quer se mostrar como a cura para todos os males para uma criminalidade que não deixará de existir, nociva e forte, enquanto o sistema prisional for tratado como um mero depósito de sentenciados.

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