Governo admite que trabalha com número insuficiente de funcionários e estrutura de “puxadinho” em complexo onde nove detentos foram mortos por rivais durante motim. Um dia após rebelião, dois agentes foram assassinados fora dos muros


O ano é novo, mas a violência dentro das unidades prisionais segue a infeliz tradição de 2017, quando Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte foram palco de mais de uma centena de mortes. O mais recente massacre entre detentos desta vez aconteceu em Goiás, onde na segunda-feira, 01/01, sentenciados mataram nove presos na Colônia Agroindustrial do  Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia e deixaram outros 14 feridos durante um motim. Mais de 230 presos fugiram, e 105 continuam foragidos.


O setor onde a rebelião ocorreu recebe detentos do regime semi-aberto de três diferentes alas, que fizeram um buraco em uma parede para acessar outra ala, onde ficavam seus rivais. Os sentenciados envolvidos tinham armas de fogo e objetos pontiagudos que utilizaram como armas brancas, e também queimaram colchões para provocar um incêndio. Ainda não foi esclarecido como os armamentos entraram no local.


Metade dos presos que fugiu retornou de forma voluntária por ter saído do local justamente para escapar dos ataques dos outros presos.


Nenhum agente ficou ferido durante o motim, mas conforme informações de diretores da FENASPEN em Goiás, os servidores atuam em número extremamente reduzido, com um funcionário vigiando em média 100 sentenciados.


De acordo com Jorimar Bastos, presidente da Associação dos Servidores do Sistema Prisional do Estado de Goiás, são mais de 20 mil presos para um quadro de cerca de 1.300 agentes, que se revezam em plantões que incluem não só a segurança e a disciplina, como também fazem serviços administrativos.


A falta de investimentos do Estado no setor é um dos principais fatores responsáveis por mais uma tragédia. No momento da rebelião, apenas quatro funcionários faziam a vigilância dos presos, enquanto outros seis foram convocados somente após o incêndio, situação que o sindicalista considera inadmissível.


Neste quadro há riscos iminentes de novas rebeliões em outras unidades prisionais goianas tão mal estruturadas quanto à de Aparecida. Novo Gama e Luziânia, comenta-se, podem ser os próximos alvos diante dessa situação periclitante em que se encontram nossos presídios”.


Governo do Estado é omisso ante déficit de servidores e falta de estrutura


O déficit de trabalhadores é admitido pela Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária(SSPAP). Durante entrevista coletiva concedida nesta terça-feira, o superintendente executivo de Administração Penitenciária(SEAP), tenente-coronel Newton Castilho, afirmou que a quantidade de agentes é “insuficiente” para atender à demanda, e que no momento do motim 768 presos estavam sob os cuidados de somente cinco agentes.


Ao falar sobre “providências” que o governo de Marconi Perillo(PSDB) está tomando para resolver o problema, o superintendente confirmou que a SSPAP vai contratar 1,6 mil funcionários de forma temporária, além de trabalhar junto ao tucano para acelerar a construção de cinco nova unidades que estão em obras. Deverá acrescentar a isso os custos da reconstrução do complexo destruído pelas chamas.


No olhar da FENASPEN, a contratação desses funcionários sem vínculo com o Estado reforça a falta de compromisso que o governo têm com os servidores e com a sociedade que assiste impassível a mais esse violento episódio. A presença maciça de servidores com salários dignos, planos de carreira e treinamento condizente com as condições encontradas nas unidades prisionais poderia evitar mais essa tragédia anunciada.


No caso dos temporários, o edital de contratação foi concluído em 2016, mas acabou questionado na Justiça, que de acordo com a SSPAP dará uma decisão favorável ao Estado nos próximos dias. Sobre novos concursados, não há previsão de novas nomeações, pois a superintendência se limita a falar sobre um aumento de 103% no efetivo de novos servidores alcançado em 2017, mas sem informações sobre o déficit.


A situação fica ainda pior para o retrato tenebroso de omissão do governo do Estado quando o Secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária, Ricardo Balestreri, disse após o motim e as mortes que o grande número de casos recentes em Goiás é resultado da “infraestrutura frágil das prisões”, que são “puxadinhos e gambiarras construídos ao longo dos últimos anos”.


Nesse cenário, como fica a vida do agente penitenciário goiano? Com medo, sem saída, e sob pressão intensa do crime, ele não conta com respaldo do Estado para exercer sua profissão de maneira segura e vê a conjuntura ser cada vez mais desfavorável à sua permanência no sistema. Como sobreviver em meio a esse tiroteio permanente?


Na visão de Jorimar Bastos, a situação é de total abandono por parte do Estado. “Estamos entrando no oitavo ano de administração deste governador, e já são sete anos sem qualquer tipo de investimento no sistema prisional. O governo sempre fala que o sistema padece e que precisa melhorar, mas nada é feito e nós seguimos sob perigo constante no trabalho”, acrescenta o sindicalista.


Logo após rebelião, dois agentes foram executados a tiros nas ruas


Nesta terça-feira, 02/01, apenas um dia após o motim em Aparecida de Goiânia, dois agentes penitenciários foram assassinados a tiros na cidade de Anápolis. Eduardo Barbosa sofreu uma emboscada, sendo alvejado por mais de 30 tiros disparados pelos criminosos, enquanto Ednaldo Monteiro foi atingido dentro de seu carro quando saía de um estabelecimento de propriedade de sua família.


Jorimar Bastos, presidente da Associação dos Servidores do Sistema Prisional do Estado de Goiás, afirma que as mortes dos companheiros possui relação direta com a rebelião. “Estamos sendo caçados e exigimos uma resposta condizente por parte do governo”, acrescentou.


O Sifuspesp se solidariza com a categoria goiana, e entende que os problemas que os companheiros deste Estado passam tem relação com um mesmo modelo de precarização orçamentária e organizacional do sistema penitenciário que enfrentamos em todo o país, inclusive no Estado de São Paulo.